Os Yanomami na minha vida

Os Yanomami na minha vida

Os Yanomami na minha vida

Cláudia Andujar
Fotógrafa e membro fundadora da Comissão-Pró Yanomami, coordenou a campanha pela demarcação da Terra Indígena Yanomami entre 1978-1992.

Minha relação com os Yanomami, fio condutor da minha trajetória de fotógrafa e de vida, é essencialmente afetiva.

Esse sentimento, através dos tempos, me levou a compartilhar meu tempo de fotógrafa com atividades em defesa dos direitos territoriais e direitos de sobrevivência dos Yanomami. Uma tarefa árdua e que requer muita perseverança.

Apesar disso, meu trabalho fotográfico continua. Nos anos 70 e 80 passei muito tempo entre eles. Desenvolvi um trabalho intimista sobre seu cotidiano.

Agora, depois de duas décadas de empenho quase exclusivo na defesa de seus direitos, sinto a necessidade de me abstrair e sintetizar esse trabalho fotográfico que vivenciei tão intensamente.

Procuro apresentar o sentido de compromisso e lealdade que perpassa toda minha relação com eles.

Fotografo os Yanomami há mais de vinte anos. Tenho um acervo de vários milhares de negativos, que considero uma mina repleta de imagens sobre as quais construo uma memória que sigo atualizando.
De tempos em tempos me permito parar o tempo e na contemplação das imagens encontro uma nova expressão, um novo sentido visual, incorporo imagens de viagens recentes (agora não são mais estadas, são curtas viagens), que me permitem unir o passado ao presente, que já quase é o futuro da vida deles. A vida dos Yanomami não se limita mais às longas estadas e viagens na floresta, noites repletas de conversas e discursos na grande maloca comunitária sobre o luar e milhares de estrelas. Hoje incorporam à sua vida a escola bilíngüe,as assembléias indígenas, os imensos problemas causados pela invasão garimpeira e suas conseqüências, as doenças. Nos diálogos noturnos, no repensar dos valores da vida, eles estão se abrindo para uma nova visão do mundo.

Faço como os Yanomami, que estão elaborando seus mitos, justificando-os, retrabalhando continuamente a oralidade de sua história para ajustá-la ao novo, aos tempos de hoje. Uma bricolagem de adaptação e atualização dos tempos dos mitos primordiais. Sem esse passado, a sua história, a bricolagem cairia no vazio. E é por isso que a memória tem função vital no processo de adaptação e elaboração do novo.
Do mesmo modo consigo sentir um bem-estar muito grande e apreciar o privilegio de ter tido a oportunidade de vivenciar e documentar um passado que ainda em muitos casos ainda é presente, um passado expandido. A adaptação de uma cultura como aquela dos Yanomami,um povo de recém contato com um mundo que não é deles, é um processo delicado e lento, é um repensar do sentido do universo e da vida.

Meu trabalho ainda não encontrou sua forma definitiva, que na verdade creio que não existe. Como os mitos, se adapta, incorpora novas imagens e toma novas formas, passa pela transcodificação (das imagens) para se atualizar, numa bricolagem virtual infinita.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *