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Honra do Brasil Desafrontada de Insultos da Astréa Espadaxina

21 nov 2017

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Conservadorismo, Crítica política, Dom Pedro I, Imprensa Áulica, José da Silva Lisboa, Pierre Plancher, Primeiro Reinado, Rio de Janeiro

Impresso na tipografia de Pierre Plancher, o pasquim de polêmica política Honra do Brasil Desafrontada de Insultos da Astréa Espadaxina circulou entre 8 de abril e 20 de agosto de 1828, totalizando 31 edições. Era redigido pelo baiano José da Silva Lisboa, futuro visconde de Cairú, um dos mais importantes – se não o maior, certamente o mais prolífico – editores de pasquins conservadores efêmeros a favor de Dom Pedro I. Periódicos panfletários desse gênero mantiveram, ao longo do tempo, certa continuidade tanto pelas ideias que pregavam quanto pela uniformidade no estilo de escrita: a Honra do Brasil, afinal, foi apenas um entre vários, aparentemente o último do qual Silva Lisboa foi o editor. Assinando sob o pseudônimo de “Escandalizado”, Silva Lisboa se posicionava em defesa às inclinações absolutistas de Dom Pedro I no Primeiro Reinado, tendo o objetivo explícito de atacar, com virulência, uma das maiores folhas liberais de oposição ao imperador: a Astréa, de Antônio José do Amaral e José Joaquim Vieira Souto. Ainda assim, em sua linha áulica, o redator ainda repudiava escritos do Universal, do Astro de Minas, do Novo Censor, do Farol Paulistano e da Aurora Fluminense.

José da Silva Lisboa, inspirador da Carta Régia que permitiu a abertura dos portos de 1808, sempre foi uma figura estritamente ligada à coroa: com a fuga da família real portuguesa para o Brasil, foi um dos componentes da junta que administrou a Impressão Régia na colônia, ao lado de José Bernardes de Castro e Mariano José Pereira da Fonseca, imprimindo, nesse contexto, já em 1808, seu livro “Observações sobre o comércio franco do Brasil”, apontado como o primeiro livro impresso no país. Além disso, era também censor real, ao lado do frei Antônio de Arrábida, do padre João Manzoni e de Carvalho e Melo. Nesse grupo, era ferrenho contra papéis e livros que atentassem contra a religião, o governo e os “bons costumes”.

No contexto da Independência, Silva Lisboa foi também figura-chave, sobretudo ao isolar o poder de inspirações liberais. Lançou a 1º de março de 1821, na Corte, O Conciliador do Reino Unido, panfleto conservador, voltado à questão da cisão entre o Brasil colonial e a metrópole portuguesa. Defendendo a permanência do príncipe regente no Brasil, contra a recomendação de seu pai, Silva Lisboa influiu diretamente no estabelecimento de Pedro de Alcântara como monarca, apesar do tom “conciliador” de seu periódico. Isso se dava não só através das páginas d’O Conciliador do Reino Unido, mas também do folheto intitulado Despertador Brasiliense, também editado por Silva Lisboa, mas anonimamente, que tinha linha mais explícita na desobediência às ordens das Cortes de Lisboa, acusando Portugal de alimentar a discórdia. O Conciliador, todavia, foi o órgão que inaugurou a carreira do Silva Lisboa publicista, feito que o tornou o primeiro brasileiro a redigir e publicar no Brasil um jornal privado, através da única tipografia existente no país, a Impressão Régia. Após editar a brevíssima Sabbatina Familiar de Amigos do Bem-Commum, ao fim de 1821, no ano seguinte o redator atacaria, através da Reclamação do Brasil, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa convocada para a redação da primeira Constituição brasileira – que ficaria pronta apenas em 1824, depois de muitos percalços, dentre os quais ter o próprio Silva Lisboa como deputado constituinte, como suplente, em substituição de ninguém menos que o liberal Cipriano Barata, sua perfeita antítese política.

Ainda no ano de 1822, em meados de janeiro, Silva Lisboa foi ainda responsável pela tiragem do pasquim Heroicidade Brasileira, que teve apenas uma edição, confiscada pelo governo, por motivos ignorados, ao menos segundo Nelson Werneck Sodré, em sua “História da imprensa no Brasil” (p. 65). O historiador dá ainda indicações de outros panfletos “dificilmente enquadráveis no gênero que define a imprensa”, editados por Silva Lisboa após a consumação da Independência:

A Causa do Brasil no Juízo dos Governos e Estadistas da Europa, que circulou em 16 folhetos, entre 15 de outubro de 1822 e 20 de março de 1823; e O Império do Equador na Terra de Santa Cruz, cujos 12 folhetos apareceram entre 15 de outubro de 1822 e 28 de janeiro de 1823, superpondo-se, assim, à circulação dos dois do engenho do escritor baiano. E ele não parou aí: em novembro de 1822, começou a lançar os 11 folhetos do Roteiro Brasílico ou Coleção dos Princípios e Documentos do Direito Político em Série de Números, divulgando extratos de Burke, Montesquieu, Hume e outros, e combatendo as ideias de Rousseau. O incorrigível grafômano continuava o mesmo. (p. 65)


Entre 9 de dezembro de 1825 e 28 de janeiro de 1826 Silva Lisboa editou o Triumpho da Legitimidade Contra Facção de Anarquistas, que teve 14 números, dedicados à questão da Província Cisplatina. Depois desse pasquim, após um intervalo de cerca de dois anos e meio, surgiu, enfim, a Honra do Brasil Desafrontada de Insultos da Astréa Espadaxina. Segundo Nelson Werneck Sodré (p. 110), esse foi o último pasquim do qual José da Silva Lisboa foi editor, o que não significa que, ao fim do periódico, o conservador tenha se despedido da imprensa: sua participação no debate quanto ao rumo político nacional manteve-se ativa através de colaborações em diversas folhas diferentes. Nesse sentido, já durante o Período Regencial, destacaram-se seus artigos no Diário do Rio de Janeiro, pregando a favor da política “caramuru”, ou seja, em defesa da restauração de Dom Pedro I ao trono, atacando sobremaneira a figura de Evaristo da Veiga.

Fontes:

- Acervo: edições nº 1, 8 de abril de 1828, ao nº 31, de 8 de agosto de 1828.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.