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Diário Carioca

18 nov 2014

Artigo arquivado em Hemeroteca

Criado para fazer oposição ao governo Washington Luís e a seu candidato à sucessão presidencial, Júlio Prestes, o Diário Carioca (DC), desde os seus primórdios, participou de momentos decisivos da história da República, exercendo considerável influência na cena política brasileira. Seu fundador, José Eduardo de Macedo Soares, era natural de São Gonçalo (RJ) e descendia de influente família latifundiária na hoje denominada Região dos Lagos.

O primeiro jornal de Macedo Soares foi O Imparcial, periódico civilista, fundado por ele logo após deixar a Marinha, que fez dura oposição aos governos do marechal Hermes da Fonseca, Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. Preso por ordens do primeiro, Macedo Soares promoveu, em O Imparcial e ao lado do Correio da Manhã, Época e A Noite (cujos diretores também haviam sido detidos), intensa campanha em favor da liberdade de imprensa. Em 1922, por ocasião da primeira rebelião tenentista (episódio conhecido como “Os 18 do Forte”), já no governo de Epitácio Pessoa, José Eduardo voltou a ser preso. Solto meses depois, seu jornal seria novamente fechado por ordem do novo presidente, Artur Bernardes, a quem também fazia oposição. José Eduardo então se exilou na Europa com a mulher e filhas para retornar alguns anos depois, já durante o governo de Washington Luís, e fundar o Diário Carioca. Uma de suas filhas, a urbanista e paisagista Lota (Carlota) Macedo Soares, se destacaria anos depois por administrar a construção, no Rio de Janeiro, do Parque do Flamengo, considerado o maior aterro urbano do mundo.

Logo que foi criado, o jornal apoiou a Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas (e derrotada nas eleições de março de 1930) e o subseqüente movimento revolucionário de outubro de novembro desse mesmo ano. Uma apaixonada cobertura da Revolução de 30 exaltou, em sucessivas manchetes – “A redempção brasileira. Victoriosa, em todo o paiz, a Cruzada Santa da Libertação Nacional” (24 out.); “A maior epopea da historia brasileira” (27 out.) etc. – a ação “regeneradora” dos aliancistas, ao mesmo tempo em que fazia as mais duras acusações ao governo deposto, chamando Washington Luís de “o último tirano da República”.

Em 1932, porém, o Diário Carioca aderia à campanha pela Assembleia Constituinte, cuja convocação o governo provisório de Vargas retardava, sendo por isso empastelado por simpatizantes do presidente. Em 1935, o DC ficou do lado do governo na insurreição comunista de novembro e, em 1937, pareceu apoiar o golpe do Estado Novo, mas não sem antes manifestar preocupação com o perigo de suspensão das garantias constitucionais. Como no editorial “Pânico”, escrito por Macedo Soares no início de outubro de 1935, pouco mais de um mês antes do golpe:

“Cabe inteira responsabilidade aos chefes do Exército e da Marinha da nova viagem que vamos empreender no túnel da suspensão das garantias constitucionais. Mas não esqueçam as ilustres autoridades militares que nos regimes discricionários é sempre muito mais fácil entrar do que sair. (...) No passado, as medidas excepcionais só haviam servido para jugular os jornais, ocultando escândalos e abusos administrativos, e para permitirem prisões injustas, brutalidades, extorsões, e outras imoralidades cometidas por funcionários subalternos.”

O comportamento do jornal nos primeiros dias do Estado Novo é assim descrito por Cecília Costa, autora de rico estudo histórico sobre o jornal:

“Foi exatamente em novembro (...) que o governo do Estado Novo impôs ao país a Constituição preparada por Francisco Campos, vulgo “A Polaca”, acabando com qualquer esperança dos dois irmãos [o irmão, diplomata José Carlos Macedo Soares, havia pedido demissão do cargo de ministro da Justiça] quanto a uma vindoura eleição. Sob o tacão da nova Constituição, José Eduardo de Macedo Soares escreveria menos editoriais, ou os teria integralmente censurados, com raríssimas exceções, como foi o caso de um artigo sobre a situação da imprensa no novo regime, escrito em dezembro, no qual denunciaria a triste volta da censura legalizada. Sendo obrigado a ficar mudo, suas primeiras páginas, nesses tensos dias de outubro e novembro de 37, seriam dedicadas quase que na íntegra à guerra interna no país, seus interventores, agentes de repressão e aos membros das Forças Armadas. O jornal, habitualmente brincalhão e combativo, ficaria funéreo e solene, como se vestisse uma armadura, mais parecendo um boletim editado pela Marinha ou pelo Exército.” (Costa, Cecília. Diário Carioca: o jornal que mudou a imprensa brasileira.Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2011.)

Foi nos últimos anos do Estado Novo que o DC, assim como outros jornais – muitos deles tendo sofrido a intervenção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de propaganda e censura criado por Getúlio Vargas – retomaram a luta contra o regime ditatorial, reconquistando o direito à liberdade de expressão.

A partir de 1945, quando os ares da liberdade voltaram a reinar no país, entraria em choque frontal com Vargas e com o getulismo, aproximando-se das forças nucleadas em torno da União Democrática Nacional (UDN), principal partido de oposição no Brasil até o golpe de 1964.

Em 1954, após noticiar em primeira mão o atentado, em Copacabana, no Rio de Janeiro, a Carlos Lacerda - furo casual do então jovem jornalista Armando Nogueira, que morava nas proximidades – o DC engrossou a campanha, movida pela oposição e boa parte da imprensa (O Globo, Tribuna da Imprensa, Estado de S. Paulo) exigindo a renúncia de Getúlio Vargas. Até se extinguir, em 1965, o pequeno jornal carioca nunca deixaria de exercer influência na política brasileira.

Foi em 1932, após o empastelamento do seu jornal, que Macedo Soares, já com 50 anos, decidiu abandonar a sua direção, passando a exercer apenas o cargo de editorialista, no qual se destacou pela coragem e contundência de seus textos. Tendo alçado ao cargo de diretor-executivo o amigo dileto Horácio de Carvalho Jr., neto do barão de Amparo, manteve-se, no entanto, como eminência parda do periódico. (Horácio de Carvalho, que esteve à frente do jornal até o seu fechamento, teve como esposa, durante 45 anos, a francesa Lily de Carvalho, miss Paris em 1937, posteriormente casada, após a viuvez, com o presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho.)

O papel mais relevante daquele pequeno grande jornal, no entanto, e que o faz ser relembrado até hoje, foi o de ter iniciado a reforma do jornalismo carioca, a bem dizer jornalismo brasileiro, já que em 1950 o Rio de Janeiro, capital federal, era ainda a caixa de ressonância política e cultural do país.

Foi em no começo da década de 1950 que o DC pretendeu dar o seu maior passo, tornando-se um grande jornal de circulação nacional. Inaugurou, na ocasião, na avenida Presidente Vargas, seu novo e bonito prédio sobre pilotis projetado pelo notável arquiteto Afonso Eduardo Reidy, e também a gráfica Érica, com o que havia de mais moderno no mundo em matéria de equipamento. O novo DC saiu no dia 28 de maio de 1950, um domingo, com 72 páginas e cinco cadernos, como o Carioquinha, a cores, e a Revista do DC, para o público feminino, além de páginas literárias com colaboradores de alto nível, como Antonio Candido, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Manuel Bandeira e Sérgio Buarque de Holanda. Fizeram parte dessa reforma, que antecedeu em seis anos à do Jornal do Brasil, nomes que se consagraram na imprensa do país, como Pompeu de Souza, Luiz Paulistano e Prudente de Moraes, Neto.

Foi também o DC que criou o primeiro manual de estilo para seus redatores e repórteres e implantou o uso de lide e sublide no Brasil, acabando com o famigerado “nariz de cera” – texto longo (e dispensável) de introdução às reportagens, em voga na nossa imprensa desde o século XIX. Além disso, foi um dos grandes pioneiros de um jornalismo moderno e essencialmente carioca, destacando-se a cobertura com suíte, os títulos com siglas e até mesmo sem verbo, o que era uma revolução para a época.