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História do Brasil | 200 anos do nascimento de Anita Garibaldi

30 ago 2021

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e marcado com as tags Anita Garibaldi, História das Mulheres, Mulheres, República, Revoluções

Como contar a história de Anita sem Giuseppe Garibaldi? A parceria de amor e luta remonta epopeia espetacular, boa parte construída a partir das missivas trocadas entre os dois amantes. Em uma historiografia marcada por apagamentos e silenciamentos sobre a história das mulheres, a trajetória de Ana Maria Jesus Ribeiro é, definitivamente, uma história de ruptura, transgressão e resistência. Ela desafiou o papel secundário destinado as mulheres. Em contrapartida, não escapou a estética heroicizada, formulada pela tradição da história oficial marcada por grandes feitos e atos de coragem.

A atuação de Anita na guerra dos farrapos (1835-1845) ou revolta farroupilha não se resume apenas a partir do encontro com o italiano Giuseppe e o amor à primeira vista que o tomaram de assalto. Anos antes, Anita já vinha influenciada por Antonio, seu tio, um tropeiro da região de Lages, província de Santa de Catarina, e que por lá transmitia ideais republicanos. Um dos motivos do crescente desafeto com Manuel Duarte Aguiar, primeiro marido de Anita, estaria no fato de Aguiar,monarquista, alistar-se no exército do Império brasileiro, o que resultou no abandono do casamento.

Da revolução farroupilha a chegada na Itália não unificada, uma sucessão de disputas, batalhas navais, fugas, viagens em condições extremas enunciavam as virtudes e desafios de um casal comprometido com a causa republicana, mas que também evidenciavam especialmente a resiliência de uma mulher atravessada pela experiência intensa da maternidade. Foram cinco gestações. Quatro partos. Relatos contam a fuga durante a batalha dos curitibanos, momento em que Anita, grávida do primeiro filho, parte a cavalo em busca de Garibaldi, se embrenha pela mata e segue a nado pelo rio Canoas, localizando Giuseppe na cidade de Vacaria no Rio Grande do Sul.Outras fugas,talvez, a mais impressionante delas,data do nascimento de Menocchi, o primogênito. Sob o ataque das forças do Império, Anita, mais uma vez a cavalo, foge com o filho recém-nascido a tiracolo.

A participação nos combates lhe conferiu perícia com armas de fogo e espírito de sobrevivência.Era notória sua capacidade em socorrer os feridos e resistir aos ataques. Após a saída de Garibaldi das tropas farroupilhas, autorizada por Bento Gonçalves, o casal parte para o Uruguai. Os anos de 1841 e 1848, período vivido em Montevidéu foi marcado por certa estabilidade com o nascimento de mais três filhos do casal. Mas também dificuldades frente aos combates e ausências de Garibaldi, então comandante da frota uruguaia. A tentativa de enviar Anita e os filhos à Itália havia falhado em 1846. Somente em 1848 Anita segue com a prole para Nizza, povoado italiano, hoje cidade de Nice na França para enfim se juntar a família Garibaldi.

A guerreira de cabelos negros esvoaçantes. A amazonas destemida eternizada nas telas de Rugendas, Darkir Parreiras, Walter e William Zumblick, ou em versão aristocrática, representada nas tintas de Guttmann Bicho e Gaetano Gallinno se distanciam da figura objetificada da mulher, cujo modelo remonta a beleza e passividade feminina. Talvez a imagem de uma Anita viril, com vestes masculinas, um dos raros registros fotográficos de que se tem notícia, não permitisse maiores distorções sobre o que Anita foi e representou para os movimentos de independência Brasil afora. No entanto, para além de figurações arquetípicas de força e bravura, havia também a Anita mãe, mulher. Não a mãe idealizada, roteirizada nos manuais de boas maneiras ou nas folhas do “belo sexo”, mas uma mãe pulsante, potente e fiel a utopia revolucionária. Entre os últimos registros de Anita, destaca-se correspondência em resposta a irmã: “O que posso lhe dizer? Que faria tudo de novo? Acho mesmo que sim!”.

Há divergências quanto as circunstâncias que acarretaram a morte de Anita. Contradições que renderam versões literárias, como a de um suposto assassinato de Anita pelo amado Giuseppe que, em razão das tensões que anteciparam a Proclamação da República na Itália teriam tornado a amada um verdadeiro fardo como especulou Paulo Markun em "Anita Garibaldi - Uma Heroína Brasileira". Ou versões mais aceitas e difundidas que partem da obra do historiador garibaldino Wolfgang Ludwig “Anita Garibaldi: O Perfil de uma Heroína Brasileira”. Nela, Anita, grávida do quinto filho, se resguardou da perseguição do exército austríaco, em uma fazenda em Mandriol e a 400km de Roma. Sucumbida ao tifo e sem forças, Anita teria falecido nos braços de Garibaldi em 04 de agosto de 1849.

Cinquenta anos antes da república ser proclamada no Brasil, uma mulher se colocava na linha de frente das batalhas travadas contra o Império brasileiro ao longo do século XIX. A “Heroína dos Dois Mundos”,título atribuído em razão das batalhas travadas em solo sul-americano e europeu informa a grandeza da missão empreendida e o caráter pioneiro de Anita como a primeira mulher a lutar pela instauração de quatro repúblicas: a república catarinense, a riograndense, a uruguaia e a romana. Em curto espaço de tempo, cerca de dez anos, ou seja, do momento em que conhece Giuseppe Garibaldi (1838) a sua morte (1849), a biografia de Anita deixa um legado de inspiração e luta contínua.

A projeção da Anita – Monumento concorria ao movimento de consolidação do regime republicano, capturado na década de 1930 pelos ímpetos ufanistas de Getúlio Vargas, que por extensão reunia a simbologia da vitalidade gaúcha à pátria brasileira e,particularmente, de Benito Mussolini, que, em ocasião ao centenário da guerra dos farrapos (1935), inaugurava em Roma estátua equestre, reproduzindo a famosa fuga de Anita com o pequeno filho das tropas brasileiras. A transfiguração da República na imagem de Anita, uma espécie de Marianne francesa, revelava o status de grandeza depositado em Anita, à época muito mais celebrada e reverenciada na Itália. Especialista em Anita Garibaldi, o historiador Adílcio Cadorin, diretor do Instituto Cultural Anita Garibaldi (CulturAnita), centro histórico localizado em Laguna – Santa Catarina reconhece a importância de projetos e ações que valorizem e ampliem a memória de Anita.

Em virtude do bicentenário de Anita Garibaldi uma série de comemorações estão programadas para o ano de 2021 no estado de Santa Catarina. O projeto “Rosa para Anita”criado pelo botânico Giulio Pantoli direto da Itália figura entre as homenagens. O resultado, um híbrido-símbolo adaptado às condições climáticas da região e plantado pelos jardins catarinenses, contou com a participação da bisneta de Anita somando a mais uma das honrarias a “mãe da pátria italiana”.


Retrato de Ana de Jesus Ribeiro Garibaldi. In: ESTRADA, César A. Grande livro Continente americano: conhecimento exacto, preciso e sincero das secção da america... Republica dos Estados Unidos do Brasil.