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Filosofia | A senda de Edith Stein, filósofa e mártir no holocausto de Auschwitz

09 ago 2020

Artigo arquivado em Filosofia
e marcado com as tags Edith Stein, Fenomenologia, Filosofia, Nazismo, Teologia, Tomismo

No dia 2 de agosto de 1942, quando a polícia secreta nazista, enfurecida pela carta dos bispos holandeses que condenava as atitudes de Hitler, chegou ao Carmelo de Echt, na Holanda, irmã Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), judia de nascimento e católica por escolha, estava pronta para iniciar uma grande viagem sem volta. Ela foi enviada ao campo alemão de Auschwitz-Birkenau, onde morreu numa câmara de gás. Seu martírio ocorreu em 9 de agosto de 1942.

Demonstrando, desde pequena, grandes dotes intelectuais, Edith Stein entrou na Universidade de Breslau em 1911. Atraída pela fama do iniciador da Fenomenologia, Edmund Husserl, transferiu-se em 1913 para Gottingen onde, não foi apenas sua aluna, mas também sua assistente. Quando Husserl mudou-se para a Universidade de Friburgo em 1916, um círculo não-formal de fenomenologia foi estabelecido ali e muitas figuras proeminentes trabalharam com ele. Stein passara a fazer parte do grupo de estudiosos de filosofia, ao lado de Husserl, Conrad-Martius, Dietrich von Hildebrand, Max Scheler, Adolf Reinach, Alexandre Koyré e Roman Ingarden.

Nos anos de 1918-1921, começou a ler livros de espiritualidade cristã, de santos e de grandes autores católicos, porque queria encontrar um caminho que a libertasse das angústias e tensões interiores. A leitura do Livro da Vida, de Santa Teresa de Ávila, doutora da Igreja, na casa de campo do casal Conrad-Martius, no verão de 1921, foi decisiva. Um dia, conta-nos ela, tirou de uma estante, ao acaso, um livro, era a Vida de S. Teresa de Jesus, autobiografia. Leu-a com enorme e crescente interesse. A complexa vida da reformadora da Ordem dos Carmelitas pareceu-lhe bastante coerente e pôde ela sentir toda a unidade, beleza e heroísmo de seu testemunho místico. Então, não mais duvidou. Ao fechar o livro, disse: "Aqui está a verdade!". No dia seguinte comprou um catecismo e um pequeno missal. Estudou atentamente um e outro e depois, pela primeira vez, entrou numa Igreja católica. Celebrou-se uma missa. "Compreendi tudo", narrou ela mais tarde. Foi assim que se converteu e pediu o batismo. Batizou-se em 1922, tomando o nome de Teresa.

Aos 42 anos de idade, tomou a decisão longamente amadurecida: recolher-se ao claustro. Em 1933 entrou no Carmelo da Cidade de Colônia, tomando o nome de Teresa Benedita da Cruz. Husserl, ao ter conhecimento de sua entrada no Carmelo, disse simplesmente: "Nela tudo é absolutamente verdadeiro."

A filosofia e a religião foram as portas pelas quais Edith Stein entrou na história. Conduzida pelo método do homem, chegou à Trindade de Santo Tomás de Aquino. Não se limitou a filósofa fenomenologista a divergir, em certos pontos, de Husserl. Depois de ter entrado em contato com a filosofia do Aquinate, e nela mergulhar em cheio, sentiu toda a solidez, equilíbrio e coerência do tomismo. Aderiu ao realismo aristotélico-tomista. O que mais a impressionou foi o "De Veritate", o tratado da Verdade, que ela verteu para o alemão.

Doutora em filosofia, carmelita, vítima do nazismo, faleceu como "Número 44.074", da lista do campo de concentração, aquela que sobreviveu na vida religiosa do Carmelo e nos círculos filosóficos do mundo. Logo após sua morte, Edith Stein tornou uma figura de discussão filosófica e religiosa na Alemanha e também na França.

Em 1 de maio de 1987, foi beatificada durante uma grande celebração presidida pelo Papa João Paulo II em Colônia, ao oeste da Alemanha (Ver aqui e aqui). Durante a homilia, o Papa falou que "esta filósofa esteve preocupada em sua vida pela busca da verdade e sua vida foi iluminada pela cruz". À época de sua beatificação, Rubem Braga referiu-se a ela como uma "emancipada". Dom Marcos Barbosa (acadêmico) não pode deixar de sorrir e questionar o adjetivo usado pelo jornalista e escritor: “Que pretendia o jornalista ao usar este adjetivo "emancipada" em relação a Edith Stein? se a imaginava uma estudante boêmia e descompromissada, está redondamente enganado, pois pertencia a um austera e piedosa família judaica e levava profundamente a sério sua vocação filosófica. Se pretendia insinuar que era uma mulher independente, então não seria a primeira a tornar-se santa. Basta lembrar Joana D´Arc na França, abandonando o rebanho e a roca para comandar soldados, vestida como eles, e coroar o rei. Ou Catarina de Sena, na Itália, analfabeta e doutora, circulando livremente pelas ruas e pelas cortes, dando conselhos aos nobres, aos cardeais e ao próprio papa. Aliás toda santa é emancipada, mesmo quando vive na clausura de um convento, como tão bem mostrou Rachel de Queiroz ao recordar a sua mestra Irmã Simas. "Ela recebera na sua amplitude essa grande riqueza do cristão, da qual não desconfiam aqueles que só o conhecem de longe: a graça da liberdade. Ninguém, mais que o santo, poder ser uma alma livre."” (ver aqui)

Edith Stein foi canonizada em 11 de outubro de 1998, em uma cerimônia presidida pelo mesmo Sumo Pontífice que a beatificou. Abriu-se, com ela, uma nova fase para compreender o papel do feminino na sociedade. Sua vasta obra filosófica, sua militância em favor da promoção social da mulher, sua leitura fenomenológica da pessoa humana e do mundo constituem um caminho para o encontro com o outro. Em seus escritos, encontram-se também contribuições importantes para a filosofia e a teologia e elementos para um diálogo com a filosofia e a teologia contemporâneas.

Explore os documentos:

Edith Stein, mártir judia e cristã

Edith Stein, impressionante figura de mulher

A senda de Edith Stein