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Império do Brasil | D. Pedro II: maior de idade, ainda que sem barba

23 jul 2020

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e marcado com as tags Dom Pedro II

Em 19 de maio de 1840, em pleno Rio de Janeiro imperial, surgiu um jornal de nome estranho: O Propugnador da Maioridade. Tendo circulado ao menos até 21 de julho daquele ano, ele foi, na verdade, muito claro em sua pauta: a defesa da antecipação da coroação de Pedro de Alcântara como Dom Pedro II, Imperador do Brasil. Com o país submerso em turbulências políticas e revoltas ao fim do Período Regencial, parte da classe política da época julgava que a declaração de maioridade do filho de Dom Pedro I já aos quinze anos, que automaticamente levaria à sua aclamação naquele mesmo ano de 1840, colocaria fim à instabilidade. O objetivo do jornal, afinal, seria atendido no dia 23 de julho daquele ano, há exatos 180 anos.

Mas, como se contextualizava a política nacional, naquele momento? Por que simplesmente não esperaram mais três anos, pela maioridade de fato de Pedro de Alcântara, ao atingir 18 anos? Ocorre que, em política, nada ocorre assim, “simplesmente”.

Na Regência, a eleição de Pedro de Araújo Lima como Regente Uno do Império trouxe descontentamento tanto aos chamados “regressistas”, filiados ao Partido Conservador, quanto aos “progressistas”, do Partido Liberal. Todos inseguros com a incapacidade do governo de conter as várias revoltas que ecloriam no Brasil de Norte a Sul, e na manutenção da ordem política. A figura de um imperador era, então, uma garantia de centralização de poderes, vista como necessária para o controle social.

A Constituição de 1824, então em vigor, determinava a maioridade do Imperador aos 21 anos, porém, um Ato Adicional já a reduzia para 18. Desde 1835 a ideia de antecipar a maioridade de Pedro de Alcântara vinha sendo discutida, muito por pressão de proprietários de terras e escravos, insatisfeitos com a experiência de descentralização administrativa ocorrida durante o Período Regencial: algo que, em parte, resultara as revoltas sociais. Para os conservadores, pontualmente, o caos nacional era fruto dos excessos de liberdade proporcionados pelo Ato Adicional e por outras medidas, como o Código do Processo Criminal de 1832. Não era à toa que o cabeçalho das edições do Propugnador vinha sempre com os seguintes versos de Luís de Camões: “A verdade, que conto nua e pura, vence toda a grandíloqua Escriptura”. Foi nesse sentido que uma Lei Interpretativa do Ato Adicional foi enviada ao Legislativo, sendo aprovada a 12 de maio de 1840, depois de três anos de debates. No outro lado da balança, a Revolução Farroupilha e a Balaiada continuavam, apesar das medidas centralizadoras impostas pela Lei Interpretativa, que anulava a autonomia das províncias. Prevalecia uma atmosfera de agitação e insegurança.

A campanha pela maioridade tinha forte adesão dos chamados “palacianos”, figuras áulicas ligadas diretamente à Corte, lideradas pelo conservador Aureliano Coutinho – o grupo, elite da elite política, exercia forte influência sobre a família real, ficando conhecido como Clube da Joana por convocar reuniões que em geral ocorriam na residência de Paulo Barbosa da Silva, mordomo da Casa Imperial, localizada perto do Rio da Joana, nas cercanias da Quinta da Boa Vista. Mas, independentemente dos palacianos, no que concerne a quase toda a classe política daquele tempo o restabelecimento da autoridade monárquica era visto como a saída para a crise política: era necessário fortalecer a autoridade do poder central, para impedir os movimentos que levavam tantos às ruas. E ponto. Em abril de 1840, o senador José Martiniano de Alencar, pai do romancista José de Alencar, criou a Sociedade Promotora da Maioridade, uma sociedade de início secreta que havia se tornado pública, com o nome vulgarizado para Clube da Maioridade – ali, o liberal Antônio Carlos de Andrada se estabeleceu como presidente, passando a ter maior influência junto aos palacianos.

O chamado Ministério da Maioridade foi criado em 1840, para tratar da questão. Mas seu estabelecimento não fugiu às disputas entre liberais e conservadores: era conhecido como o Ministério dos Irmãos, já que fora composto pelos irmãos Andrada, Antônio Carlos e Martim Francisco, de longa influência na política nacional, bem como pelos irmãos Cavalcanti, futuros Viscondes de Albuquerque e de Suassuna, e por Aureliano Coutinho, representante do Clube da Joana, entre outros. O Ministério era majoritariamente liberal, diferentemente da Câmara, de maioria conservadora, o que emperrava a aprovação das determinações ministeriais. A Câmara acabou sendo dissolvida, com novas eleições sendo convocadas ainda em 1840; estas, aliás, foram chamadas de “eleições do cacete” pelos conservadores, pela violência usada por forças liberais para garantir sua maioria na casa. O processo eleitoral, cabe dizer, não foi marcado apenas pela violência: todo o andamento das eleições favoreceu o Partido Liberal. Menores de idade e escravos foram colocados para votar, houve vista grossa para a troca de identidades nas votações e, afinal, a apuração foi fraudada. Pouco depois, no entanto, as acusações de violência e fraude nas eleições da Câmara se juntariam o agravamento da Farroupilha e à pressão inglesa para a extinção do tráfico negreiro, provocando o fim da recém subida liberal ao poder. Quem reinava era o caos.

A antecipação da maioridade de Pedro de Alcântara ocorreu, mas, quase um ano depois, com a queda do Ministério dos irmãos, outro, formado por membros ligados ao Clube da Joana e ao Partido Conservador, tomou conta do poder, em março de 1841. O Conselho de Estado, que havia sido extinto pelo Ato Adicional de 1834, foi restabelecido, ao passo que o Código do Processo Criminal foi reformado, com vistas a fortalecer o governo central. Já em maio de 1841, a Câmara de maioria liberal foi dissolvida.

A antecipação da maioridade de Pedro de Alcântara, iniciou prematuramente o Segundo Reinado, com a coroação de Dom Pedro II em 18 de julho de 1841, não deixou de ser considerada, por parte dos historiadores do período, como o Golpe da Maioridade. No plano das disputas entre os partidos Conservador e Liberal, cabe dizer que os liberais, distantes do ministério desde a renúncia do Regente Diogo Antônio Feijó, apoiaram a redução da maioridade, pois pensavam que com isso voltariam ao governo. Plano que não se concretizou.

Explore os documentos:

Maurin, A. Dom Pedro II. Empereur du Brésil.

Duncan, A. Dom Pedro II : Kaiser von Brasilien.

Porto-Alegre, Manuel de Araujo, 1806-1879. Descripção do Edificio construido Para a solemnidade da coroação e sagração de S. M. o Imperador O Senhor D. Pedro II.

O Propugnador da Maioridade: