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A Manhã (Rio de Janeiro, 1941)

28 out 2015

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e marcado com as tags Alceu Amoroso Lima, anticomunismo, Arte e cultura, Cecília Meireles, Economia, Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, Estado Novo, Getúlio Vargas, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Manuel Bandeira, Questões trabalhistas, Rio de Janeiro, Vinícius de Morais

A Manhã foi um diário matutino lançado em 9 de agosto de 1941, no Rio de Janeiro (RJ), sob a direção de Cassiano Ricardo. Sempre veiculado em formato standard, era subordinado à Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, órgão do Estado Novo instaurado em 1937, também regulador da Rádio Nacional, do jornal carioca A Noite (que havia sido encampado na Revolução de 1930) e da folha paulistana também chamada A Noite, de Menotti Del Picchia. Circulou formalmente como propriedade da empresa de A Noite carioca até seu fim, em meados de 1953, e não possuía nenhuma relação com as folhas homônimas lançadas anos antes por Mário Rodrigues ou por Pedro Motta Lima.

Após o advento do Estado Novo em 1937, Getúlio Vargas encarregou o coronel Luiz Carlos da Costa Netto, superintendente das Empresas Incorporadas, e André Carrazzoni, diretor de A Noite, de produzir uma lista de possíveis diretores para um novo jornal governista a ser lançado. Vargas pretendia criar um periódico de grande circulação que servisse de porta-voz do Estado Novo na capital, divulgando as principais ideias do novo regime. Segundo Marieta de Morais Ferreira, no “Dicionário histórico e biográfico brasileiro pós-1930”, na relação elaborada por Costa Netto e Carrazzoni

O nome de Cassiano Ricardo preencheu todas as condições requeridas. Em 1937, esse autor havia publicado o livro O Brasil no original, em que defendia 'a ideia de uma democracia social como terceira solução, sem comunismo nem fascismo' – um tipo de visão que ia ao encontro das expectativas de Vargas. Além disso, o próprio Cassiano Ricardo afirmava que seu pensamento político tinha muitos pontos de contato com o Estado Novo. Assim, em 24 de maio de 1941, Cassiano Ricardo foi oficialmente convidado a assumir a chefia do novo jornal. (p. 3.534)


Quando A Manhã estava pronto para ser lançado, sua direção adotou uma linha editorial que Marieta de Morais Ferreira define como “doutrinária no exame dos problemas sociais e econômicos do país, pregando a necessidade de ‘um regime forte (não ditatorial) para se colocar a democracia em estado de legítima defesa’”. No editorial “Vale a pena morrer pela democracia?”, assinado por Cassiano Ricardo na edição de 26 de agosto de 1941, o diretor da folha pregava por um “regime socializante, orgânico e capaz de realizar as aspirações mais avançadas e defender as liberdades humanas à luz de nossa formação cristã”. Para ele, “Não há mais democracia”, estando o modelo desta, ao menos no mundo ocidental, ligada aos “princípios já mortos do liberalismo”. A Manhã tinha ainda a preocupação política de se mostrar didático, expondo ao leitor os princípios da Carta de 1937 e se ocupando da explicação do que seria o regime de Vargas quando em sua forma ideal: organizado em duas câmaras, uma política e outra de representantes de trabalhadores e de classes produtoras.

Além de seu caráter político doutrinário, A Manhã, em seus primeiros momentos, também desenvolveu sua faceta cultural. O diário chegou a lançar dois suplementos em formato tabloide: o primeiro, voltado à literatura brasileira, foi “Autores e Livros”, dirigido por Múcio Leão. Segundo Marieta de Morais Ferreira, este foi “uma verdadeira história da literatura brasileira, com excelente documentação iconográfica”. O segundo, dirigido por Ribeiro Couto, foi “Pensando da América”, que procurava documentar e divulgar a cultura do continente americano. Outros dois suplementos foram planejados para A Manhã, mas não chegaram a sair: “Críticas das Ideias”, que teria sido dirigido por Eurialo Canabrava, e “A Manhãzinha”, encarte infantil que ficaria a cargo de Cecília Meireles.

Salvo alguns desentendimentos iniciais entre Cassiano Ricardo e a superintendência das Empresas Incorporadas quanto à formação da equipe de A Manhã, o diretor do matutino teve relativa liberdade para chamar à redação Barros Vidal (secretário de redação), Jorge Lacerda (auxiliar de direção), Álvaro Caldas (gerente), Leopoldo Aires, Cecília Meireles, Múcio Leão, Ribeiro Couto, Gilberto Freyre, entre outros, como Menotti Del Picchia, que, editando em São Paulo um jornal governista nos mesmos moldes de A Manhã, no caso, A Noite, também acabou contribuindo com a folha carioca. Como colaboradores, neste momento inicial o diário contava com nomes como José Lins do Rego, Manuel Bandeira, Oliveira Vianna, Afonso Arinos de Mello Franco, Alceu Amoroso Lima, Vinícius de Morais e outros. Como se vê, boa parte do corpo colaborador de A Manhã tinha prestígio no campo cultural, obtendo reconhecimento ao jornal. No entanto, embates entre alguns desses intelectuais e a superintendência das Incorporadas eram frequentes, já que o órgão se achava no direito de regular os artigos apresentados. Marieta de Morais Ferreira exemplifica:

Um exemplo desse tipo de problema foi o episódio que envolveu Vinícius de Morais. Em sua seção de crítica de cinema, este último muitas vezes atacava certos filmes, desagradando a algumas empresas e anunciantes, as quais por sua vez pressionavam o coronel Costa Neto. Em virtude desses incidentes, Vinícius acabou sendo afastado do jornal. Outros problemas ocorreram quando elementos do governo tentaram interferir na publicação de matérias, esbarrando na oposição do próprio Cassiano Ricardo. (p. 3.534)


Além dos atritos entre a redação de A Manhã e a direção das Empresas Incorporadas, já nos seus primeiros anos o jornal começou a sentir os efeitos da má administração de seu patrimônio e, sobretudo, do empreguismo. Com uma crise financeira se instalando, o matutino foi obrigado a vender sua sede, migrando sua redação para as dependências do jornal A Noite, na Praça Mauá. Os problemas passaram a se tornar mais agudos conforme o Estado Novo começava a apresentar seus primeiros sintomas de crise.

Em outubro de 1943, com o lançamento do chamado “Manifesto dos mineiros”, considerado a primeira manifestação ostensiva contra o regime de Vargas, uma desavença se instalou na redação de A Manhã. Afonso Arinos de Mello Franco, José Lins do Rêgo, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre decidiram desligar-se do diário. Em contrapartida, em fevereiro de 1945, quando Getúlio Vargas fixou prazo para a convocação de eleições gerais, foi a vez de Múcio Leão apresentar a sua demissão. Na ocasião, fazendo coro à oposição a Vargas, que considerava a atitude do presidente mais um artifício para manter-se no poder, Leão protestava contra a promulgação do ato adicional para as eleições, negando-se a trabalhar em um órgão que seria forçado a defender este documento, ao passo que denunciava as pressões da superintendência das Empresas Incorporadas em reflexo à turbulência política. Diante das adversidades, Cassiano Ricardo chegou a tentar articular a transferência da propriedade de A Manhã para um grupo privado capitaneado por Roberto Simonsen e por Euvaldo Lodi. Sem obter êxito nessa última empreitada, e sem ter como manter o matutino de acordo com seus princípios, Ricardo também acabou se desligando da folha.

No início de julho de 1945, Heitor Moniz assumiu o cargo deixado por Cassiano Ricardo na direção de A Manhã, que continuava com Octavio Lima como gerente. Com a mudança, o jornal passou por uma leve reorganização gráfica, mas as dificuldades persistentes o colocaram em uma espécie de “sobrevida”. A já insustentável situação piorou com a queda de Vargas no final de outubro de 1945. No mês de dezembro, J. Ayres de Camargo passou a dirigir o jornal, contando com M. Carneiro da Cunha como gerente. No entanto, ambos ficariam por pouco tempo no comando da folha.

Já no governo de Eurico Gaspar Dutra, Ernani Reis foi indicado para o cargo de direção do jornal, numa tentativa de reerguê-lo. Para tanto, contava com o retorno de Octavio Lima na gerência. Ambos assumiram seus postos no início de abril de 1946. No fim do ano, no entanto, Octavio Lima foi substituído por Almério Ramos e Álvaro Gonçalves passou a figurar no expediente como secretário. Em 1947, Gonçalves passou a ocupar o lugar de Ramos e, no ano seguinte, José Caó passou a aparecer como redator-chefe. Nesta época circulando com cerca de 12 páginas, A Manhã tinha apelo visual relativamente moderno, dando bom destaque a fotos e grandes manchetes em suas primeiras páginas. Alguns de seus colaboradores eram então Geraldo Mendes Barros, Ary da Matta, Apolônio Sales, Dinah Silveira de Queiroz, Flávio Cavalcanti, Dyla Josetti, Sérvulo de Melo, Lincoln de Souza, Jorge de Lima, Theobaldo Miranda Santos, Miguel Curi, Paulo Matos Peixoto, entre outros.

Ainda durante a gestão de Ernani Reis, no início de 1949 A Manhã mudou de endereço, saindo do prédio de A Noite e da Rádio Nacional: passou ao nº 43 da Rua Sacadura Cabral. Depois de curto tempo nas mãos de Zeno M. S. Zielinsky, a gerência do jornal passou a Martinho de Souza, com Álvaro Gonçalves então retornando ao cargo de secretário. Em 12 de novembro de 1949 Ernani Reis deixou a direção do jornal, tendo Heitor Moniz novamente assumido o posto. Este, aparentemente, não trouxe mudanças à redação da folha.

A Manhã chegava à nova década já com 16 páginas por edição, marca antes atingida somente nos seus primeiros momentos, antes de qualquer dificuldade financeira. Ao longo de 1950, no entanto, Heitor Moniz reduziu novamente o número de páginas do matutino para 12. Octavio Lima, então, voltou à gerência. Por fim, a 23 de fevereiro de 1951, Cardoso de Miranda passou a ser o diretor do matutino, no lugar de Moniz. No final desse ano, a configuração do expediente da folha já seria outra, com Plínio Bueno na direção, Alarico Lisboa na gerência e René Deslandes na secretaria de redação. A instabilidade na gestão de A Manhã transparecia a desorganização interna do jornal, numa crise que não foi aliviada nem com a volta de Getúlio Vargas à Presidência da República, no início de 1951.

Ao longo de 1951 e 1952, A Manhã se mostrava um jornal popular, destacando os feitos do governo Vargas em meio a notícias de cunho policial, com grande exploração de fotos de acidentes de trânsito e outros tipos de desastre. Noticiava ainda assuntos de ordem econômica e trabalhista diretamente ligados à vida financeira das classes populares. Em paralelo, não deixava de lado o noticiário esportivo e de entretenimento, com os principais destaques do rádio, do cinema e do mundo das celebridades. Politicamente inserto no contexto da Guerra Fria, o jornal se mostrava então explicitamente avesso ao comunismo. Este formato editorial, no entanto, não ajudou a atenuar o momento turbulento de A Manhã. Assim, em junho de 1953, a folha foi extinta definitivamente.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, ano 1, de 9 de agosto de 1941, ao nº 3.624, ano 12, de 7 de junho de 1953.

- COSTA, Bernardo Esteves Gonçalves da. Ciência na imprensa brasileira no Pós-Guerra: o caso do suplemento “Ciência Para Todos” (1948-1953). Disponível em: http://teses.ufrj.br/COPPE_M/BernardoEstevesGoncalvesDaCosta.pdf Acesso em: 29 abr. 2013.

- FERREIRA, Marieta de Morais. A Manhã. In: ABREU, Alzira Alves (Coord.) Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. Vol. III.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.