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História do Livro | A Livraria e Editora Garnier

11 abr 2021

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Ao falar sobre as livrarias e editoras no Brasil do século XIX, o primeiro nome a ser mencionado é frequentemente o de Garnier. Ou melhor, o de Baptiste-Louis Garnier (1823 – 1893), francês que veio para o Brasil em1844 após ter trabalhado na livraria Garnier Frères, pertencente a seus irmãos mais velhos, Auguste e Hippolyte. O negócio cresceu a partir da compra de estoque, mobiliário e direitos de publicação de editoras que encerravam atividades. Isso possibilitou inclusive a abertura de uma filial espanhola, a Garnier Hermanos (1849), em que os jovens franceses sucederam ao livreiro Vicente Salvá.

A Garnier fundada por Baptiste-Louis no Brasil era também uma filial da livraria parisiense. Instalou-se na Rua do Ouvidor, ponto nevrálgico do comércio e da vida intelectual do Rio de Janeiro, e ocupou dois diferentes endereços da Rua do Ouvidor. O segundo, no n. 71, ficava em frente à Livraria Universal, que pertencia aos seus maiores concorrentes, os irmãos Eduardo e Henrique Laemmert. Como era comum na época, a loja começou vendendo produtos variados, como charutos e perfumes. Depois se concentrou nos livros, que tratavam dos mais variados assuntos: textos religiosos, obras sobre Direito, Filosofia, Política, livros para crianças, romances estrangeiros traduzidos – aos quais se juntariam as obras de escritores brasileiros, tais como Machado de Assis, José de Alencar e Olavo Bilac – e ainda obras de teor erótico anunciadas como “literatura para cavalheiros”, aqui comercializadas mais abertamente que na França.

Veja um anúncio da Garnier, recortado de jornal e doado por um particular à Divisão de Iconografia.

Durante as primeiras décadas, a Garnier fazia todas as impressões na Europa. Andréa Borges Leão, da UFC, aponta que os catálogos nos primeiros anos da década de 1850 eram inteiramente em francês; isso se devia não apenas a questões de logística mas também a uma estratégia de vendas, visto que os fluminenses de classes abastadas associavam a França a qualidade e bom gosto. A partir de 1857 houve certa autonomia entre as casas editoras da França e no Brasil, mas não se desvincularam por completo. Segundo alguns estudiosos, a Livraria Garnier de Paris foi a primeira a expor livros sobre um balcão para que pudessem ser folheados pelos clientes, e a prática foi adotada no Rio de Janeiro por Baptiste-Louis.

Em 1859, a Garnier passou a editar a “Revista Popular”, de caráter informativo e recreativo. Reproduzia publicações estrangeiras sobre vários ramos da ciência, mas também tinha, entre outras, seções de música, literatura, moda e economia doméstica, que buscavam atrair o público feminino. O periódico era quinzenal, com 68 páginas e encartes ilustrados; as vendas eram feitas por sistema de assinatura, e a distribuição era feita em várias cidades brasileiras, bem como em Lisboa e Paris. A revista durou até 1862, quando passou a ser chamada “Jornal das Famílias”. Com esse título foi publicada até 1878, contando com colaboradores ilustres como Machado de Assis, Joaquim Norberto de Sousa Silva e Joaquim Manuel de Macedo.

Conheça a Revista Popular, disponível na Hemeroteca Digital.

Conheça também o Jornal das Famílias.

Segundo Laurence Hallewell, Baptiste-Louis mantinha um revisor em Paris, para cuidar das provas tipográficas dos livros em português. Só em 1873 adquiriu material de composição e máquinas impressoras e fundou a Typografia Franco-Americana, com a colaboração do amigo Charles Berry. Já então tinha obtido os direitos de publicação dos mais célebres escritores da época, e apresentara ao leitor brasileiro as obras de Honoré de Balzac, Alexandre Dumas, Charles Dickens e outros. Entre os muitos brasileiros encontram-se Macedo, José de Alencar, Olavo Bilac e João do Rio, sem esquecer Machado de Assis, que, além de publicar pela Garnier, trabalhou para a editora como revisor. Era também assíduo frequentador dos encontros literários que tinham lugar na livraria.

Veja, digitalizado a partir do microfilme, o livro “Chrysalidas”, de Machado de Assis, publicado pela Garnier em 1864. O exemplar pertencente à Divisão de Obras Raras tem dedicatória do autor a Francisco Ramos Paz.

Uma primeira leitura dos contratos da Garnier naquela época pode dar a impressão de que os autores eram explorados pelo editor. Lúcia Granja, da UNESP, argumenta que os contratos eram redigidos de acordo com o que se praticava na Europa; as questões relativas a direitos autorais não eram tão regularizadas quanto hoje, e muitas vezes o editor pagava uma quantia que lhe dava o direito de publicar quantas tiragens quisesse. Segundo comparações feitas pela pesquisadora, Gustave Flaubert recebeu por “Madame Bovary”, publicada pelo editor francês Michel Lévy, menos do que vários colegas brasileiros publicados pela Garnier. Por outro lado, alguns escritores tinham contratos diferenciados, recebendo um pequeno percentual da venda de cada exemplar.

Veja o contrato assinado entre Garnier e José de Alencar para a publicação de algumas de suas obras. O documento integra o acervo da Divisão de Manuscritos.

Baptiste-Louis faleceu em 1893, após prolongada doença. Segundo crônica de Machado de Assis na “Gazeta de Notícias”, ao ser levado para o funeral, o editor “saiu de casa pela primeira vez para ir a outro lugar que não a livraria”, na qual trabalhara por meio século. A empresa foi herdada por seu irmão Hippolyte, que enviou um representante ao Brasil para ficar à frente dos negócios; depois passou a um sobrinho, Auguste Garnier, que também enviou um gerente. Já nessa época, as transformações políticas e sociais dos primeiros anos da República vinham causando mudanças no panorama editorial, e as atividades da Garnier tinham diminuído muito, até que em 1934 a livraria foi vendida a Ferdinand Briguiet. Com o nome de Briguiet-Garnier, durou até 1951, quando passou a ser propriedade da DIFEL. Por fim, alguns de seus ativos foram adquiridos pela editora Itatiaia.