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A Manhã (Rio de Janeiro, 1925)

28 jul 2014

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e marcado com as tags Aliança Liberal, Andrés Guevara, Antifascismo, Mário Rodrigues, Nelson Rodrigues

Diário lançado no Rio de Janeiro (RJ) em 29 de dezembro de 1925 por Mário Rodrigues, A Manhã era um matutino versátil, com doze páginas em tamanho standard, bem montado, com bom uso de imagens – e considerado à época de boa qualidade. Crítico aguerrido, usava linguagem mordaz, panfletária, demagógica, além de bem-humorada e acessível. Confrontava o autoritarismo, as oligarquias e a estrutura política da República Velha, buscando comprometimento com causas populares. Típica folha oposicionista, fez forte oposição ao governo do presidente Washington Luís e ao do prefeito Antônio Prado Júnior no Distrito Federal (Rio de Janeiro).

Mário Rodrigues (pai dos escritores Nelson Rodrigues e Mário Filho) criou o seu próprio jornal a partir de uma sociedade anônima, formada por vários cotistas, depois sua passagem pelo Correio da Manhã, de onde havia saído após romper com Edmundo Bittencourt. Segundo Matías M. Molina, em “Campeão da virulência”, A Manhã “tinha ultrapassado o Correio da Manhã, até então o mais combativo dos jornais, como modelo de destempero, agressividade e falta de autocontrole”. Esse engajamento feroz se fazia sentir não só na “virulência (da) escrita” como também nas imagens – charges, caricaturas e ilustrações em geral que povoavam o jornal. Chamava a atenção o projeto gráfico de A Manhã, idealizado pelo cartunista Andrés Guevara, tido por alguns como responsável por boa parte da revolução gráfica havida na imprensa brasileira (ele foi autor de outros projetos inovadores, como o dos jornais A Manha, de Apparício Torelly, o “Barão de Itararé”, e Última Hora, de Samuel Wainer, este último no início dos anos 1950), além de ter dado uma feição especial e moderna à caricatura nacional.

Quando veio a lume, o jornal de Mário Rodrigues já tinha excelente equipe de colaboradores, com nomes como Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Medeiros e Albuquerque, Antonio Torres, Hermes Fontes, Agripino Grieco, Alcântara Machado, Vicente Piragibe, incluindo-se aí Apparício Torelly. Este último publicava versos políticos satíricos que lhe granjearam rápida popularidade e certamente o animaram a lançar seu próprio periódico, em maio de 1926: A Manha, título que troçava do título do jornal de Mário Rodrigues.

Segundo Carlos Didier, na biografia “Orestes Barbosa: repórter, cronista e poeta”,
No lugar do folhetim, tradição da imprensa, A Manhã oferece aos leitores o romance Crime e   Castigo, de Dostoievsky, selecionado por retratar problemas que afetam a coletividade. A     direção do jornal percebe afinidades entre o povo russo e o brasileiro. Crime e Castigo ajuda a traçar o perfil de Mário Rodrigues: o jornalista destemido é também um homem culto.

No mesmo livro, Didier narra um episódio, ocorrido de maio de 1926, que dá claras ideias sobre o caráter de Mário Rodrigues e o engajamento de seu jornal:
Sergio Teixeira Lins de Barros Loreto, governador de Pernambuco, terra natal de Mário Rodrigues, tentou comprar, por 30 contos de réis, a boa vontade do periódico. Esta é a versão de A Manhã para os acontecimentos. Seu diretor decidiu, então, dividir entre os pobres a parcela já paga do suborno: 10 contos. Solicitou à ABI (Associação Brasileira de Imprensa), formalmente, que enviasse representantes. Desse modo, entraram em cena Orestes Barbosa, de A Notícia, Valerio Dodds Guerra, de O Brasil, e Joaquim Costa Soares, de O Globo. Na quinta-feira, 6 de maio, mil pessoas fazem fila em frente à sede do jornal, na rua Treze de Maio. Às 16h, a direção passa às mãos dos representantes da Associação Brasileira de Imprensa mil cédulas de dez mil-réis. Na calçada defronte do sobrado, (...) Orestes Barbosa entrega o dinheiro aos populares, enquanto Valerio recolhe os mil cartões-vales previamente repartidos. Tudo ao som de duas bandas de música: a do Corpo de Bombeiros, dentro da redação; a do 3º Regimento de Infantaria, na rua. Uma festa com discursos contra as oligarquias pernambucanas e com taças de champanhe ao final dos trabalhos.

O sucesso do jornal não foi capaz, no entanto, de evitar que o empreendimento, em poucos anos, se afundasse em dívidas. Mário Rodrigues não era bom administrador, nem, aparentemente, tinha alguém especial com esta incumbência. No segundo semestre de 1928, viu-se obrigado a vender sua parte nas ações de A Manhã, saindo da direção da folha e deixando Agripino Nazareth como diretor e redator-chefe. A partir da edição de 4 de outubro daquele ano, Nazareth foi apresentado em expediente, ao lado de Alberto Nunes, secretário, Sylvio Leal da Costa, gerente, e Abel de Almeida, diretor-tesoureiro da sociedade anônima, presidida então por Antônio Eulálio Monteiro da Fonseca.

Conforme destaca Carlos Didier,
Quando vende A Manhã, em outubro, Mário Rodrigues já tem na cabeça outro jornal: Crítica. Deixa ações e dívidas com o sócio e parte para a nova aventura. Um grupo fiel e reduzido, ao qual pertence Orestes Barbosa, acompanha o diretor. (...) O matutino estreia, em 21 de novembro de 1928, com o subtítulo: “Declaramos guerra de morte aos ladrões do povo.

Mesmo com a saída de Mário Rodrigues, A Manhã manteve a linha de oposição agressiva, atacando sem restrições o “fascismo”, o “capitalismo yankee”, a corrupção e a arbitrariedade dos governos federal e municipal. O jornal, em não poucos momentos, sustentava ideias comunistas ou assim consideradas, aumentando mais ainda a insatisfação do governo. Com a ida de boa parte dos jornalistas e colaboradores de A Manhã para Crítica, o jornal, no entanto, segundo autores como Ruy Castro, perderia o posto de mais virulento e sensacionalista para este último.

Na ocasião das eleições presidenciais de 1929, A Manhã apoiou a Aliança Liberal, a frente oligárquica de oposição a Júlio Prestes, candidato indicado pelo presidente Washington Luís. Batendo forte no governo e em seu candidato, o jornal teria sofrido pressões que, em grande parte, o levaram a reduzir o de doze para oito o número de páginas do jornal e, logo em seguida, após a edição de 17 de dezembro de 1929, a encerrar suas atividades. Nesta ocasião, Adolfo Porto, e não mais Agripino Nazareth, respondia pela direção.

Seis anos depois do fechamento de A Manhã, outro jornal com este mesmo nome veio a circular: fundado por Pedro Motta Lima em 26 de abril de 1935, o segundo A Manhã era do Partido Comunista Brasileiro (PCB, então denominado Partido Comunista do Brasil), apresentando-se como porta-voz da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Durou somente até 27 de novembro de 1935 e nada tem a ver com o primeiro A Manhã, criado por Mário Rodrigues.

Nelson Werneck Sodré, em sua História da imprensa no Brasil (p. 428), afirmou que A Manhã teve duas fases. A primeira, aqui exposta, foi de 29 de dezembro de 1925 a 17 de dezembro de 1929. A segunda, mais de 10 anos depois da primeira, foi de 9 de agosto de 1941 a 7 de junho de 1953. De fato, em 1941, um terceiro jornal com o título A Manhã apareceu no cenário editorial brasileiro. Era, porém, uma folha governista dirigida por Cassiano Ricardo na época em que o governo de Vargas começava a se preocupar com a propaganda política. Esse novo jornal não lembrava em nada o oposicionista A Manhã, da década de 1920. Não há nada que ligue o jornal de 1941 ao de 1925.

Fontes:

- CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
- DIDIER, Carlos. Orestes Barbosa: repórter, cronista e poeta. Rio de Janeiro: Agir, 2005.
- GASPARIAN, Helena. A Manhã. In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.) Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. Vol. III.
- MOLINA, Matías M. Campeão da virulência. Observatório da Imprensa, 4 out. 2011. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_campeao_da_virulencia Acesso em: 13 mai. 2013.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.