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Diretrizes

19 nov 2014

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Antifascismo, Censura e repressão, Crítica política, Departamento de Imprensa e Propaganda, Estado Novo, Imprensa marxista, Liberalismo, Rio de Janeiro, Samuel Wainer, Segunda Guerra Mundial

Diretrizes foi uma publicação mensal de conteúdo político e social e orientação liberal-democrática. Lançada em abril de 1938 no Rio de Janeiro (RJ), foi dirigida inicialmente por Azevedo Amaral e Samuel Wainer, e, depois, por este e Maurício Goulart, tendo tido formatos e periodicidades diferentes. É hoje considerado um dos maiores periódicos de crítica e análise política da história da imprensa brasileira, assim como Samuel Wainer é lembrado como um dos mais importantes nomes do jornalismo nacional.

Fundada pouco depois da criação do Estado Novo, Diretrizes, de início, não sofreu muito com a censura, apesar de seu conteúdo político. De acordo com Carlos Eduardo Leal, em verbete sobre o periódico, no Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, apenas em um segundo momento
(...) Diretrizes iria defrontar-se com possibilidades restritas no tocante à amplitude de suas matérias. Embora a revista tivesse a preocupação de causar impacto num cenário onde o esvaziamento político era a tônica, seus primeiros números foram marcados por um caráter exclusivamente acadêmico. Tratando de assuntos literários, políticos, econômicos e sociais, Diretrizes pretendia atingir um público intelectualmente preparado. (vol. 2, p. 1.882)

Até o nº 20, de novembro de 1939, a revista circulou com regularidade. O nº 21, no entanto, veio a público em janeiro de 1940, pulando um mês. A partir do nº 35, de 3 de janeiro de 1941, no entanto, Diretrizes passou a ser semanal, momento em que se tornou mais engajada e ganhou características um pouco mais populares. A mudança deveu-se, em grande parte, às posições dos responsáveis pelo periódico face ao autoritarismo vigente em alguns países da Europa (e, por extensão, também no Brasil) e diante do desenrolar da Segunda Guerra Mundial. A mudança no teor da publicação, de acadêmico para popular, revelava, de certa forma, a busca da democratização da informação e da própria política nacional, então sufocada pelo regime fechado e violento do Estado Novo.

Com a gradual politização dos artigos e o emprego de linguagem mais acessível, que lhe rendeu mais leitores, Diretrizes acentuou o seu caráter liberal e democrático, oposto ao situacionismo. Embora concordasse com grande parte das medidas econômicas e sociais tomadas pelo governo de Vargas, a revista cada vez mais evidenciava a sua oposição ao autoritarismo do regime.

Segundo Carlos Eduardo Leal, no verbete citado, a revista tinha o apoio do ex-tenente ex-interventor de São Paulo João Alberto Lins de Barros, na época presidente da Comissão de Defesa da Economia Nacional. Tinha sido por seu intermédio que Samuel Wainer teria vendido ações da publicação a figuras como João Cleofas, Virgílio de Melo Franco, Levi Carneiro, entre outros. De toda maneira, a partir de seu maior engajamento político, Diretrizes passou a ser constantemente apreendida pela polícia e a conviver com os entraves criados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o famoso órgão de propaganda e censura do governo Vargas no Estado Novo. Uma das primeiras atitudes da nova fase do periódico foi publicar uma série de matérias relembrando o tenentismo da década de 1920, cujos ideais eram originalmente moralizar e democratizar a República, então dominada pelas oligarquias estaduais.

Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 31 de agosto de 1942, na coalizão aliada, Diretrizes pôde explorar mais ainda suas crenças liberais e democráticas. Apoiando incondicionalmente a entrada do Brasil na guerra, a revista questionava de forma mais explícita as doutrinas sustentadas pelos países do Eixo e, por tabela, a proximidade do Estado Novo com as mesmas. Ao mesmo tempo,a revista integrou ou mesmo encabeçou diversas campanhas políticas, defendendo a criação de uma siderurgia nacional ou combatendo a desnacionalização da indústria farmacêutica no Brasil, ameaçada pela hegemonia dos grandes laboratórios internacionais.

Muito da importância de Diretrizes na história da imprensa política brasileira se deve também ao importante papel que exerceu no combate ao nazifascismo e às restrições do Estado Novo. Seu slogan, em 1944, “Um semanário a serviço da liberdade”, parecia não deixar dúvidas a respeito. Segundo Nelson Werneck Sodré, em História da imprensa no Brasil, a revista de Wainer não apenas soube burlar o rígido esquema de censura do governo de Getúlio Vargas, como também forçou e se aproveitou do “afrouxamento” deste na década de 1940:
(...) com esforços curiosos, muita malícia e alguma ousadia, passando assunto entre as estreitas malhas do vastíssimo rol dos assuntos proibidos, essa revista teve, realmente, papel de relevo na época, que foi ainda maior à medida em que, desde 1942 (...), os Estados Unidos juntaram-se aos Aliados. A participação da União Soviética na guerra, forçando a suspensão da propaganda anticomunista no ocidente, permitiu o combate ao nazi-fascismo e o Estado Novo começou a ser esvaziado de seu conteúdo originário e a debilitar-se. (p. 444)

Cabe também destacar que, por divergências doutrinárias, o antigo diretor Azevedo Amaral (Antônio José de Azevedo Amaral) havia se desligado de Diretrizes pouco tempo depois do seu lançamento. Um dos maiores ideólogos brasileiros do pensamento autoritário e conservador no Brasil, muito próximo ao fascismo, suas convicções não combinavam com as ideias social-democráticas de Samuel Wainer. Abandonando o periódico, Azevedo Amaral lançou, já em novembro de 1938, uma revista para combater Diretrizes, intitulada, não por acaso, Novas Diretrizes: ali, sustentaria a necessidade de um Estado forte e endossaria o programa político do Estado Novo sem restrições, julgando-o um modelo superior ao comunismo russo, ao nazismo alemão e ao fascismo italiano. Quanto à Guerra Mundial, Novas Diretrizes tomaria o partido das potências do Eixo, muito pelas semelhanças do Estado Novo com modelos autoritários europeus. Diretrizes não podia ter um antagonista maior.

À medida que a guerra chegava ao fim, e aproveitando o afrouxamento do controle estatal, Diretrizes ia imprimindo uma pauta de centro-esquerda. Desde o início a revista congregava figuras da esquerda, como os comunistas Astrojildo Pereira e Alceu Marinho Rego, embora jamais tenha havido censura ou represália do governo às matérias por estes assinadas. No entanto, na edição de 2 de julho de 1942, a revista publicou entrevista com o ex-ministro do Trabalho Lindolfo Collor, que, ao discorrer sobre a guerra e sobre seu livro, Europa-39, afirmou que, enquanto os Aliados lutavam contra o nazifascismo, o Brasil vivia sob um regime semelhante ao que combatia na Europa; e que, com o término do conflito, era de se esperar que a contradição resultasse no fim da ditadura. Interpretando a entrevista como afronta ao governo, o DIP cortou o suprimento à revista de papel (material em escassez durante a guerra). Mantendo-se como podia, em 4 de julho de 1944, Diretrizes suspendeu suas atividades. E Samuel Wainer, o mesmo jornalista que no segundo governo Vargas iria dirigir o jornal governista Última Hora, se exilava nos Estados Unidos.

Entrevistas como a de Lindolfo Collor eram publicadas regularmente por Diretrizes, além de densos artigos, reportagens e ensaios. Algumas delas célebres, miravam grandes personalidades, evocando normalmente assuntos caros sobretudo à política e à cultura nacionais, que em não poucas vezes resultaram em grandes debates. Uma das mais importantes dessas entrevistas, que elevou consideravelmente a venda do periódico, foi a realizada com Dilermando de Assis, oficial do Exército responsável pela morte de Euclides da Cunha. Sua publicação era um contraponto ao livro “A vida dramática de Euclides da Cunha”, de Elói Pontes.

Trabalharam ou colaboraram na primeira fase de Diretrizes, entre outros, Joel Silveira (secretário de redação), Osório Borba, Marques Rebelo, Jorge Amado, Otávio Malta, Genolino Amado, Álvaro Moreyra, Apparício Torelly (o “Barão de Itararé”), Rubem Braga, Antônio Nássara, Francisco de Assis Barbosa e muitos outros nomes notáveis do jornalismo brasileiro.

Diretrizes não esteve em suspensão por muito tempo. Com o fim do Estado Novo e a luta pela redemocratização no Brasil, em 1945 Samuel Wainer voltou do exílio e, em meados do ano, colocou o periódico de volta à ativa. Na nova fase, Diretrizes passava a ser um jornal vespertino de tamanho standard, porém com periodicidade mensal. Aos poucos, o intervalo entre o lançamento de uma edição e outra foi diminuindo e, em janeiro de 1946, o jornal tornou-se diário. Era propriedade de uma sociedade anônima presidida por Hercolino Cascardo, o mesmo que havia sido presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora, em 1935, enquanto a gerência cabia a Raul Pedroso.

No início da nova fase, Diretrizes continuaria requisitando a influência de João Alberto Lins de Barros, responsável por conseguir máquinas para a redação e rotativas. Como contrapartida, o jornalista Osvaldo Costa passou a fazer parte da redação, como uma espécie de representante de Lins de Barros. Em fins de 1945 a relação de Costa com Wainer acabou resultando em divergências, o que teria motivado a viagem deste último para a Europa, onde foi cobrir o julgamento de oficiais nazistas em Nuremberg. A direção do jornal ficou com o próprio Osvaldo Costa, assessorado por nomes já antigos na redação de Diretrizes, como Joel Silveira, Assis Barbosa e Otávio Malta. Pouco depois, Nino Gallo passou a figurar como diretor-superintendente, Luiz Quentel como diretor tesoureiro e Gagliano Neto como diretor responsável pelo setor esportivo.

Mesmo com o término do Estado Novo, Diretrizes continuava antigovernista, tendo, por exemplo, denunciado o nepotismo praticado pelo governo de José Linhares. Em paralelo, o jornal fez campanha em defesa do monopólio estatal do petróleo e apoiou a candidatura de Hermes Lima à Câmara Federal, nas eleições de 1945. Na campanha eleitoral para a sucessão presidencial, absteve-se de apoiar o general Eurico Gaspar Dutra ou o brigadeiro Eduardo Gomes, preferindo esperar a indicação de um candidato popular proposto por Getúlio Vargas (especulando quem poderia ser esse nome, chegaram a ser entrevistados João Neves da Fontoura, Prestes Maia e Luís Carlos Prestes). Com a vitória de Dutra, Diretrizes abrandou seu oposicionismo, mas apoiou a anistia, a convocação da Assembleia Constituinte e foi contra a perseguição aos comunistas.

Entre os colaboradores da nova fase estavam Vinícius de Moraes, Gondin da Fonseca, Antônio Nássara, Paulo Rodrigues, Rivadávia de Souza, Abelardo Romero e outros. Como jornal diário, a folha tornou-se mais eclética: tinha matérias que procuravam atender tanto os interesses ou gostos das classes populares, quanto de um público mais sofisticado, dava mais importância aos esportes, ao noticiário policial e a reportagens de interesse comunitário. A nova fórmula, no entanto, não significou sucesso editorial.

Já em final de circulação, Osvaldo Costa havia se tornado diretor-proprietário de Diretrizes, detendo a maior parte das ações. Por volta de 1948, o diário acabou sendo vendido a um grupo encabeçado por Arquimedes Pereira de Melo, mas os novos proprietários não puderam manter o mesmo padrão salarial. Em pouco tempo a equipe de redação foi mudando e a qualidade caindo. Em 31 de março de 1950, seria publicada a última edição de Diretrizes, o jornal.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, ano 1, de abril de 1938, ao nº 1.247, ano 10, de 12 de janeiro de 1949.

- CHAVES, Luís Guilherme Bacellar. Azevedo Amaral. In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.) Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. Vol. I.

- LEAL, Carlos Eduardo. Diretrizes. In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.) Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. Vol. II.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.