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História do Livro | A Imprensa e o Renascimento Científico (I)

24 jul 2020

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Desde as primeiras décadas do século XVI, a imprensa contribuiu para a difusão da cultura letrada e o fortalecimento das línguas usadas pelos povos europeus. Obras literárias se tornaram mais acessíveis, ainda mais após a adoção de formatos menores, que barateavam as publicações; também proliferaram as gramáticas, os tratados de Direito e Teologia. Da mesma forma, a multiplicação dos prelos e oficinas de impressores em muito facilitou a propagação das ideias de Martinho Lutero.

As obras científicas seguiram uma trajetória mais lenta. Embora fossem muitos os manuscritos sobre Física, Medicina e outras ciências, legados em boa parte dos autores clássicos e transmitidos ao longo da Idade Média, não era tão simples copiá-los; não apenas podia haver imprecisão nos textos, como ocorre em qualquer livro, mas as ilustrações necessárias à compreensão dos fundamentos expostos dificilmente iriam corresponder ao original. Assim, até meados do século XVI, ou mesmo um pouco além, os cientistas frequentemente confiavam mais em sua própria observação do que naquilo que viam exposto nos livros.

Com a imprensa, e principalmente com a associação da imprensa à arte da gravura, as coisas começaram a mudar. Tornou-se possível imprimir volumes ilustrados, se não às centenas, como as obras religiosas e de literatura – pois a procura, por parte do público, era menor --, pelo menos numa quantidade que justificasse a contratação de ilustradores e gravadores especializados. Dentre os primeiros cientistas a investir nessas edições estão Georg Bauer (Glauchau, Alemanha, 1494 – 1555), conhecido pela versão latina “Giorgius Agricola”, e Andries van Wesel, ou “Andreas Vesalius” (Bruxelas, Bélgica, 1514 – 1564).

Agrícola, formado em Medicina, auxiliou na preparação de um livro contendo as obras de Galeno e publicado pela imprensa de Aldo Manuzio, após o que se dedicou à Geologia e à Mineralogia. Durante sua vida, mandou imprimir várias obras relativas a essas ciências, escritas em latim e, em vários casos, ilustradas com gravuras talhadas em madeira. Duas dessas obras, versando sobre o interior da terra e sobre os fósseis, sistematizaram o que se conhecia até então a esse respeito e tornaram Agrícola conhecido como “o pai da Geologia”, enquanto “De re metallica”, tido como sua obra-prima, saiu em doze volumes, publicados um ano após sua morte. Durante pelo menos 180 anos, esse livro foi a maior referência no campo da mineração.

Veja, digitalizado a partir do microfilme, o volume XII de “De re metallica", em edição de 1561, contendo gravuras que detalham os trabalhos dos mineiros e metalúrgicos. Pertenceu à Real Biblioteca e integra o acervo da Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.



Por sua vez, Vesalius, também médico e um dos primeiros a realizar dissecações no corpo humano, começou por desenhar, ele próprio, seis pranchas de anatomia para uso em aulas. As pranchas foram publicadas em 1538, com o título de “Tabulae anatomicae sex”. Mais tarde, escreveu um tratado sobre o assunto, dividido em sete partes – uma espécie de Atlas do corpo humano, chamado “De humani corporis fabrica libri septem”. Mais conhecido como “Fabrica”, o tratado, concluído em 1543, era ricamente ilustrado com pranchas de madeira da autoria de Jan de Calcar, aluno do artista Tiziano.

A obra promoveu uma revolução no campo da Anatomia, por corrigir várias imprecisões dos livros de Galeno, até então utilizados pelos médicos. Graças à imprensa, foi amplamente difundida e copiada, algumas vezes à revelia do autor: em 1556, o médico espanhol, formado na Itália, Juan Valverde de Amusco (ca. 1525 – ca. 1588) publicou “Historia de la composición del cuerpo humano”, em que todas as pranchas, à exceção de quatro, foram tiradas diretamente do livro de Vesalius. Justificou-se, dizendo que a excelente qualidade das pranchas o obrigava a utilizá-las, mas Vesalius continuou a acusá-lo de plágio e de jamais ter feito pessoalmente uma dissecação. A segunda afirmação, parece, não era verdadeira: o livro de Valverde apresentava inovações científicas, e fez sucesso na Itália e em Antuérpia, onde apareceu em versão latina e com outro título.

Veja o exemplar de “Vivae imagines partium corporis humani aereis formis expressae”, de Valverde. Foi publicado em 1566, em Antuérpia, pertenceu à Real Biblioteca e está sob a guarda da Divisão de Obras Raras. Quase todas as pranchas foram copiadas do “Fabrica” de Vesalius.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or712008/or712008.pdf