BNDigital

Acervo e personagens da Biblioteca Nacional | Há 160 anos nascia A Semana Illustrada

27 dez 2020

Artigo arquivado em Acervo da BN, Personagens da Biblioteca Nacional
e marcado com as tags Guerra do Paraguai, Henrique Fleiuss, Imprensa Ilustrada, Secult, Segundo Reinado

Hoje em dia pode ser difícil imaginar, filhos que somos da Era da Imagem, mas, quando a imprensa enfim passou a ter a capacidade de imprimir imagens em suas edições, uma verdadeira revolução imagética passou a pipocar nos olhos de muita gente. Na segunda metade do século XIX, época em que o Brasil experimentava relativa estabilidade, a novidade da chamada imprensa ilustrada – atualmente um pleonasmo, mas que então aludia ao fato de que havia certo outro tipo de imprensa que não tinha na imagem sua grande estrela – fez a cabeça das elites urbanas com uma linguagem específica, onde se misturavam sátiras, homenagens, efemérides e muito mais. E não é que agora, dia 16 de dezembro, aniversaria redondo aquela que foi uma das primeiras e maiores desse tipo no Brasil? Conheçamos A Semana Illustrada, com todo garbo e rigor.

A Semana Illustrada foi uma proeminente revista ilustrada humorística semanal do Segundo Reinado – praticamente a primeira de seu gênero. Lançada por Henrique Fleiüss, Carl Fleiüss e Carl Linde no Rio de Janeiro (RJ) em 16 de dezembro de 1860, um domingo, foi publicada até 19 de março de 1876. Nesses dezesseis anos, contou com colaboradores ilustres como Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Joaquim Manuel de Macedo, Quintino Bocaiúva, Bernardo Guimarães, Pedro Luís, entre outros. Com suas partes ilustradas impressas a litografia e o restante tipografado – primeiro nas oficinas de Pinheiro & Cia., depois na de Brito & Braga e na tipografia do Imperial Instituto Artístico –, tinha um personagem principal, que aparecia tanto em sua parte desenhada quanto em suas crônicas de abertura, o satírico “Dr. Semana”, que dava canja em cada capa do hebdomadário, sempre ao lado do jovial “Moleque”, escravo seu, aparentemente. Os desenhos publicados no semanário eram de autoria do próprio fundador Henrique Fleiüss, editor geral da revista e possível autor do personagem. Ao fim da publicação, em 1876, Fleiüss ainda se destacaria pela fundação de um periódico similar, a Illustração Brasileira, de excelente qualidade gráfica – é uma outra história, mas como esta usava muitas imagens importadas, mostrou-se economicamente inviável e acabou fechando em 1878. Arruinado, Fleiüss decidiu reviver A Semana Illustrada em setembro de 1880, com a publicação de A Nova Semana Illustrada, que acabou sendo outro projeto que não decolou.

Nelson Werneck Sodré, em sua “História da imprensa no Brasil”, discorre o seguinte sobre a Semana Illustrada:

Quando Henrique Fleiüss lançou, na Corte, em 1860, a Semana Illustrada, tinham circulado já (...) pequenos e toscos jornais de caricaturas e havia litografias que tiravam estampas avulsas; o que não havia era uma revista ilustrada: nesse sentido, Fleiüss foi, realmente, pioneiro. A Revista Popular, antes, era mensário com figurinos intercalados no texto e uma que outra estampa, mas eram impressas na França e remetidas ao [impressor] Garnier, que as inseria na revista. (...) (A revista) Não era crítica, mas fazia campanhas como a da instalação da rede de esgotos no Rio, abolindo-se o uso dos famigerados tigres. Amigo da casa imperial, que sempre prestigiou, como aos governos em geral, Fleiüss, grande desenhista e litógrafo, não era humorista nem crítico. Até o número dez, a Semana Illustrada foi totalmente desenhada e litografada por ele, recebendo, daí por diante, a cooperação de H. Aranha, Aristides Seelinger e Ernesto Augusto de Sousa e Silva (Flumen Júnior) e, no último ano, a de Aurélio Figueiredo. (p. 205/206)


Em pequeno formato e com oito páginas, quatro de texto e quatro de ilustrações, o semanário vinha com crônicas, contos, poesia, comentários mordazes e jocosos, efemérides e opiniões sobre assuntos do cotidiano carioca, modas, variedades, crônica e crítica teatral, anedotas, folhetins, entre outras coisas. As destacadas crônicas e os cartuns do “Dr. Semana” procuravam comentar os sucessos e os insucessos da semana através de diálogos entre o personagem, de cabeça enorme e farta cabeleira, e seu jovem escravo, um menino “que lembrava personagem da peça de [José de] Alencar, O Demônio Familiar” (p. 205), nas palavras de Werneck Sodré.

Contemporânea à Guerra do Paraguai, a Semana Illustrada dedicou muitas de suas páginas ao conflito. Alfredo d’Escragnolle Taunay, Joaquim José Inácio (que viria a ser o visconde de Inhaúma) e Antônio Luís von Hoonholtz (futuro barão de Tefé) foram seus correspondentes nos campos de batalha. Nesse contexto, o semanário chegou a travar séria polêmica contra a revista ilustrada A Vida Fluminense, onde se destacava Angelo Agostini, que publicava desenhos supostamente enviados por oficiais que atuaram nas trincheiras, produzidos no calor do combate. Tais trabalhos, dado seu apelo junto ao público midiático da época, se espalharam pela imprensa ilustrada da Corte, gerando debate sobre a sua autenticidade: Agostini e Henrique Fleiüss, então, trocaram severas acusações. A concorrência da Semana Illustrada, aliás, não vinha apenas d’A Vida Fluminense: O Mequetrefe, O Mosquito e Mephistopholes também tinham sua parcela do público letrado e, não raro, eram muito críticos ao periódico de Fleiüss, por sua proximidade com o trono.

Curiosamente, a Semana Illustrada teve uma edição, a de nº 126, de 10 de maio de 1863, em que saíram impressas apenas as páginas de imagens, sem texto algum: as páginas que seriam impressas pela tipografia saíram em branco.

Explore o documento:

http://memoria.bn.br/DocReader/702951/129

http://memoria.bn.br/DocReader/828726/1

http://memoria.bn.br/DocReader/826154/1


Primeira página padrão de A Semanna Ilustrada na década de 1860.