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Acervo BN | Gazeta de Notícias: “jornalão”, por excelência

02 ago 2022

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Abolicionismo, Campanha Civilista, Era Vargas, Gazeta de Notícias, História da Imprensa, Imprensa Áulica, João do Rio, José do Patrocínio, Machado de Assis, Periódicos BN 100 Anos, República Velha, Republicanismo, Rio de Janeiro, Segunda Guerra Mundial

Desde sua aurora, a imprensa brasileira sempre contou com jornais de sustentação ao status quo do momento: tradição inaugurada mesmo pelo primeiro periódico produzido no país, a Gazeta do Rio de Janeiro, de 1808. Órgãos tradicionais, robustos e determinantes para a opinião pública tanto em tempos imperiais quanto republicanos, os poderosos “jornalões” tupiniquins são aqueles que, por influências políticas e avanços tecnológicos, não raro ditam as regras não só do jornalismo cá nos trópicos, mas da sociedade, do comportamento, da economia e dos arranjos ministeriais de seu tempo. Conforme a Impressão Régia deixava de ter a exclusividade na produção de jornais no Brasil, vultuosos empreendimentos privados ganharam força no país, ajudando a sustentar ou derrubar autoridades e agendas políticas. Na virada entre os séculos XIX e XX a nação passou a contar com folhas de facetas editoriais mais parecidas com as dos grandes periódicos de hoje: foi quando começaram a dar as caras os diários de grande circulação. Alguns, surgidos mesmo no século retrasado, seguem vivos, como o Diário de Pernambuco e d’O Estado de S. Paulo. Mas muitos dos maiores jornais da história tupiniquim já não existem mais, ao menos em edição impressa: casos do Jornal do Commercio carioca, do Jornal do Brasil, d’O Paiz, do Correio Paulistano, do Correio da Manhã, do Diário de Notícias, da Última Hora, do Diário Carioca, d’O Jornal de Assis Chateaubriand… Pois cabe lembrar de alguns desses nomes. Um deles, em particular, merece todas as atenções, por seu papel aos suspiros finais do Segundo Reinado, ao longo da Primeira República e durante a Era Vargas: eis a graúda Gazeta de Notícias, de 1875.

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No dia 2 de agosto de 1875 um novo jornal começou a circular no Rio de Janeiro, então capital do Brasil imperial. Era a Gazeta de Notícias. Com redação e escritório montados no nº 70 da então badalada Rua do Ouvidor, José Ferreira de Sousa Araújo era o principal responsável pela empreitada, contando com outros diretores associados: Henrique Chaves, Elísio Mendes e Emanuel Carneiro. Sinalizada como um “prospecto”, já em sua primeira página a GN dava conta de como serviria ao público: primeiro, destacando parceria com a agência de notícias Havas-Reuter, dizia que publicaria “diariamente todos os telegrammas politicos e commerciaes, tanto do paiz como do estrangeiro”. Depois, ressaltava, entre inúmeros informes de utilidade pública ou mera curiosidade, que “além d’um folhetim-romance”, viria também com “um folhetim de actualidade”. “Artes, litteratura, theatros, modas, acontecimentos notaveis, de tudo a Gazeta de Notícias se propõe trazer ao corrente”. E mais: “Não sendo a Gazeta de Notícias folha de partido, apenas tratará de questões de interesse geral, acceitando n’esse terreno o concurso de todas as intelligencias que quizerem utilisar-se das nossas columnas”.

Ao preço de 40 réis, o prospecto da Gazeta original dava ainda detalhes de fora do seu programa editorial. Assinalava que sua edição “distribue-se por toda a cidade, vendendo-se avulsos nos principaes kiosques, estações de bonds, barcas e em todas as estações da Estrada de Ferro de D. Pedro II”. Custando mil réis, por outro lado, “as assignaturas serão feitas por qualquer tempo, á vontade do assignante, vencendo-se sempre em fim de mez”. No mais, “A Gazeta de Notícias acceitará correspondencias de interesse particular, que serão publicadas em secção especial”, conforme o meio jornalístico da época, que costumeiramente veiculava colunas “a pedidos”. Para finalizar, o primeiro número do jornal ainda vinha com um recado importante, em letras maiores do que os demais: “Precisa-se de bons entregadores para fazerem a distribuição da Gazeta de Notícias: para tratar, no escriptorio, rua do Ouvidor n. 70”. Sua tipografia inicial, aliás, não ficava no mesmo endereço, mas perto dali: no número 87 da Rua da Alfândega.

Quando lançada, a Gazeta de Notícias era um jornal um tanto modesto, popular e barato, conforme diz o historiador Nelson Werneck Sodré, em sua História da imprensa no Brasil (p. 224). Carlos Eduardo Leal, entretanto, em verbete sobre a Gazeta de Notícias na base de dados do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), sublinha os destaques mais significativos que fariam com que a folha entrasse para a história do jornalismo nacional, poucos anos depois de sua estreia no mercado editorial: apesar de sua tímida estreia, a GN “Introduziu uma série de inovações na imprensa brasileira, como o emprego do clichê, das caricaturas e da técnica de entrevistas, chegando a ser um dos principais jornais da capital federal durante a República Velha”. E não só isso, como veremos a seguir.

De fato, a Gazeta se notabilizou por, em 1879, ser o primeiro do Brasil a instalar uma impressora rotativa em suas oficinas, instaladas já no nº 70 da rua Sete de Setembro. Mas, fora do campo técnico, antes disso, e apesar dos dizeres a respeito de sua isenção em sua edição inaugural, a GN tinha posicionamento e objetivos políticos no momento de sua fundação: “lutar pela abolição da escravatura e pela proclamação da República”, nas palavras de Leal. Ainda assim, bem como outros representantes da imprensa da época, as edições do jornal davam, em seus classificados, anúncios de escravos fugidos.

Muito por querer dar conta de sua agenda abolicionista, liberal e antimonarquista, ou seja, de renovação para um Brasil ainda escravocrata, Ferreira de Araújo, na redação de seu periódico, havia logrado a reunião de nomes de destaque na opinião pública daquele tempo, como Silva Jardim e Quintino Bocaiúva. Mas José do Patrocínio foi, talvez, o maior deles; tendo começado no jornal como simples repórter, publicando também ali, em folhetim, os romances "Mota Coqueiro ou a pena de morte" e "Os retirantes", sendo autor, a partir de 1877, da destacada coluna “Semana política”, sob o pseudônimo de “Proudhome”. Quanto àquele período, é ainda digna de consideração a passagem de Lopes Trovão pelas páginas da Gazeta: ali, ajudou a insuflar a Revolta do Vintém contra o aumento das passagens de bonde imposto por administradores imperiais, em 1880. No mais, cabe lembrar, ecoando palavras de Werneck Sodré que leremos a seguir, que o próprio Ferreira Araújo era figura arguta: os textos de abertura de cada edição da GN, mistos entre editoriais e artigos de opinião, eram assinados por ele, ou melhor, por seu um tanto cômico heterônimo, “Lulu Senior”, dando o tom geral da publicação.

Assim que lançada, a Gazeta de Notícias estampava sua tiragem em suas primeiras páginas. Ao fim de 1875, 12 mil exemplares diários, por edição, cada um contando quatro páginas. No ano seguinte, 13.500 exemplares. Em 1878, um salto considerável: 17 mil, e crescendo. Um ano depois, na ocasião em que instalou sua rotativa, pioneira no país, bateu-se a marca de 20 mil exemplares diários. Entrando então em 1880, o jornal era mais do que um sucesso. Passou naquele ano a publicar o vultuoso Almanack da Gazeta de Notícias, um anuário de centenas de páginas “Contendo muitos artigos de interesse geral e uma parte litteraria e recreativa”, que foi mantido com alguma regularidade por cerca de trinta anos. Em 1881, o jornal imprimia diariamente 24 mil exemplares de seis a oito páginas.

Desde seu lançamento e ao longo da década de 1880, momento em que Nelson Werneck Sodré a classificava como “o melhor jornal da época” (p. 245), o maior do Brasil ao lado do Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias procurava sempre renovar seu estoque de articulistas e folhetins literários de vulto, considerados ontem, hoje e sempre verdadeiros primores. O historiador reserva ao jornal de Ferreira de Araújo, e a seu proprietário, as seguintes palavras:
O Jornal do Comércio é uma espécie de Times sem virilidade; é o Times sem os leading articles; um bom repertório de fatos, um conjunto útil de documentos. A Gazeta de Notícias é muito diferente; sua impassibilidade não consiste em registrar passivamente os acontecimentos; tem como redator-chefe o dr. Ferreira de Araújo e nisso está a sua força. O dr. Araújo é um excelente jornalista; julga homens e coisas com condescendente ironia; escreve com precisão, elegância e sobriedade raras; coloco-o nessa elite de brasileiros muito cultos, muito superiores a seus concidadãos. Julgou de pé o Império, declarou-se então republicano por motivos de ordem nacional; proclamada a República, estabelecida a ditadura, conservou sua independência de julgamento. Nas questões que debate, sua opinião é em geral decisiva. Talvez seja o único, em seu jornal e no seu país, a ter uma ideia justa da verdadeira missão do jornalista, mas, sozinho, não conseguirá levar a cabo a tarefa. (p. 253)

Seguindo a moda de seu tempo, a GN da década de 1880 publicava traduções de autores franceses, como Xavier de Montépin, feitas muitas vezes a pedidos de Ferreira de Araújo, que queria os melhores entre os melhores das letras em sua folha. O galicismo era tamanho que a mesma chegou a contar com um suplemento semanal de economia, destinado sobretudo a investidores estrangeiros, intitulado “Le Brésil Économique”. Ainda assim, os brasileiros que abrilhantavam as páginas da GN não ficavam atrás: em 1888, publicou, em formato de folhetim, O Ateneu, de Raul Pompéia.

Além dos supracitados, entre o apagar de luzes do Império e os primeiros anos da República a Gazeta, em seu auge, contou com ilustres nomes da literatura nacional, como Machado de Assis (de 1884 a 1888, depois de 1892 a 1897), Aluísio Azevedo, Arthur Azevedo, Olavo Bilac (desde 1890), Pardal Mallet (também a partir de 1890), Júlia Lopes de Almeida, Coelho Neto, Medeiros e Albuquerque, Capistrano de Abreu, Adolfo Caminha (autor das “Cartas literárias”, que assinava como “C.A.”), Guimarães Passos, Sizenando Nabuco, Oliveira Lima, Alberto de Oliveira, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Max Nordau, Tristão da Cunha (na crítica literária), Antônio Torres (já na década de 1920), entre outros. No jornalismo, um dos maiores destaques do jornal foi Paulo Barreto, que permaneceu em sua redação por longos anos, onde adotou o pseudônimo João do Rio e, angariando prestígio, entrou para a história da imprensa nacional. Mas a GN também contou com Euclides da Cunha, Oliveira Rocha, Vivaldo e Visconti Coaracy, Carlindo Lellis, Paula Ney, Figueiredo Pimentel, Gilberto Amado, Sebastião Sampaio, Nogueira da Silva. A partir de 1904, o artista gráfico ítalo-brasileiro Ângelo Agostini publicou seu traço no jornal. Ademais, Agripino Grieco e Manuel José Gondim da Fonseca começaram suas carreiras na imprensa ali, na Gazeta de Notícias.

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Com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, respectivamente ocorridas em 1888 e 1889, Ferreira de Araújo concluiu que seus objetivos enfim eram atingidos. Ao início dos anos de 1890 a Gazeta de Notícias ainda contava com o jornalista em sua redação, porém, sua empresa editora havia sido transformada em uma sociedade anônima. Já naquela virada de década o fundador da folha havia se distanciado um tanto do empreendimento, decidindo embarcar para a Europa, sem se desligar totalmente da atividade jornalística, entretanto. “Na Europa, Ferreira de Araújo estabeleceu contato com Ramalho Ortigão”, diz Carlos Eduardo Leal, “obtendo deste, além de matérias para seu jornal no Brasil, uma aproximação com Eça de Queirós. Estando censuradas em Portugal suas Cartas de Inglaterra, Eça de Queirós autorizou sua publicação pelo diário carioca”.

Naqueles tempos, Werneck Sodré situa a imprensa nacional com preponderância à Gazeta de Notícias:
Os jornais mais vendidos do Rio continuam a ser a Gazeta do Rio, o Correio da Tarde, O País, o Jornal do Comércio, a Gazeta de Notícias, que contribuiu para o avanço da arte gráfica, na concorrência já séria entre os diários de maior circulação. Ferreira de Araújo, a 2 de agosto de 1895, escrevia: “A Gazeta iniciou, na imprensa do Rio, com o Hastoy, o serviço de zincografia, os bonecos, como o público lhes chama, tendo ainda há pouco tempo, como seu desenhista, um professor da Academia de Belas Artes. Belmiro de Almeida, que lhe forneceu excelentes páginas; o zincógrafo é o Cardoso, por assim dizer um discípulo da Gazeta”. O Estado de S. Paulo, de seu lado, procurava acompanhar esse avanço técnico, como empresa estruturada que era. (p. 266)

No plano nacional, iniciada a Primeira República, o potente “jornalão” da capital começou a se mostrar um grande defensor do governo provisório encabeçado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Para tanto, a GN cuidava de sempre se mostrar sensível aos interesses das elites agrárias, para sustentação do novo regime. Por outro lado, o jornal preferia um civil no comando da nação, destacando, desde 1891, suas predileções por Rui Barbosa. Ainda assim, como lembra Carlos Eduardo Leal, “pouco depois, identificou-se com a política autoritária de Floriano Peixoto, opondo-se à Revolução Federalista, na qual entrevia interesses da monarquia deposta”. Falando nisso, no episódio da Guerra de Canudos, ocorrida de 1896 a 1897, aliás, a Gazeta de Notícias foi um dos mais estridentes condenadores de Antônio Conselheiro.

Naqueles dias, quando Prudente de Moraes, ocupava o comando nacional como o primeiro civil a presidir a República, em mandato que durou de 1894 a 1898, a Gazeta de Notícias aplaudia as ações do poder central. Em 1896, suas páginas contavam com uma prática pioneira, copiada posteriormente pelo restante da imprensa brasileira: eram as “Caricaturas instantâneas” de políticos, intelectuais e demais figuras proeminentes da sociedade brasileira, um sucesso nos traços de Julião Machado e na composição textual de Lúcio Mendonça.

Entrando no século XX, a Gazeta de Notícias tinha configurações diferentes das de poucos anos atrás. Segundo Sodré,
(…) morto Ferreira de Araújo, a direção [do jornal] cabe a um português amável, Henrique Chaves, mas não é por isso mas pela ordem natural das coisas que é “um jornal vivendo do comércio lusitano”; redator-chefe, o italiano Carlos Parlagreco não abandona a reportagem, que divide principalmente com Afonso de Montaury; João Lopes Chaves escreve os artigos de fundo; Bilac, Guimarães Passos, Coelho Neto, Pedro Rabelo, Emílio de Menezes são os colaboradores mais conhecidos; um repórter ganha [na Gazeta de Notícias] entre 150 e 200 cruzeiros mensais; um redator, entre 300 e 400; secretário ou redator-chefe, de 500 a 700; os artigos são pagos a 50 mil réis ainda não chegaram os tempos das reportagens de Paulo Barreto [João do Rio] ou da seção de Figueiredo Pimentel, o Binóculo, “bíblia das elegâncias da terra”. (ps. 283 e 284)

De fato, sob a chefia de redação de Carlo Parlagreco, os expedientes da GN vinham com a imponente marca de tiragem de 40 mil exemplares por edição, ao preço de 100 réis cada. A folha era “Stereotypada e impressa nas machinas rotativas de Marinoni na typographia da sociedade anonyma”. Num momento em que o folhetim entrava em declínio no jornalismo brasileiro, paulatinamente abrindo espaço à reportagem, à crônica e ao articulismo, Parlagreco tinha suas razões para dividir as matérias jornalísticas com Montaury. Em época de plena modernização da imprensa brasileiro, assuntos policiais e esportivos, que já vinham sendo publicados na Gazeta, começavam então a ocupar cada vez mais suas colunas. Mesmo a parte literária do periódico tinha novas feições: aliando letras ao mundanismo, Figueiredo Pimentel e João do Rio deitariam e rolariam no prestígio com suas colunas, “Binóculo” e “Cinematographo”, respectivamente. O segundo, lembra Sodré, veio então com “a série de reportagens reunidas depois no volume Religiões do Rio, seguidas daquelas sobre feitiços e feiticeiros, e, em 1905, pelo inquérito O Momento Literário, também sepultado em livro” (p. 325). Já a 1º de janeiro de 1900, a GN vinha com um encarte poético intitulado O Engrossa, redigido totalmente em verso.

Embora isso não se mostre de forma clara em expediente, sabe-se que em algum momento dos anos 1900 Salvador Santos passara a responder como proprietário da GN, sendo, talvez, o acionista majoritário de sua sociedade anônima. Na ocasião, Santos havia colocado Cândido de Campos na direção do diário, concretizando sua linha editorial a favor da política do “café com leite”, ou seja, governista – levada a cabo não só pelo último, mas pelos redatores Miguel Melo, Antônio Torres, Adoasto Godói, entre outros. Ainda assim, o apoio do jornal ao ministério não era irrestrito, sobretudo no tocante à sua linha de liberalismo civilista. Como lembra Carlos Eduardo Leal, algumas rusgas pontuais surgiram entre o poder central e a linha ideológica da GN:
(…) em 1904, o jornal combateu a vacinação obrigatória e, durante o período Afonso Pena (1906-1909), mostrou-se contrário à ideia da obrigatoriedade do serviço militar, aventada pelo então ministro da Guerra, marechal Hermes da Fonseca. Nessa época, a Gazeta ainda sofria a influência de Rui Barbosa, o qual orientava as matérias do jornal no sentido de que o serviço militar obrigatório fosse tachado de medida belicosa e “anuladora da personalidade individual”.

As preferências políticas da Gazeta de Notícias, entretanto, mudaram com o passar dos anos, em face aos arranjos partidários em determinados contextos, entre o Partido Republicano Paulista (PRP), ao qual Rui Barbosa era filiado, o Partido Republicano Conservador (PRC), e o Partido Republicano Mineiro (PRM). Assim, com a proximidade das eleições para a presidência da República, no ano de 1910 o periódico deu apoio ao nome indicado para a continuidade, o marechal Hermes da Fonseca, do PRC, indo contra a candidatura de oposição, de Rui Barbosa e sua então chamada Campanha Civilista, outrora prediletos em sua linha ideológica. No plano nacional, desse momento até o fim da Primeira República, a GN foi um órgão de defesa incondicional da situação. Havia uma razão para isso: a saúde financeira da empresa de comunicação. Nas palavras de Leal,

O caráter basicamente governista da Gazeta de Notícias refletiu-se durante todo esse período em sua estrutura econômica e no alto nível de sofisticação de sua aparelhagem técnica. Segundo depoimentos, a Gazeta de Notícias figurava na época entre os mais bem equipados jornais do mundo.

Falando em mundo, no contexto internacional, a eclosão da Primeira Guerra Mundial deixou quase toda a imprensa brasileira a favor dos Aliados, de acordo com as simpatias de intelectuais como Olavo Bilac, Coelho Neto e Medeiros e Albuquerque, e a Gazeta não foi exceção: a 7 de agosto de 1914, João do Rio dava o tom da folha, classificando Guilherme II da Alemanha como “O Imperador Louco”, em artigo com este título. Ainda no teatro da guerra, em 17 de setembro de 1917 fora preso na Inglaterra o jornalista brasileiro José do Patrocínio Filho, sob acusação de espionagem: liberto em 23 de janeiro de 1919, publicou na Gazeta de Notícias uma série de artigos narrando o episódio, reunidos posteriormente, em 1923, no livro “A sinistra aventura”.

Nos trópicos, naquele momento uma alteração traria postura totalmente diversa para a Gazeta de Notícias na Segunda Guerra Mundial, posteriormente. Tendo apoiado tanto a candidatura quanto o mandato de Arthur Bernardes, do PRM, já ao início dos anos 1920, em 1923 a folha mudou de dono: Vladimir Bernardes passou a responder como seu proprietário e diretor de conteúdo. No momento, isso não significou grandes diferenças em sua linha política: o mandato de Washington Luís, do PRP, foi defendido em suas páginas, sem restrições. Assim, em 1929, o candidato indicado pelo presidente ao governo federal, o também perrepista Júlio Prestes, foi endossado pela GN, que atacava fortemente a Aliança Liberal (AL), de oposição. Na ocasião, contudo, havia um porém: no revezamento de poder até ali mantido entre caciques políticos de Minas Gerais e de São Paulo, 1929 marcava a vez do retorno mineiro ao poder, e não de um segundo mandato paulista. No “café com leite”, o segundo azedou. Junto com figuras do Rio Grande do Sul e da Paraíba, lideranças mineiras quiseram dar o troco, fortalecendo a AL. A Revolução de 1930 se avizinhava, mudando para sempre o caráter de jornais como a Gazeta de Notícias – e também as diretrizes da própria República.

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Assim como outras folhas periódicas ligadas ao poder até ali estabelecido, a Gazeta de Notícias foi empastelada assim que a Revolução de 1930 adentrou a capital federal, no dia 3 de outubro daquele ano. Populares invadiram sua sede, a depredaram e, por fim, incendiaram. Somente em 1934 o jornal voltou a circular, depois de lentas obras empreendidas no prédio de sua redação e nas suas oficinas. Vladimir Bernardes não perdeu o controle da empresa, mas teve que se dobrar: em sua nova fase, pós-revolução, a GN vinha a lume a favor do Governo Provisório então estabelecido, chefiado por Getúlio Dorneles Vargas. Seria assim praticamente até o fim do varguismo.

Se em 1935 o tradicional periódico carioca dera guarida às medidas autoritárias impetradas pela Lei de Segurança Nacional no mês de abril, atacando opositores da Aliança Nacional Libertadora, em 1937 não seria diferente: na questão sucessória daquele momento, antes de optar pelas candidaturas de Armando de Sales Oliveira e de José Américo de Almeida, a folha parecia preferir a manutenção do caudilho de São Borja no poder – e, de preferência, com mais aparatos repressivos. Assim, em setembro daquele ano, a Gazeta explorara incansavelmente o chamado Plano Cohen, quando o governo divulgara, em tons de alarme, um documento que apontava para uma suposta tentativa de tomada de poder por forças comunistas. Embora posteriormente tenha sido apontado que tal plano não existira, sendo, afinal, uma justificativa forjada por militares para o endurecimento contra opositores da situação, naquele momento de pavor anticomunista a medida rendera os frutos esperados.

Quando, a 10 de novembro de 1937, Getúlio aplicou um autogolpe que dera início ao período ditatorial conhecido como Estado Novo, de nome inspirado no regime fascista capitaneado por António Salazar em Portugal, a Gazeta de Notícias continuara dando todo apoio ao governo. Segundo Leal, o jornal de Vladimir Bernardes ia ainda além: naquele momento,
(…) a Gazeta de Notícias esteve inclinada a aceitar uma proposta política autoritária, traduzida em termos internacionais nos movimentos nazi-fascistas. O jornal apoiava abertamente a Transocean, agência de notícias do governo nazista alemão. Segundo depoimento de Osmar Flores, esse apoio provavelmente teria urna contrapartida de ordem material. A Gazeta de Notícias tampouco escondia suas simpatias pelo movimento integralista no   Brasil.

Ainda que em 1937 Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira e candidato à presidência nas eleições daquele ano, tivesse retirado sua candidatura no pleito em apoio ao golpe, pouco depois governo e fascistas tupiniquins romperiam: sobretudo, porque Vargas havia decretado a extinção dos partidos políticos, incluindo os integralistas. Assim, um levante destes contra o governo irrompeu entre março e maio de 1938, sendo duramente reprimido, enquanto Plínio Salgado, que nutria esperanças de reaproximação com o Catete, se refugiava em São Paulo. A insurreição foi condenada pela Gazeta de Notícias, que durante o Estado Novo sempre se posicionava ao lado do poder estabelecido. E de forma irrestrita, em praticamente todos os sentidos. O jornal aplaudira, sequencialmente, a criação do Conselho Nacional do Petróleo, em 1938; a Lei do Salário Mínimo, em 1940; a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941; e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.

Nem todo o seu governismo evitaria que a Gazeta de Notícias entrasse em maus lençóis, na década de 1940. De forma um tanto coerente com o que pregava em suas páginas, assim que estourou a Segunda Guerra Mundial o periódico tomou partido em favor dos países do Eixo. Procurava, em artigos e editoriais, justificar as atitudes do Terceiro Reich alemão e, ainda mais, elogiar a figura de Benito Mussolini, tido como grande benfeitor do povo italiano. Mas, embora os regimes totalitários europeus daquele momento ecoassem no Estado Novo brasileiro, grupos liberais ligados aos interesses econômicos norte-americanos começaram a pressionar o jornal, por sua linha ideológica. Um boicote de anunciantes foi organizado, sufocando financeiramente a empresa de Vladimir Bernardes, que adentrava uma crise que culminaria em sua venda, anos depois – e que, na verdade, não seria sanada nem nessa ocasião. Embora politicamente contraditória para Getúlio Vargas, a entrada do Brasil no conflito ao lado dos Aliados, em 1942, foi uma realidade com a qual a GN teve que lidar, forçosamente.

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Ao fim do Estado Novo em 1945, só restou à Gazeta de Notícias apoiar a anistia ampla e irrestrita a perseguidos políticos e ao restabelecimento dos partidos políticos no Brasil. Irônica porém coerentemente, o jornal se mostrou a favor da legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB), na ocasião. Para a eleição presidencial ocorrida em 2 de dezembro daquele ano, a Gazeta de Notícias encampou a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, lançada em março pelo Partido Social Democrático (PSD), legenda que aglutinava figuras favorecidas pelo clientelismo político junto aos interventores estaduais anteriormente impostos por Getúlio. Combateu, na ocasião, a campanha do brigadeiro Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN), que reunia os mais ferrenhos adversários do varguismo.

Getúlio acabou deposto em outubro de 1945, antes mesmo da chegada do pleito, dando a José Linhares, presidente do Superior Tribunal Federal (STF), um curto mandato-tampão. Nesse período, a GN exprimia grandes expectativas em Dutra, que acabou, de fato, vitorioso nas urnas. Independentemente das eleições, a folha era nacionalista. Havia dado força à aprovação da chamada Lei Malaia, de Agamenon Magalhães, uma pioneira lei antitruste que permitia a criação de comissões com o poder de desapropriar organizações empresariais conduzidas de maneira a formar monopólio ou outras atividades vistas como lesivas aos interesses nacionais.

Em consonância com sua postura em momentos passados, durante o mandato de Dutra a Gazeta de Notícias deu total apoio ao governo: abraçou sua agenda econômica liberal e a política de repressão ao comunismo que recolocou o PCB na ilegalidade. Ainda assim, e apesar da ligação pessoal de Vladimir Bernardes com figuras ministeriais, a crise financeira originada pelo boicote de anunciantes a seu jornal durante a Segunda Guerra não foi superada. A GN foi, assim, vendida a Amberê Santinho e Benjamim Rangel, no ano de 1949. Fioravanti di Piero assumiu como novo diretor de redação, passando o cargo a José Bogea Nogueira da Cruz já no ano seguinte. O último se tornaria sócio majoritário do jornal em 1954.

Como apontado, mesmo com a venda da GN na virada entre décadas, o antigo boicote neoliberal não deixou de afetar sua redação, muito pela agenda nacionalista abraçada em diversos de seus artigos e editoriais: para compensar o problema, nessa nova fase, o periódico buscou se fiar mais em vendagem do que no aporte de anunciantes, dotando sua linha editorial de um caráter mais popular. Mesmo assim, alguns traços permaneciam na tradicional Gazeta: se durante Vladimir Bernardes o jornal era oscilante conforme os ventos políticos da ocasião, a partir de 1951, e ao longo do segundo governo Vargas naquele ano iniciado, até o suicídio do presidente em 1954, a GN se manteve de acordo com as orientações do governo, como outrora. Porém, ressalta Carlos Eduardo Leal, segundo depoimento do antigo jornalista da GN Osmar Flores, “a partir dessa época o jornal não mais se vinculou a grupos, e sim a princípios”:
A política econômica desenvolvimentista moderada de Getúlio, estimulando a criação de uma capacidade interna de produção através da limitação das fontes externas de abastecimento e da canalização das divisas disponíveis para a compra de produtos importados essenciais à industrialização, foi encampada pela Gazeta de Notícias, que dessa forma passou a apoiar o dirigismo estatal. Foi Horácio Lafer, então ministro da Fazenda, quem se destacou como o arquiteto da nova política brasileira de desenvolvimento, anunciando em setembro de 1951 um plano qüinqüenal de estabilização econômica que previa novos investimentos nas indústrias de base e nos setores estrangulados de transportes e energia. O Plano Lafer exigia também, conseqüentemente, uma contenção nos créditos, o que ia de encontro aos interesses do presidente do Banco do Brasil Ricardo Jafet, defensor de uma política oposta, de abertura de créditos. Iniciou-se então um debate entre Lafer e Jafet que resultou no pedido de demissão do primeiro. A questão colocou a Gazeta de Notícias solidária a Jafet, o que pode ser explicado em função da posição populista que se firmara no jornal. As medidas preconizadas pelo Plano Lafer teriam um caráter extremamente impopular, o que poderia desprestigiar o presidente frente às suas bases.

Como não poderia deixar de ser, a Gazeta de Notícias apoiou também, integralmente, a restrição a remessas de lucro ao exterior, promovida pelo governo ao início de 1952, e a campanha pelo monopólio estatal do petróleo, dando força à criação da Petrobras em 1953. O nacionalismo do jornal ao adentrar a década de 1950 se via também na ligação do jornal com determinados setores dentro do Exército. Em 1951, a folha se envolvia mesmo no embate entre generais nas eleições para a presidência do Clube Militar, defendendo a candidatura do antigo líder tenentista Newton Estillac Leal contra Osvaldo Cordeiro de Farias, este figura de proeminência na ala militar mais notadamente anticomunista.

Ao passo em que a oposição a Vargas ganhava força no apagar de luzes de seu governo – e também de sua vida –, em 1953, no estouro do escândalo envolvendo o financiamento do governo à criação do jornal carioca Última Hora, de Samuel Wainer, que contou com suporte financeiro do Banco do Brasil a pedido do presidente, para que tivesse um forte defensor de suas políticas na imprensa, a Gazeta de Notícias foi um dos poucos jornais – senão o único fora a própria UH – a ficar ao lado de Vargas e Wainer. Na ocasião, Carlos Lacerda, do alto de sua Tribuna da Imprensa, acusava ainda o diretor de Última Hora pelo fato de ter nascido na Bessarábia, atual Moldávia, país então pertencente à União Soviética: além de jogá-lo na fogueira da onda anticomunista, isso fazia Wainer esbarrar no artigo 160 da Constituição de 1946, que impedia estrangeiros de possuir ou dirigir órgãos de imprensa no Brasil.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta em 1953 não conseguiu incriminar diretamente o presidente. A tentativa de impeachment que pairava no ar era combatida pela Gazeta de Notícias, que veio a criticar o chamado “Manifesto dos coronéis”, lançado em 1954, recheado de críticas ao governo, pleiteando aumentos nos vencimentos militares e atacando a atuação do então ministro do Trabalho João Goulart. Para ajudar a fortalecer o presidente, o periódico defendia um aumento de 100% no salário mínimo, algo que enfurecia, por sua vez, grupos liberais à frente da indústria nacional, então opositores de primeira fileira.

Em 1954, o esforço conjunto de figuras públicas e jornalísticas atreladas à UDN para derrubar Getúlio – como Lacerda e também Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados –, orquestradas o suficiente para render o apelido de “Banda de música” à oposição, lograva no enfraquecimento do presidente. Então, no segundo semestre daquele ano, enfim ocorria o chamado “crime da Rua Tonelero”, mudando de forma dramática os rumos da República.

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Em 5 de agosto de 1954, um atirador alvejou Carlos Lacerda na entrada de seu prédio na Rua Tonelero, em Copacabana. Rubens Florentino Vaz, um major da Aeronáutica que fazia as vezes de segurança particular do polemista da Tribuna foi baleado e morreu, enquanto o jornalista sofreu um ferimento no pé. Este, como era de se esperar, na dianteira da oposição udenista e contando com a simpatia dos militares, denunciou Vargas como mandante do atentado. Sua narrativa, martelada pela maior parte da imprensa e do rádio, não só fazia sentido como ganhava corpo, conforme a polícia alegava que Gregório Fortunato, homem de confiança de Getúlio, estivera na cena do crime. E mais: tinha confessado participação na ação contra Lacerda. Nada chegou a ser provado, dado o elevado número de incoerências na investigação. Mas foi o suficiente para se instaurar a chamada "República do Galeão", querendo a cabeça de Getúlio. A Gazeta de Notícias, nesse contexto, era um dos poucos periódicos que vinham a público reforçar a narrativa de que tudo não passava de uma manobra da oposição para forçar a renúncia do presidente, denunciando, inclusive, o uso de tortura nos inquéritos então abertos.

A crise aberta ao início daquele fatídico mês de agosto terminou, por assim dizer, com o suicídio de Getúlio Vargas, no dia 24. Como estivesse ao lado da presidência, a Gazeta de Notícias não sofreu represálias de populares, na onda de revolta que varreu as ruas do Rio de Janeiro. Assumindo João Café Filho, o novo ministério deixava claro que a política getulista seria deixada de lado. Assim, enfim a Gazeta entrava na oposição ao Catete. Ela se mostrou então, nos dizeres de Leal,
(...) radicalmente contrária às vantagens concedidas ao capital estrangeiro através da Instrução nº 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), viabilizada a partir da ação do então ministro da Fazenda, Eugênio Gudin, defensor de uma fórmula neoliberal para desenvolvimento do país. Essa fórmula pressupunha o respeito ao mecanismo dos preços como determinante principal da economia, e o estímulo ao ingresso do capital estrangeiro como ajuda indispensável a um país carente de capitais.

Se mesmo durante a Era Vargas a Gazeta de Notícias vivia economicamente abalada, desde os anos 1940, seu ingresso na oposição, aliado à sua linha editorial de repúdio aos interesses do capital internacional no Brasil, o deixou em situação delicada. Para sobreviver, o a partir dali decadente “jornalão” tinha que lançar mão da divulgação das então chamadas “matérias legais”, que eram basicamente a publicidade de editais da vara cível do Foro do Rio de Janeiro. Era isso ou fechar as portas. O problema era que justamente esse tipo de coisa afastava os leitores.

Mesmo debilitada, em meados da década de 1950 a Gazeta de Notícias voltou a se bater contra a UDN e seus mais fiéis apoiadores na imprensa. Os últimos pretendiam impedir a posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito em 30 de outubro de 1955, sob protestos, sustentando irregularidades no pleito. Lacerda, na Tribuna da Imprensa, pedia intervenção militar, no que encontrava o apoio do general Canrobert Pereira da Costa, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. No entanto, o militar falecera já no dia 31 daquele mês, motivando, em seu funeral, um grave discurso do coronel Jurandir Mamede, que acusava o país de viver uma “mentira democrática”, em “pseudolegalidade imoral e corrompida”. Gerou um pedido de punição do PTB, que fazia parte da base aliada a Juscelino.

Em meio à crise, em 3 de novembro Café Filho fora afastado da presidência por conta de um infarto, sendo substituído por Carlos Luz, do PSD, então Presidente da Câmara dos Deputados. Este, por sua vez, ocupou o Catete no sentido esperado pela UDN. Ministro da Guerra, o general Henrique Teixeira Lott vinha tentando contemporizar a situação, mas, na recusa de Carlos Luz de afastar Mamede, surpreendeu ao pedir demissão em 10 de novembro. No dia seguinte, o presidente interino foi a São Paulo com o coronel, Lacerda e o então ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Eduardo Gomes, antigo nome que a UDN tentava emplacar no Catete, para organizar uma resistência à posse de JK. No entanto, foram frustrados por um contragolpe pela manutenção da legalidade, dado por Lott, no chamado “Movimento de 11 de Novembro”, ou “Golpe preventivo de 1955”. Este foi devidamente apoiado pela GN.

Embora tivesse defendido ferozmente a posse de Juscelino em 1955, a Gazeta de Notícias não foi necessariamente um órgão de apoio ao seu governo. Embora tivesse abraçado a proposta desenvolvimentista do novo gabinete, sobretudo quanto ao crescimento econômico do país via industrialização, e aplaudido a criação de Brasília, o jornal era particularmente crítico ao avanço do capital estrangeiro no Brasil.

Lembrando dos feitos dos últimos anos, nas eleições de 1960 a Gazeta de Notícias encampou a candidatura de Henrique Teixeira Lott, pelo PSD. Mas, com a vitória de Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), apoiado pela UDN, o jornal não rejeitou seu governo: pelo contrário, paulatinamente passou a apoiá-lo, no caminho oposto ao dos quadros udenistas do novo gabinete, que passavam a entrar em choque com as posturas inesperadas de Jânio. Tudo em nome da autonomia nacional frente aos interesses estrangeiros. Carlos Eduardo Leal destaca que, na ocasião, o jornal chegou a ver “a controversa condecoração do então ministro da Indústria da República Popular Cubana, Ernesto ‘Che’ Guevara, com a ordem do Cruzeiro do Sul, como um ato de autonomia, independência e autoridade”. Daí, justamente, que a GN foi pega de surpresa pela renúncia do presidente, em 1961. Na ocasião, o periódico defendeu a adoção do parlamentarismo apenas para garantir a posse do vice, João Goulart, pedindo, em seguida, plebiscito para o retorno ao presidencialismo.

Durante o governo Jango, a Gazeta de Notícias foi um órgão moderado, no geral favorável à situação, mas sem se furtar a eventuais críticas, quando julgava necessário.  Naquele tempo a folha passara a nutrir admiração pelo grupo liderado pelo então governador gaúcho Leonel Brizola, considerado mais liberal e menos radical do que o governador pernambucano, Miguel Arraes. Em linhas gerais, a GN viu coerência nas justificativas da Revolta dos Sargentos, de setembro de 1963, e na Revolta dos Marinheiros, de março de 1964, sendo contra o chamado Comício da Central do Brasil, realizado no Rio de Janeiro por Goulart, em 13 de março de 1964, onde o presidente reforçava seu compromisso com a realização das reformas de base. Estas, ainda assim, eram defendidas pela Gazeta de Notícias. O comício acabou sendo encarado pela historiografia como o estopim da movimentação militar que culminou no golpe de Estado ocorrido em abril daquele ano. Ao contrário de quase todo o restante da imprensa de grande circulação no Brasil, a GN não apoiou a deposição de Jango.

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Ao início da regime militar em 1964, por conta de censura imposta aos meios de comunicação, piorada pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de 12 de 1968, a Gazeta de Notícias perdeu muito de sua projeção – que, verdade seja dita, há tempos já não era a mesma. Embora importante em tempos imperiais e durante toda a República Velha, o periódico teve idas e vindas, mas também destaque durante a Era Vargas, embora não como em tempos passados: desde os anos 1950 a tradicional GN não era vista como um órgão da “linha de frente” do jornalismo nacional. Mas, ainda assim, o jornal sobreviveu à ditadura, finda em 1985, em trajetória semelhante à da Última Hora, também decadente.

Então fora dos radares da historiografia da imprensa brasileira, mesmo em seus últimos momentos a Gazeta de Notícias veio sendo recolhida regularmente ao acervo de periódicos da Biblioteca Nacional, via depósito legal, até a data de 30 de junho de 1977. Depois, parece ter havido um hiato em sua publicação, ou apenas em sua remessa à BN: a coleção da instituição continua apenas em 1983, com relativamente poucas edições válidas por toda a década de 1980. Depois, a mesma segue com alguma regularidade entre janeiro de 1990 e fevereiro de 1992. Há então uma nova falha, com a parte seguinte de coleção indo de fins de maio de 1996 a junho de 1997, com a presença de algumas edições esparsas entre junho e agosto de 1999.

Em algum momento posterior a 1999 a Gazeta de Notícias aparentemente deixou de circular. Mesmo assim, foi relançada cerca de dez anos depois, ao fim de 2009. Mas era, na realidade, outro jornal, apenas com o mesmo título, muito distante das fases anteriores, mesmo as decadentes, da tradicional GN. Dessa fase final – que figurou como uma tentativa de restabelecimento do tradicional periódico, ainda que em tempos difíceis para o jornalismo impresso, com o advento da internet –, a Biblioteca Nacional guarda exemplares que vão de dezembro de 2009 a 31 de outubro de 2012. Depois dessa data, presume-se, a Gazeta de Notícias enfim deixava de ser publicada periodicamente. Silenciava, em definitivo? Certamente não, dado o peso que sempre terá na História.

 

Explore os documentos:

Gazeta de Notícias número 1, de 2 de agosto de 1875: ao preço de 40 réis o exemplar, jornal publicaria diariamente “todos os telegrammas politicos e commerciaes, tanto do paiz como do estrangeiro”:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_01/1

 

O Almanack da Gazeta de Notícias, de 1880: “contendo muitos artigos de interesse geral”:

http://memoria.bn.br/DocReader/829579/1

 

“Brazil livre”: a 13 de maio de 1888, em atuação destacada de José do Patrocínio, Gazeta de Notícias noticiava a assinatura da Lei Áurea, que oficializava a Abolição da Escravatura após anos de engajamento da sociedade civil nesse sentido. Por aqueles dias, “O Ateneu”, de Raul Pompéia, era publicado em folhetim nas páginas do jornal:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_02/13781

 

Proclamada a República, Gazeta de Notícias dava todo destaque a Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca, em 16 de novembro de 1889. Novo destino político do Brasil significou fase de robustez para o periódico:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_02/16528

 

No auge, a Gazeta de Notícias fechava o século XIX em grande estilo, repleta de colaboradores de renome. Era, segundo o historiador Nelson Werneck Sodré, o melhor jornal do Brasil, naquele tempo:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_03/21126

 

Em 1909, Gazeta de Notícias abraçava a Campanha Civilista, dando amplo destaque a Ruy Barbosa:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_04/20670

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_04/21891

 

Edição de 24 de outubro de 1930 foi a última da Gazeta de Notícias sob os augúrios da República Velha. Destacava-se “nova derrota das hordas do Sul”, antes do empastelamento:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_06/2190

 

Em 25 de setembro de 1934, a nova Gazeta de Notícias passava a cobrir os destaques da Era Vargas:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_06/2198

 

Primeira edição da Gazeta de Notícias para o ano de 1940 trazia, em destaque, palavras de Joseph Goebbles, ministro da Propaganda do Terceiro Reich: “fé no triumpho e a actual situação da Allemanha”:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_07/1

 

Entrando na década de 1950, a Gazeta de Notícias mandava ao público a mensagem de ano novo do então presidente Eurico Gaspar Dutra:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_08/1

 

“As aves de rapina querem o sangue de alguém: eu lhes dou o meu”. Em época de sensacionalismo galopante, a Gazeta de Notícias abordava o suicídio de Getúlio Vargas, em edição de 25 de agosto de 1954:

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_08/17880

 

Fontes:

COUTINHO, Amélia. Henrique Lott. Verbete da base de dados do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Disponível em: HENRIQUE BATISTA DUFFLES TEIXEIRA LOTT | CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (fgv.br). Último acesso em 26/07/2022.

LAMARÃO, Sérgio. Atentado da Toneleros. Verbete da base de dados do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Disponível em: TONELEROS, ATENTADO DA | CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (fgv.br). Último acesso em 26/07/2022.

LEAL, Carlos Eduardo. Gazeta de Notícias. Verbete da base de dados do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/gazeta-de-noticias. Último acesso em 26/07/2022.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.