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200 anos da Independência | O Tamoyo, um empreendimento andradino

18 jul 2021

Artigo arquivado em 200 anos da Independência
e marcado com as tags Independência do Brasil, Irmãos Andrada, José Bonifácio de Andrada, Primeiro Reinado, Secult

Também bicentenária, certa imprensa foi intrínseca ao processo de Independência do Brasil, no século XIX. O periódico O Tamoyo, lançado no Rio de Janeiro (RJ) em 12 de agosto de 1823, foi um exemplo e tanto nesse sentido. Fundado pelo estadista José Bonifácio de Andrada e Silva assim que acabou afastado do cargo de ministro do Reino e dos negócios estrangeiros, o jornal tinha função de defender a figura de seu dono, bem como de sustentar seu irmão, o também político Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, e demais figuras ligadas à dupla. Os redatores, entretanto, não eram os Andrada, mas dois amigos de José Bonifácio: Vasconcelos Drumond e França Miranda. Dado o complexo e turbulento contexto político que deu início ao Primeiro Reinado, o órgão impresso era mais do que necessário aos Andradas, sobretudo pelos ataques que recebiam do articulista português João Soares Lisboa, o redator do Correio do Rio de Janeiro.

O Tamoyo, devido à sua inserção nas disputas políticas do Império, não deixou de ter certa carga contraditória, ao sabor de seu tempo. Até seu desligamento do governo, José Bonifácio era ligado a Dom Pedro I, tendo mesmo, através da chamada "bonifácia", liquidado a imprensa liberal que denunciava o despotismo do monarca, em outubro de 1822. Ainda assim, a meados de 1823 Dom Pedro o havia demitido após um entrave entre o ministro e o padre e deputado Francisco Muniz Tavares, a respeito de um projeto que estipulava a deportação dos portugueses no Brasil, que não vingou – oficialmente, no entanto, o afastamento se deu por uma questão menor, inscrita na política regional paulista. O Tamoyo, lançado logo em seguida, marcou a entrada dos Andradas na oposição ao governo, embora em seu jornal a figura do imperador fosse poupada. Ademais, e apesar da repressão violenta a impressos de oposição, o periódico era dotado de contornos liberais. Hoje, no fim das contas, serve como um documento de relevância para a compreensão do projeto andradino.

O historiador Nelson Werneck Sodré, em sua “História da imprensa no Brasil”, caracteriza a situação peculiar em que O Tamoyo se encontrava:

No dia 16 de julho [de 1823], caía o ministério presidido por José Bonifácio. Os Andradas e seus amigos, que haviam arrasado a imprensa liberal, colocavam-se agora em oposição. Para isso, além da tribuna parlamentar, disporiam de um jornal, O Tamoio (...). Era pequeno jornal do tipo doutrinário, de 4 páginas, a maior parte do espaço ocupado por um só artigo, de comentário dos acontecimentos mais recentes, mas tão somente políticos. (...) Fazia (...) um tipo de oposição que encontrava a mais ampla receptividade, pelas condições do tempo, pois assentava no puro jacobinismo, atacando os portugueses em linguagem desabrida. (...) Ainda que nele não fosse direta a responsabilidade de José Bonifácio, dele era a inspiração do jornal e, possivelmente, parte de sua matéria. De qualquer forma, a orientação refletia o pensamento político andradista e resultava do impasse a que fora levada a conduta pública de José Bonifácio, em consequência de suas contradições. (p. 77).

A receptividade do público a’O Tamoyo refletiu sobre a sua periodicidade. Impresso nos prelos da oficina de Silva Porto & Cia., o jornal vinha a lume uma vez por semana, inicialmente, às terças-feiras. No entanto, talvez por angariar bom número de leitores, passou a sair também às sextas-feiras, e, por fim, era publicado às terças, quintas e sábados. De resto, Werneck Sodré cita ainda uma introdução à edição fac-similar que O Tamoyo teve em 1944, assinada por Caio Prado Júnior. Nas palavras deste, nada amenas, já o título do periódico, “o nome de uma nação indígena”, indicava hostilidade aos colonizadores. Além disso, e por outro lado, nas palavras do intelectual paulistano, o jornal teria sido

(...) um ataque indiscriminado e incoerente, cheio dos mais absurdos exageros. José Bonifácio, refletido por seus amigos no Tamoio tomara-se de um ódio que se pode dizer pessoal aos portugueses. Tocará, com isso, uma fibra muito sensível da opinião popular. Mas nada mais: não era possível construir sobre tal base puramente emotiva uma política eficiente e construtiva. À oposição revolucionária dos democratas contra os privilégios econômicos e sociais de que os portugueses eram os principais titulares (mas não os únicos), o Tamoio substituirá uma oposição estéril aos indivíduos nascidos no Reino. Conseguirá com isto mobilizar a opinião brasileira – no que será aliás ajudado por outro periódico de igual feição mas muito mais violento, A Sentinela da Praia Grande, cujas relações com os Andradas não estão suficientemente apuradas. Mas será uma mobilização puramente demagógica que acabará por se desmoralizar (p. 77/78).

Deve-se considerar, ainda assim, que O Tamoyo foi contemporâneo ao golpe absolutista de Dom João VI em Portugal, ferindo a plenitude dos poderes estatais lusitanos e alimentando os interesses da metrópole na rearticulação com o Brasil. Com a Independência ameaçada, o tom da imprensa liberal subiu contra a incorporação de portugueses que haviam optado por permanecer na antiga colônia ao Exército brasileiro, bem como a nomeação de portugueses para cargos de confiança e quaisquer manobras de reaproximação entre Portugal e Brasil. Na Corte de Dom Pedro I, o ambiente era tenso: ministros portugueses de nascimento se demitiam e a instabilidade reinava. Como se não bastasse, a 11 de novembro de 1823 a Assembleia tinha ciência de que um golpe se armava contra ela. Visando a tranquilidade, o governo resolveu, na seção deste dia na Assembleia, investir contra a imprensa considerada “incendiária” – que era, no Rio de Janeiro, naquele momento, somente O Tamoyo e A Sentinela da Liberdade à Beira do Mar da Praia Grande, supracitada por Caio Prado Júnior. A dita imprensa liberal andradina foi, enfim, silenciada – O Tamoyo, precisamente, deixou de existir depois de sua edição de nº 35, datada de 11 de novembro daquele mesmo ano.

Posteriormente, é bom dizer, outros jornais circularam com o título de O Tamoyo – tanto no século XIX quanto no século XX, mais precisamente nos anos de 1851 e 1902. Mas já são outras histórias: nenhum desses outros periódicos possuía vínculos com a folha andradina.

Explore os documentos:

José Bonifácio, o patriarca da Independência:

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O Tamoyo