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História do Livro | Entra em Cena o Papel

05 jul 2020

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As escritas antigas foram registradas em um sem-número de superfícies. Entre elas, pedra, bronze, madeira, folhas de palmeira, cacos de cerâmica, chamados de “ostraca”, e tabuletas de argila, como as da biblioteca do rei assírio Assurbanípal (ca. 690 a.C. — 627 a.C.). O papiro, obtido a partir de uma espécie de junco, foi o suporte ligado por excelência à Antiguidade Clássica, enquanto ao longo da Idade Média se utilizou o pergaminho, feito da pele de animais: um material mais durável, porém de custo relativamente alto.

A partir do século XII, o Ocidente cristão passou a se beneficiar de uma inovação: o papel, cuja fabricação teve início na China, durante a Dinastia Han. (25–220 d.C.). Sua invenção é atribuída a Cai Lun, encarregado pelo imperador de desenvolver e testar várias tecnologias e equipamentos. O papel fabricado por Cai Lun era feito a partir de uma polpa de vegetais que se aquecia e espalhava por uma superfície lisa, em lâminas finas. O produto foi adotado em toda a China, e as técnicas de fabricação permaneceram secretas até que, no século VIII, os árabes os obtivessem através de artesãos aprisionados após uma batalha. Samarcanda, localizada no centro da Rota da Seda, se tornou um centro de produção de papel, de onde o produto chegou à Turquia, à Síria, ao norte da África e à Península Ibérica, então sob domínio islâmico.

A primeira fábrica europeia de papel foi instalada em Játiva, Espanha, por volta de 1150; o papel era feito principalmente com fibra de algodão. Pouco depois, surgiu a de Toledo. A partir de 1276 encontram-se menções a uma fábrica de papel na cidade italiana de Fabriano, de onde o produto foi exportado para outras cidades e países. O crescimento das cidades e do comércio demandava cada vez mais suporte para a escrita, o que, aliado ao custo menor que o do pergaminho, favoreceu a multiplicação das fábricas tanto na Itália quanto, já no século XIV, na França, na Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra.

O papel que se produzia na Idade Média era obtido a partir de uma pasta feita de trapos de pano, mais comumente linho, algodão e cânhamo. Os trapos eram deixados de molho durante dias, depois batidos até serem desfeitos numa polpa. Esta era derramada num tanque no qual se inseria uma armação de metal – uma espécie de peneira -- sobre a qual, ao retirá-la, ficava depositada uma fina camada de fragmentos. Camada após camada, intercalada com feltro, era posta para secar, depois prensada até que toda a água houvesse saído. As folhas resultantes eram mergulhadas numa cola orgânica que as tornava impermeáveis e, às vezes, polidas para conferir maior brilho.

Ao longo dos séculos, os métodos de fabricação de papel foram aperfeiçoados. A difusão da imprensa exigiu uma produção cada vez maior, e inovações foram surgindo, com os moinhos medievais dando lugar a máquinas que picavam os trapos de tecido, agitavam a pasta, prensavam as folhas. Surgiram novos tipos de papel -- coloridos, marmorizados, texturizados --, e, em alguns países, leis específicas relativas à produção. Uma delas foi o decreto inglês de 1666 que instituía o uso de lã para envolver os cadáveres, a fim de que o linho e algodão fossem usados na indústria papeleira.

Por fim, a partir da segunda metade do século XIX, o papel feito de polpa de madeira – invenção atribuída, simultaneamente, ao alemão  Friedrich Gottlob Keller e ao canadense Charles Fenerty – surgiu para substituir o de tecido. Tratava-se de um papel de qualidade inferior, porém de custo muito mais baixo; isso permitiu que a indústria editorial ganhasse um novo impulso, propiciando, inclusive, o surgimento de edições de consumo de massa, “pulp literature”, a partir de 1896 e até a década de 1950.

A primeira fábrica de papel brasileira foi fundada por Henrique Nunes Cardoso e Joaquim José da Silva no Andaraí Pequeno, Rio de Janeiro, entre 1809 e 1810 – ou seja, após a chegada da família real portuguesa. Antes disso, a impressão de livros também era proibida no Brasil.
A famosa Carta de Abertura dos Portos foi escrita em janeiro de 1808 sobre papel de trapo. O original está na Divisão de Manuscritos. Acesse o documento na BN Digital e veja a pequena intervenção realizada pelos restauradores nas bordas, bem como nos pontos em que a tinta ferrogálica (à base de ferro) corroeu o papel, deixando pequenos furos.

As marcas d´água surgiram na Itália pouco antes de 1300. Eram desenhos vazados – frequentemente símbolos e letras -- que os fabricantes de papel adicionavam às armações a fim de identificar seus produtos e evitar falsificações. Hoje o termo foi ampliado e pode designar, inclusive, marcas d´água feitas de forma digital para proteger conteúdo disponibilizado na Internet.

A marca d´água é visível no canto inferior direito da folha usada pela princesa Januária, filha de D. Pedro I, para esboçar um castelo. Trata-se, nesse caso, de um papel proveniente da Inglaterra. O original está na Divisão de Iconografia.