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Cultura POP | J. Carlos e Walt Disney: Entre a Homenagem e o Plágio

30 jun 2020

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No início de outubro de 1941, um papagaio partia de terras brasileiras para os Estados Unidos. Para ele, talvez, a situação fosse um pouco tensa: dado à galhofa e a informalidade, tinha que respirar fundo e deixar a bazófia um pouco de lado. Motivo: havia nazistas a derrotar. Sua verde e brasileiríssima plumagem seria uma engrenagem a mais na máquina de propaganda, contra o vermelho do sangue e da suástica: a Segunda Guerra Mundial seguia a pleno vapor. Ainda bem para ele que, naquela época, podia-se fumar nos aviões. Ou vocês não sabiam que “Mr. Parrot”, logo rebatizado como Zé Carioca, fumava charuto?

Cerca de um ano depois de sua viagem, Zé Carioca surgiu no cinema no filme “Alô Amigos”, de Walt Disney, levando o amigo gringo Pato Donald para um rolê pelo Carnaval carioca. O filme, sabe-se, reforçava a parceria entre os Estados Unidos e o Brasil, apenas recentemente chegado à Guerra, ao lado das potências Aliadas. Frente ao desafio, era para lá de conveniente, nem que apenas pelo simbólico, dar um cuidadoso e diplomático alô aos amigos. O personagem tupiniquim ficou tão popular e tão identificado com a brasilidade que pouco depois um grupo de pracinhas da Força Expedicionária Brasileira chegou a editar um pequeno e rústico jornal intitulado “Zé Carioca”, fazendo-o circular entre as trincheiras brasileiras na Itália.

A paternidade do papagaio em questão, atribuída a Walt Disney, não está exatamente em disputa. Mas cabe dizer: é, no mínimo, uma paternidade “dupla”, digamos. Fruto de uma época em que o plágio podia ser visto como apenas influência ou mera homenagem, e não necessariamente viceversa. O surgimento do Zé Carioca, ou melhor, de um protótipo muito bem acabado do Zé Carioca mundialmente famoso, se deve a um dos mais importantes artistas gráficos da história da imprensa brasileira: J. Carlos.

Responsável por rica crônica ilustrada – sobretudo na política e nos costumes – do Brasil na primeira metade do século XX, J. Carlos era apaixonado por crianças: no início dos anos 1920 traçou a graça da célebre revista infantil Tico-Tico em seus personagens Jujuba, Lamparina, Goiabada e Carrapicho. Já na revista Careta, voltada aos adultos, ilustrava um certo papagaio de charuto no bico, colarinho e bengala, que dava voz aos comentários do cartunista ao leitor – especialmente aqueles mais sarcásticos e desbocados.

Quando Walt Disney visitou o Brasil, num giro internacional por conta do lançamento do filme “Fantasia”, em 1941, tomou conhecimento do trabalho de J. Carlos numa exposição organizada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do governo Vargas. Foi amor à primeira vista: o traço do brasileiro estava à frente de seu tempo. Disney bem que tentou levar J. Carlos para seus estúdios, em Hollywood. Recebendo um não, levou pelo menos a ideia do papagaio. A capa de Careta que ilustra este texto, datada de 4 de outubro de 1941, mostra o momento em que o Zé fazia as malas, um tanto aborrecido com a convocação. E pior: mudo.

De resto, cabe apenas salientar as palavras de J. Carlos, revelando o porquê de ter deixado de desenhar personagens infantis, justamente em 1941: "Fi-los durante mais de vinte anos, mas hoje, um esforço tamanho para quê? (…) A remuneração é tão insignificante. Quem é que pode concorrer com esses originais estereotipados estrangeiros?"

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