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Dia internacional da mulher | Três mulheres contra a banalidade do mal

08 mar 2021

Artigo arquivado em Dia internacional da Mulher

"Quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal." (Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal)

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, não poderíamos deixar de homenagear a coragem feminina na luta contra as piores tiranias do século passado. Três filósofas: Hannah Arendt, Simone Weil e Edith Stein – ainda nos fazem pensar sobre a atitude a ser tomada diante do totalitarismo de todos os acentos. Três intelectuais judias do século XX no auge dos regimes totalitários — assumiram a tarefa de pensar profundamente acerca do problema do mal e sobre o modo de o enfrentar sem perder a própria humanidade. Suas respectivas obras emergiram entre as duas grandes guerras e sofreram os signos do nazi-fascismo, comunismo, antissemitismo e totalitarismo. Foram mulheres de gênio e coragem que assumiram a inadiável responsabilidade intelectual sem temor e sem se deter na superfície das explicações ideológicas, políticas e históricas, indicando ao mundo os caminhos para se salvar, em sentido espiritual, da catástrofe do século.

Diversificadas por especificidades biográficas, e também diferentemente envolvidas no turbilhão maligno — Stein morreu numa câmara de gás em Auschwitz, Arendt refugiou-se na França, depois foi para os Estados Unidos e safou-se, Weil morreu só, no sanatório operário de Ashford, na Inglaterra, na noite de 24 de agosto de 1943, vítima de tuberculose — de fato, essas três pensadoras têm em comum uma valiosa reflexão sobre o sentido e a natureza do mal com o qual se confrontaram, juntamente com a busca de uma solução espiritual e intelectual para os males da época.

Hannah Arendt, no livro As origens do totalitarismo, disse que o totalitarismo se manifestou no mundo contemporâneo por causa da indiferença em relação ao mal. Ela nos esclareceu esse ponto ao enfatizar que o genocídio de judeus na Europa nazista não foi um crime contra “judeus”, de que os judeus precisavam se defender enquanto judeus. Pelo contrário, o Holocausto foi um crime contra a humanidade.

Do mundo contemporâneo, Simone fala geralmente usando o adjetivo "miserável". Neste, ela vê o pleno desenvolvimento da adoração da força, ou seja, do distanciamento do Bem, que é Deus. Isso acontece seja sob o aspecto da adoração da técnica - forma servil, utilitarista e totalitária da ciência - seja sob o aspecto da adoração do social.

Já para Edith Stein, o mal totalitário manifesta-se sempre através do total desprezo pela justiça e pela pessoa humana. Ainda hoje, seus estudos fenomenológicos, ancorados numa visão nobre da pessoa humana, são capazes de fundamentar a resistência ativa a todo tipo de totalitarismo e continua sendo atual contra todas as tentações totalitárias e fenômenos de massa, fortalecendo a liberdade constitutiva enraizada no núcleo espiritual da pessoa.

Desempenhando um papel significativo na edificação da consciência moral contemporânea, com as suas vidas, essas três mulheres testemunharam um modo particular de ser intelectuais e ao mesmo tempo mulheres, mantendo a própria singularidade de pensamento e sentimento.

Se conseguimos repensar o século passado de modo menos desanimado, se conseguirmos não ver no Holocausto e nos Gulags a morte de Deus, é a elas que o devemos.

Para as três filósofas judias, apenas a busca do verdadeiro é capaz de libertar o homem de todas as mentiras ideológicas construídas a partir de falsos pressupostos mentais. Para essas mulheres, confrontar a verdade da realidade à mentira da ideologia, a qual, justamente por ser algo entre o verdadeiro e o falso, tem força persuasiva, é um dos elementos característicos da definição de democracia.

Para saber mais sobre Simone Weil:

Jornal de Notícias - José Geraldo Vieira, Simone Weil:

http://memoria.bn.br/DocReader/583138/17538

http://memoria.bn.br/DocReader/583138/17619

Jornal do Brasil, Marco Aurélio Matos, Simone Weil

Diário de Notícias, Leo Gilson Ribeiro, Simone Weil

Para saber mais sobre Edith Stein:

Revista A Ordem, Hedwig Michel, Edith Stein, mártir judia e cristã

Diário de Notícias, Jorge O´Grady de Paiva, Edith Stein, impressionante figura de mulher

Jornal do Brasil. Ernesto Feder, A senda de Edith Stein

Para saber mais sobre Hannah Arendt:

O Estado de S. Paulo, Celso Lafer, A filosofia na reflexão política de Hannah Arendt

Eduardo Jardim, O Liberal, O caminho para o poder sem limites (sobre a obra clássica de Hannah Arendt, As Origens do Totalitarismo)