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História do Livro | Octalles Marcondes Ferreira, o “big boss”

04 jun 2021

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Em 1925, divergências com o Presidente Artur Bernardes, que cancelou a compra de livros pelo governo, somadas à crise econômica que afetava o mercado editorial, acabaram levando à falência a Cia. Gráfico-Editora Monteiro Lobato, propriedade do escritor e de seu sócio, Octalles Marcondes Ferreira. Apesar do revés, os dois se saíram muito bem, usando o capital que lhes restara para fundar uma nova editora – a Companhia Editora Nacional – e vendendo a maior parte do seu equipamento a associados, que passaram a lhes prestar serviços de impressão sob o nome de São Paulo Editora. Outra parte das máquinas ficou com a empresa gráfica da Revista dos Tribunais, que viria a desempenhar um importante papel na produção de livros brasileiros nas décadas de 1930 e 1940.

Segundo o ex-diretor da Revista dos Tribunais, Nelson Palma Travassos, em seu livro de memórias, Octalles Marcondes (Belo Horizonte, 1901 – São Paulo, 1973) era uma pessoa inquieta, sempre em movimento entre uma atividade e outra. Sem dúvida possuía também tino comercial e senso de oportunidade. Nos primeiros tempos de Cia. Editora Nacional, ainda com Monteiro Lobato como sócio, era o principal nome à frente dos negócios, que se voltavam primordialmente para a impressão de livros didáticos e literatura destinada a crianças e jovens; a estratégia permaneceu a mesma após 1929, quando Lobato vendeu sua parte ao irmão de Octalles, Themístocles Marcondes, e passou a colaborar com a editora apenas na qualidade de autor e tradutor.

Por essa mesma época, vários estados, influenciados pelo movimento conhecido como Escola Nova – que defendia uma escola pública integral, laica e gratuita para todos os brasileiros –, promoveram reformas educacionais, e os livros publicados pela empresa de Marcondes tiveram um papel fundamental na difusão das novas ideias. Vemos isso, em especial, no projeto “Biblioteca Pedagógica Brasileira”, criado em 1931 e dirigido por Fernando de Azevedo, com cinco séries que ofereciam diferentes formas de apoio ao educador: Literatura Infantil (cujo primeiro volume foi “Reinações de Narizinho”, de Lobato), Livros Didáticos, Atualidades Pedagógicas, Iniciação Científica e, por fim, Brasiliana, que publicava obras de viajantes, historiadores, etnólogos, antropólogos e outros pensadores que se debruçavam sobre questões referentes ao país. Os livros tinham grandes tiragens e eram relativamente baratos.

Veja o terceiro volume de “A Instrução e o Império”, do professor e historiador Primitivo Moacyr, publicado em 1938 na série Brasiliana. O texto é precedido de uma carta do educador Anísio Teixeira (acervo da Divisão de Obras Raras).

Além das coleções didáticas, a Companhia Editora Nacional publicava outras como a Terramarear, voltada para histórias de aventura, e a Biblioteca das Moças, editada entre 1926 e 1960 e destinada ao público feminino. As tiragens eram volumosas: Cíntia da Silva Lang, da PUC-SP, que estudou a coleção, diz terem sido 900.000 exemplares em 1930 e 1.400.000 em 1940, 17% dos quais referentes a obras de M. Delly, pseudônimo usado por um casal de irmãos franceses, Frédéric e Jeanne Marie Petitjean de la Rosière. Ainda houve publicações até a década de 1980, porém apenas reedições e não novos títulos. O mesmo ocorreu com a Terramarear.

Veja a capa de “Tarzan no centro da Terra”, de Edgar Rice Burroughs, traduzido por Monteiro Lobato e publicado em 1936 na Coleção Terramarear (acervo da Divisão de Obras Gerais). A obra integra a exposição “Monteiro Lobato : o homem, os livros”, acessível na BN Digital.

Em 1932, Marcondes adquiriu a Editora Civilização Brasileira, fundada três anos antes, que se tornou seu principal selo para as obras destinadas a leitores adultos. Nela também se publicaram importantes títulos no campo das Ciências Sociais, como as da coleção Biblioteca de Divulgação Científica, que, por algum tempo, foi dirigida pelo médico e etnólogo Artur Ramos. Na década de 1960, Ênio Silveira, genro de Marcondes, passou a estar à frente da Civilização Brasileira, que tomou um rumo diferente, não menos importante. Mas essa é uma história a ser contada noutra ocasião.

Leia uma carta de Octalles Marcondes a Arthur Ramos sobre a publicação de livros na Biblioteca de Divulgação. Nela, o editor pondera que a obra de Renato Mendonça sobre a Língua Portuguesa se enquadraria melhor na Brasiliana da Companhia Editora Nacional (acervo da Divisão de Manuscritos).

A partir de 1942, a empresa de Marcondes passou a enfrentar alguns problemas. Uma reforma promovida pelo ministro da Educação, Gustavo Capanema, obrigou as editoras a adequarem seus livros didáticos em apenas alguns meses, e, no ano seguinte, professores responsáveis pelo conteúdo das obras deixaram o emprego e abriram sua própria empresa, a Editora do Brasil. Também um dos maiores colaboradores de Octalles Marcondes, Arthur Neves, saiu para ser um dos fundadores da Editora Brasiliense, no que teve o apoio de Nelson Palma Travassos e Monteiro Lobato. Nada disso, porém, foi capaz de abalar o “big boss”, apelido pelo qual os editores se referiam a Marcondes: segundo Laurence Hallewell, em meados dos anos 1950 sua produção chegou a sete milhões de exemplares, com 349 títulos impressos em 1955 contra 203 da Melhoramentos, 137 da Francisco Alves e 100 da Editora do Brasil.

Na década seguinte, a Cia. Editora Nacional passou a investir em livros para o ensino superior, mantendo coleções já existentes e criando a Biblioteca Universitária. Com várias séries, e publicando tanto obras de autores brasileiros quanto traduzidas, a coleção foi organizada por nomes ilustres ligados à Universidade de São Paulo, tais como Antonio Cândido e Florestan Fernandes. Vários títulos foram adotados por universidades da América Latina, notadamente o México. Além das obras didáticas, a editora ainda investia em clássicos da literatura brasileira e livros de arte, muitos dos quais relacionados à história do Brasil.

Octalles Marcondes faleceu em 1973, em plena atividade. Seus herdeiros se decidiram pela venda da empresa, que acabou por ser adquirida pelo governo através de financiamento do BNDE. Em 1980, passou à gestão do IBEP, Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas, fundado em 1965 por Jorge Miguel Yunes e Paulo Cornadó Marte. Hoje o IBEP é um grupo voltado para a produção de livros didáticos e paradidáticos, que vem promovendo o relançamento das obras de maior sucesso da Cia. Editora Nacional – rebatizada como Editora Nacional – e mantendo vivas a memória da empresa e do “big boss” Marcondes.