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Farol Maranhense

28 maio 2018

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Censura e repressão, Crítica política, Dom Pedro I, Liberalismo, Maranhão, Primeiro Reinado

Redigido pelo jovem educador José Cândido de Moraes e Silva, o Farol Maranhense foi um proeminente periódico durante os últimos momentos do Primeiro Reinado. Vindo a lume a 26 de dezembro de 1827, exercia verdadeiro ativismo político pela causa liberal exaltada, ou seja, a considerada mais radical do liberalismo, sendo o primeiro órgão de sua vertente política no Maranhão. Defendendo os princípios constitucionais, conseguindo, aliás, grande sucesso junto ao público leitor da elite maranhense, foi, muito por isso, combatido por diversos jornais ideologicamente opostos e perseguido pelas autoridades da época: em linguagem afiada, atacava violentamente tanto os desmandos do poder provincial quanto o lusitanismo – lembrando-se que força de comerciantes e funcionários públicos portugueses no Maranhão de então, dado seus laços com a metrópole nos tempos coloniais, impôs dificuldades à adesão da província à Independência. Tal posicionamento, ademais, onde portugueses eram chamados pejorativamente de “corcundas”, aproximava o Farol, afinal, do levante conhecido como Setembrada, eclodido em dezembro de 1831.

Com publicação finda em 15 de abril desse ano, possivelmente por conta da instabilidade causada pela iminência da revolta e da morte de Moraes e Silva, um de seus líderes, o periódico teve uma curta segunda fase, quando, entre 1832 e 1833, foi dirigido por João Francisco Lisboa. No total, o Farol Maranhense lançou 351 edições.

Entre 1821 e 1831, circularam em São Luís cerca de 13 periódicos de matizes políticas distintas, propensos ao debate à medida em que serviam aos interesses de grupos políticos locais – alguns dos principais foram O Censor Maranhense, A Bandurra (ambos defensores da população portuguesa na província), O Argos da Lei, Minerva, A Cigarra e A Estrela do Norte do Brasil, além da folha de Moraes e Silva. Como fosse educador, o diretor do Farol Maranhense também estampava nas páginas de sua folha preocupações com a instrução pública, sobretudo em maio de 1828 – ademais, foi publicamente a favor da inserção das mulheres nos estudos. No entanto, citando Elizabeth Sousa Abrantes, autora do artigo "José Cândido de Moraes e Silva – o 'Farol' – atuação política nos debates e lutas do pós-Independência no Maranhão (1828-1831)", na sua linha principal o periódico transitava por outras questões (que afinal não estavam dissociadas da educação):
Os debates jornalísticos no Maranhão gravitavam em torno de temas ligados à Independência, Monarquia Constitucional, direitos políticos dos cidadãos, respeito às leis, críticas aos abusos de autoridades cujas práticas eram denominadas de despotismo. A acusação de despotismo geralmente recaía sobre os funcionários públicos onde, principalmente na alta burocracia, se encontravam muitos portugueses. Acusados de desejarem e de tramarem o retorno do Maranhão à antiga ordem colonial, maquinando contra os interesses nacionais, os portugueses eram o alvo predileto das críticas políticas, contribuindo para acirrar os ânimos e aumentar o sentimento de antilusitanismo entre os maranhenses. Os debates políticos travados na imprensa eram alicerçados pelas diferentes leituras que as elites políticas e intelectuais faziam da ideologia liberal, leituras adaptadas da maneira que mais convinha aos interesses. (p. 3)

A posição liberal se dava, sobretudo, no sentido de neutralizar a elite portuguesa que dificultava a sua própria ascensão ao poder local, impedindo, com isso, a aplicação do liberalismo na gestão pública da província. Nesse sentido, tanto o Farol quanto os demais periódicos liberais maranhenses preocupavam-se em fazer valer a Constituição brasileira, combatendo os esforços contra ela, sobretudo os cometidos por funcionários públicos, defendendo ainda a liberdade e a propriedade dos cidadãos. Isso fazia seu discurso liberal moderadamente combativo, sem risco de incitar revoluções, já que suas reivindicações se apoiavam na Constituição que era extremamente conservadora, por sua vez. Em paralelo, o jornal atacava o Decreto de 22/11/1823, a primeira Lei de Imprensa brasileira, cuja vigência foi até 1830.

Repudiando o governo provincial de Manoel da Costa Pinto (de fevereiro de 1828 a janeiro de 1829), dispensando o mesmo tratamento ao presidente maranhense anterior, Pedro José da Costa Barros (que teve mandato de setembro de 1825 a março de 1827), o Farol Maranhense sofreu diversas represálias por parte do poder local: Moraes e Silva sofreu processos por abuso de liberdade de imprensa, foi ameaçado de ter sua tipografia fechada e passou por um recrutamento forçado, que o manteve afastado de suas funções na imprensa por cerca de cinco meses, ao ser obrigado a assentar praça no corpo de artilharia ao fim do governo de Costa Pinto. Tendo acusado os dois presidentes provinciais de sujeição aos interesses portugueses, quando do início do governo de Cândido José de Araújo Viana, futuro marquês de Sapucaí (de 1829 a 1832) o tom do Farol mudou: sendo este um governo liberal moderado, assim que assumiu deu ordens de liberação de Moraes e Silva do serviço militar. Comemorado pela imprensa liberal de São Luís, sua administração foi então considerada menos arbitrária. Cabe lembrar que Moraes e Silva e seu periódico seguiam linha exaltada, radical, para a qual a moderação não era exatamente um modelo de gestão pública, mas, ainda assim, a folha passou a publicar matéria oficial do governo, tecendo elogios à nova administração provincial e rebatendo acusações de que havia se tornado governista, ao argumentar que oferecia espaço gratuito em suas páginas a atos oficiais que considerasse de utilidade pública.

A exemplo do Farol Maranhense, no período que antecedeu a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, o discurso dos liberais maranhenses exaltados se encontrava, em verdade, mais próximo dos moderados, sendo mais reformista que revolucionário, em consonância com periódicos liberais da Corte e de São Paulo, como o Farol Paulistano, a Astrea e a Aurora Fluminense, que tinham textos reproduzidos para o público local. Todos, afinal, batiam-se pela monarquia constitucional, observando a obediência às leis e ao monarca, rejeitando ideais republicanos e federativos de qualquer tipo, ao menos até a abdicação. Esta, todavia, forçou uma reconfiguração dos grupos liberais por todo o Brasil, onde a divisão entre exaltados e moderados se acentuou, tanto na orientação quando ao ex-monarca e quanto às autoridades que representavam o Primeiro Reinado, como o presidente maranhense Araújo Viana. A simpatia e tolerância anteriores transformaram-se em desentendimentos e oposição, intensificando-se o discurso antilusitano por parte dos radicais.

Conforme as notícias sobre a abdicação chegavam ao Maranhão, e conforme levantes ocorriam na Bahia e em Pernambuco, a turbulência começou a se fazer sentir em São Luís. O Farol Maranhense e seu diretor estava no grupo que temia um levante “caramuru”, ou seja, pró-restauração de Dom Pedro, liderado pelos portugueses, que, ainda associados às disputas internas pelo poder político, eram combatidos junto à opinião pública. Foi esse o cenário onde se instaurou a revolta da Setembrada, ocorrida em 13 de setembro de 1831 e liderada por José Cândido de Moraes e Silva.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 26 de dezembro de 1827, ao nº 289, de 15 de abril de 1831.
- ABRANTES, Elizabeth Sousa. José Cândido de Moraes e Silva – o “Farol” – atuação política nos debates e lutas do pós-Independência no Maranhão (1828-1831). Trabalho apresentado ao IV Simpósio Nacional Estado e Poder – Universidade Estadual do Maranhão São Luís, 8 a 11 de outubro de 2007. Disponível em: http://www.outrostempos.uema.br/curso/estado_poder/39.pdf. Acesso em: 18 abr. 2016.
- MADUREIRA, Vicente Antônio. José Cândido de Moraes e Silva. Revista Outros Tempos volume 6, número 8, dezembro de 2009 - Dossiê Escravidão. Disponível em: http://www.outrostempos.uema.br/vol.6.8.pdf/Vicente%20Madureira.pdf. Acesso em: 18 abr. 2016.
- MOLINA, Matías M. História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500 – 1840) v. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
- PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da imprensa local. Trabalho apresentado ao GT História da Mídia Impressa do II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho – Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/2o-encontro-2004-1/Impressos%20no%20Maranhao%20uma%20primeira%20leitura%20sobre%20a%20fundacao%20da%20imprensa%20local.doc. Acesso em: 18 abr. 2016.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.