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História geral | A guerra chega aos mares do Brasil - 22 de agosto | 1942

22 ago 2021

Artigo arquivado em História Geral
e marcado com as tags Brasil Contra O Nazismo, Guerra Contra O Eixo, Secult

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é fruto de um longo processo de tensões políticas, diplomáticas e econômicas, cujos fundamentos remontam ao final do século XIX e aos resultados após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Todavia, nesse pequeno artigo, queremos convidar os leitores a acompanharem os dias que antecedem à entrada do Brasil na contenda.

Procurando manter-se em uma política de neutralidade, com vistas a não enfraquecer o incipiente processo de industrialização no Brasil, o então presidente Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), optou por não alterar as relações comerciais e diplomáticas com países europeus, dentre eles a Alemanha nazista. Até os ataques japoneses à base estadunidense de Pearl Harbour, em dezembro de 1941, a guerra travada entre os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e Aliados (Reino Unido, União Soviética e Estados Unidos), se desenvolvia entre os territórios europeu e asiático. Brasil e outras nações latino-americanas, como a Argentina, não haviam se inserido diretamente no combate.

Tudo mudaria, com os acontecimentos da semana que antecederia aquele fatídico 22 de agosto. O Brasil que, até então, se mantinha firme no propósito de isenção, precisaria rever seu posicionamento...

Por volta do dia 14 de agosto de 1942, apesar haver notícias do ataque de submarinos e aviões alemães, e italianos, em pontos no Mar Mediterrâneo e Atlântico Norte, em decorrência do conflito vivido na Europa, as programações de embarques de mercadorias e passageiros, em águas brasileiras, continuavam escalonadas sem maiores preocupações. A guerra estava longe. Pelo menos, parecia estar. Assim, as cargas dos navios mercantes Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba, Arará e Jacira, bem como suas tripulações e passageiros, seguiam o cronograma previsto. As tripulações aguardavam orientações dos seus comandantes. Sairiam de Sergipe e da Bahia, alguns com destino aos portos das regiões Sul e Sudeste, outros com viagem programada para Norte e Nordeste. Enquanto isso, acompanhavam os noticiários radiofônicos e liam os jornais que informavam sobre ataques dos submarinos alemães às embarcações, em águas das Américas Central e Norte (Diário de Pernambuco). No Brasil, entretanto, os navios preparavam-se para zarpar nos próximos dias.

De repente, um primeiro choque: eram violadas as águas brasileiras! A ronda dos submarinos nazistas que, no Atlântico, se concentravam em águas norte americanas, teria invadido o poderio marítimo brasileiro. Fariam vítimas. Muitas.

No dia 15 de agosto, os primeiros ataques: pereceriam Baependi e Araraquara, embarcações de passageiros (Jornal do Brasil). Nessas duas embarcações, estima-se que cerca de 400 pessoas morreram, entre tripulações e passageiros. Os comandantes das duas embarcações, respectivamente, João Soares da Silva e Lauro Augusto Teixeira de Freitas também perderam suas vidas no ocorrido.

Ainda sem conhecimento exato do que havia acontecido, o navio Aníbal Benévolo teria sua partida autorizada, no dia 16 de agosto. Seria essa a terceira embarcação atingida pelos torpedeiros nazistas, em apenas dois dias. Cerca de 150 pessoas, crianças inclusive, encontrariam ali seu fim (A Noite).

Enquanto isso, aguardavam ordens de partir o navio de passageiros Itagiba, comandado por José Ricardo Nunes, e o cargueiro Arará, comandado por José Coelho Gomes. Apesar dos ataques anteriores, ainda não amplamente divulgados na mídia impressa, Itagiba iniciaria sua viagem bem cedinho, no dia 17 de agosto. Foi torpedeado entre Sergipe e Bahia, antes do final da manhã. Esse quarto ataque teria sido testemunhado por pescadores no litoral da Bahia. Nas palavras de um dos depoentes, o pescador Antônio Fernandes dos Santos, o evento teria acontecido por volta das 11 horas da manhã. O jornal A Manhã conta que Antônio “notou, muito ao longe, o vulto de um grande navio. Ouviu, a seguir, um enorme estampido e observou que a embarcação afundava rapidamente”. Era o Itagiba. Um dos sobreviventes, dr. Hélio Veloso, em outro depoimento, conta que a tripulação nem suspeitava da abordagem, até que houve a explosão (O Jornal). Ainda segundo o médico sobrevivente, dr. Veloso, à altura do Morro de São Paulo, os passageiros teriam notado algo que pareceria um peixe grande, vindo em direção à embarcação (A Manhã). Seriam, na verdade, os torpedos nazistas.

Tendo saído por volta das 7 horas da manhã, alguns momentos depois da partida do Itagiba, o cargueiro Arará viria em seguida, com destino ao porto de Santos. Presenciou o ataque. Seu comandante, José Coelho, junto com seu contramestre Otacílio José - avô dessa que vos escreve -, rapidamente manobraram o barco para que pudessem socorrer o navio atingido. Chegaram a tentar fazer o resgate das vítimas do primeiro ataque, mas também foram torpedeados. Seria a quinta embarcação perdida, em apenas três dias. O pescador Antônio Fernandes, de seu saveiro “Deus no Mar”, também presenciou a manobra, como relata para A Manhã: “Poucos minutos passados, um outro vapor aparecia no horizonte, à distância muito maior. Não demorou nova explosão, que partiu o alvo em dois pedaços”. Contam-se cerca de 50 vidas perdidas, nas duas embarcações. Um iate conseguiu aproximar-se, apesar dos ataques, e fazer o resgate de vítimas levando-as, inclusive o comandante e o seu contramestre, em segurança para o continente.

O sexto alvo a ser emboscado, no dia 19 de agosto, último antes da entrada do Brasil efetivamente na guerra, foi a barcaça de carga Jacira. Em depoimento ao Diário de Notícias, o proprietário e mestre da barca, Norberto Hilário dos Santos, informou que os alemães não só atacaram a fogo, como também tomaram de assalto a embarcação, deixando os tripulantes à deriva, em um bote. Dessa vez, sem vítimas fatais. A guerra havia chegado aos mares do Brasil, como anunciava O Cruzeiro.

As listagens com sobreviventes, e vítimas fatais, podem ser encontradas em vários periódicos. Dentre eles a Revista Marítima Brasileira. Destroços dos barcos e corpos das vítimas foram encontrados em vários pontos da costa brasileira, entre a Bahia e Alagoas - como se pode ver a partir da reprodução do mapa da região dos ataques (O Cruzeiro). Os sobreviventes civis foram considerados ex-combatentes, recebendo medalha de campanha (Diário de Notícias), em reconhecimento ao seu sacrifício e em memória dos que morreram pelas mãos da violência nazista.

A comoção com os ataques foi imediata. Tão logo as notícias começaram a aparecer na mídia, por volta do dia 20 de agosto, a opinião pública e membros dos mais diversos grupos, civis e militares, passaram a cobrar um posicionamento do governo sobre a situação do Brasil o confronto (Diário de Notícias): de acordo com a mídia, era insustentável manter relações comerciais e diplomáticas com aqueles que violavam o espaço marítimo brasileiro e atacavam embarcações civis, com crianças e mulheres à bordo. A guerra contra o Eixo tornava-se imperativa.

A resposta veio. Operações aéreas combinadas entre Estados Unidos e Brasil conseguiram abater alguns dos submarinos nazistas, poucos dias depois dos ataques (O Jornal). Juntamente a isso, foi lançada a campanha Asas para o Brasil (Asas para a Juventude, em algumas citações), de alistamento, coleta de fundos e insumos para a estruturação dos aviadores e militares que seguiriam para o combate (A Noite). A partir dessa campanha, cinco aviões foram adquiridos, para integrar as forças aéreas brasileiras em combate e, assim como o Arará (O Cruzeiro), foram batizados com os nomes de cinco dos navios afundados pelos nazistas, entre os dias 15 e 17 de agosto (O Jornal).

Nos anos seguintes, a campanha seria liderada pelo Ministro da Aeronáutica, Joaquim Pedro Salgado Filho, juntamente com o empresário dos Diários Associados, Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, e teria seu nome modificado para Campanha Nacional da Aviação - com criação de vários aeroclubes, doação de aviões, bem como treinamento de pilotos, em todo o território nacional. Mas essa é uma outra história.

A partir dali, a entrada do Brasil na Segunda Guerra, ao lado Aliado, já não era mais uma suposição. No dia 22 de agosto de 1942, foi feita a declaração oficial (Jornal do Brasil). Nos meses seguintes, a preparação para a luta, contra o nazi-fascismo, seria notícia recorrente (A noite). Levaria cerca de dois anos até que as forças brasileiras pudessem ser enviadas para a Itália, combater o fascismo de Mussolini - um dos países do Eixo. Na operação, em parceria com os Estados Unidos, foram enviados 25 mil homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB), além de 42 pilotos e 400 homens de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB) (O Jornal).

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Diário de Notícias

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http://memoria.bn.br/DocReader/093718_02/11109


O Cruzeiro

http://memoria.bn.br/DocReader/003581/37767

http://memoria.bn.br/DocReader/003581/34177


A Guerra chegou aos mares do Brasil (O Cruzeiro)