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Império do Brasil | Revolução Praieira na imprensa: voltas e revoltas

01 fev 2022

Artigo arquivado em Império do Brasil
e marcado com as tags Antônio Borges da Fonseca, Brasil Imperial, Conservadorismo, Crítica política, História da Imprensa, Imprensa de Oposição, Liberalismo, Pernambuco, Secult, Segundo Reinado

Mal havia o Brasil se tornado independente de Portugal, em 1822, e seu primeiro imperador, Dom Pedro I, abdicou, em 1831. Como se sabe, o sucessor do monarca, que seria coroado como Dom Pedro II, era, na ocasião, por demais pequerrucho, contando apenas cinco tenras primaveras. Então, de acordo com a Constituição de 1824, teve que se iniciar um período intermediário na governança do país, que ficaria sob os cuidados de capacitados regentes até que o novo detentor da coroa tivesse condições de botá-la na cabeça e assumir a batuta nacional. Esse hiato acabou sendo conhecido como Período Regencial, cá neste imenso império dos trópicos. Era para ele para ter durado até a maioridade do filho de Dom Pedro I, que se daria em 1844, mas seu fim foi antecipado para 1840, por meio de um golpe parlamentar. Além dos sempre presentes interesses oligárquicos na questão, o motivo para tamanha medida não poderia ter maiores justificativas: de cabo a rabo o Brasil esteve tomado de revoltas, durante a Regência. Em meio ao caos, esperava-se que a figura centralizadora do novo imperador acalmasse os ânimos. Isso, de certa forma, aconteceu. Mas mesmo ao início do Segundo Reinado o moçoilo Dom Pedro II viu seu também mancebo país ferver entre sabres e baionetas. Como na Praieira.

Mas, que seria a Praieira? Antes que lembremos do sucesso musical dos anos 1990 que leva esse nome, de autoria de Chico Science & Nação Zumbi, cabe destacar: lá pelas bandas do estado natal da banda, Pernambuco, se deu, em 1848, uma potente insurreição sob a alcunha. A Revolução Praieira foi o último levante provincial ocorrido no Brasil imperial. Porém, foi tão ruidosa que permanece viva na memória coletiva local, reavivada cada vez que alguém pensa em insubordinação ao poder central - caros paulistas, muito antes de Getúlio os incomodar os pernambucanos já aprontaram das suas! Pudera: incurável reduto liberal ao início de um Segundo Reinado onde o Partido Conservador tinha enorme poder na corte, a província de Pernambuco durante a Praieira chegou a ignorar ordens expressas do Império, como se estado independente do Brasil. E pior, como se Estado republicano, seguindo as tradições locais nas revoltas de 1817 e 1824. Os praieiros foram abafados já entre 1850 e 1851, numa genuína demonstração de força de Dom Pedro II, mas a lembraça do episódio permanece. Pois, em meio ao bicentenário da Independência do Brasil, o Diário Novo, principal meio de comunicação da Revolução Praieira, completa, em 2022, 180 anos de lançamento. Recordemais, portanto, a Praieira, a imprensa intrínseca ao movimento, seus contextos e seus opositores.

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No início da década de 1840, Pernambuco vivia tensões de diferentes naturezas. Sentindo na pele a decadência da economia açucareira e a retenção do comércio varejista nas mãos de proprietários estrangeiros, sua população ficava entre o desemprego, a escravidão e os interesses dos grandes fazendeiros. O obtenção de escravos havia sido dificultada, acirrando os ânimos mesmo entre as elites agrárias, que necessitavam de sua mão de obra, sem alternativas. Na disputa pelo poder local, o Partido Conservador e o Partido Liberal, que afinal de contas pouco diferiam com relação a programas de governo, canalizavam como podiam a insatisfação que grassava em todas as classes, populares e aristocráticas. Ambos os partidos sentiam a influência dos latifundiários mais graúdos, sobretudo os da poderosa família Cavalcanti, que literalmente mandava em Pernambuco. Até que um grupo, insatisfeito com as interferências do clã nos negócios públicos, saiu do Partido Liberal para fundar o chamado Partido Praieiro. A dissidência afinal não era tão dissidência assim, funcionando vez ou outra como linha acessória dos liberais, já que todo praieiro era liberal, embora nem todo liberal praieiro. Seja como for, o novo grupo costumava se reunir na redação e na tipografia de um jornal recém-fundado, o Diário Novo, na Rua da Praia - daí sua alcunha. Desnecessário dizer que o periódico era o partido, e vice-versa.

Lançado por Luís Inácio Ribeiro Roma em 1º de agosto de 1842 no Recife (PE), o Diário Novo foi concebido como folha ligada ao Partido Liberal local, para todos os efeitos. Até que a Revolução Praieira eclodisse, em 1848, pode-se notar o crescendo radical em seu discurso, ao longo dos anos. Em suas páginas se lia que a insurreição tinha fumos federalistas, uma justificativa a mais para acabar sufocada pelas autoridades. Mas, a rigor, em seus primeiros momentos, o Diário Novo foi um órgão partidário como outro qualquer. Chegou até a ter contornos de órgão governista: enquanto liberais comandaram a província, por curto período em 1844, publicava, por contrato, notícias administrativas, como uma folha oficial, algo comum na imprensa da época, mesmo em outras províncias. O jornal teve momentos, inclusive, de oposição ao agitador político Antonio Borges da Fonseca, um liberal da fileira "exaltada" que mais tarde comandaria os momentos finais da Praieira. O Diário Novo tinha lá suas ligações com a corrente moderada do Partido Liberal, sendo, apesar de suas inclinações republicanas, favorável às oligarquias. Seja como for, ao início dos anos 1840, os chamados praieiros eram, sobretudo, oposição à família Cavalcanti. As tensões políticas, nesse sentido, vinham se mantendo, até a vaca ir para o brejo em 1847.

Antes de pegarem em armas, os praieiros estiveram no poder, em âmbito local. A inserção do grupo nas instituições provinciais se deu, afinal, quando um gabinete ministerial majoritariamente liberal ascendeu ao poder, em 1845. Valendo-se de sua influência junto a um dos componentes de tal ministério, Aureliano de Souza Coutinho, os praieiros conseguiram a nomeação de um dos seus para presidir Pernambuco. Assumindo já em 1845, após o domínio anterior da ala conservadora local, que vinha de longa data, o praieiro Antônio Pinto Chichorro da Gama mexeu num vespeiro: promoveu uma série de intervenções para beneficiar seu grupo e enfraquecer a antiga influência dos Cavalcanti e de seus agora mais do que nunca aliados, os conservadores. No ano de 1847 Chichorro demitiu cerca de 650 funcionários de cargos de influência nomeados pelos governos prévios, sobretudo nas forças policiais, colocando praieiros ou seus aliados no lugar. Foi a gota d'água.

Um grave problema administrativo surgiu. Aliados dos Cavalcanti, entre os quais os conservadores, começaram a concentrar jagunços e escravos furtados de outras fazendas em suas propriedades. E, principalmente, passaram a estocar armas. Quando as forças policiais a mando dos praieiros efetuavam as devidas buscas para apreensão, invadindo engenhos e galpões privados, a coisa ficou feia. Os proprietários começaram a receber a polícia à bala. Os Cavalcanti e seus correligionários iam à imprensa conservadora se queixar: só suas propriedades eram invadidas, e não as dos governistas. Em outra esfera, movido pela isatisfação popular cultivada há tempos, o governo praieiro iniciou narrativas de defesa dos brasileiros na questão comercial, interferindo nas benesses de determinadas famílias portuguesas no abastecimento da região e nas dinâmicas econômicas até então estabelecidas em Pernambuco. Espancamentos e ataques a empreendimentos comandados por lusitanos começaram a ocorrer com cada vez mais frequência.

Dada a radicalização no barril de pólvora que era a Pernambuco de então, houve uma reação do Império ao domínio praieiro, com a imposição de um novo presidente de província, dessa vez conservador, Vicente Pires da Mota. É que, além de tudo, no plano nacional, o início de 1848 viu uma reviravolta política: na corte, o gabinete liberal caiu, dando lugar a um de maioria conservadora. Ciente do estopim pernambucano, e da desvantagem dos seus por lá, o novo ministério não perdeu tempo. Mas os problemas não desapareceram do dia para a noite. Embora visasse estancar a ação liberal praieira, a medida acarretou na piora na instabilidade político-administrativa regional.

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Assim como quando os praieiros tomaram o poder, a retomada conservadora da província de Pernambuco teve tons de vendeta. Em primeiro lugar, aqueles nomeados para a Polícia Civil e para o corpo local da Guarda Nacional pelo governo em 1845 foram logo demitidos. Depois, antigos aliados dos conservadores e dos Cavalcanti voltaram aos cargos, agora com os praieiros e seus correligionários sendo perseguidos e desarmados, unilateralmente. Troco exato, na mesma moeda. O problema foi que, radicalizados e dotados de uma retórica diferente, de maior apelo popular, os praieiros resistiram de forma mais enérgica. Por volta de 40 proprietários rurais ligados ao grupo agora na oposição simplesmente não aceitaram entregar suas posições e se recusaram a entregar suas armas às autoridades. O deputado Nunes Machado, um dos líderes praieiros, engrossava o tom. As páginas do Diário Novo chegavam ao leitor pegando fogo.

No plano ideológico, há que considerar que o ano de 1848 foi o momento em que a Primavera dos Povos sacolejou a velha Europa. A Praieira teve, afinal, inspiração suficiente para tentar se restabelecer no governo, nem que fosse na base da paulada. O velho liberal radical Borges da Fonseca vinha então a público se manifestar ao lado dos revoltosos: chegou mesmo a publicar, em meios aos pipocos, seu chamado Manifesto ao Mundo, com dez reivindicações que faziam com que populares aderissem ao levante, apesar de toda a situação ter sido provocada por disputas entre oligarquias. No texto, Fonseca, em nome dos praieiros, pleiteava coisas hoje para lá de cabíveis: voto livre e universal, liberdade de imprensa, garantias de trabalho, nacionalização do comércio varejista, fim do recrutamento militar obrigatório, fim das leis de juros, independência dos poderes locais, extinção do Poder Moderador, implantação do federalismo e reforma do Judiciário. Mas, na época, e num meio onde o poder dos grandes latifundiários escravocratas se mantinha, não era pouca coisa.

A violência começou sua escalada em Pernambuco, de fato, segundo historiadores, quando certo Manoel Pereira de Moraes, um dono de engenho, reagiu à bala a uma incursão conservadora legalista em sua propriedade, em novembro de 1848. Ali que o conflito começou, propriamente, e de maneira bem feia. A escaramuça se espalhou como fogo em palha seca por todo o interiorzão da província, em cerca de três meses de autêntico terror. Revoltados com a perda do governo, os praieiros chegaram a tomar a cidade de Olinda à baioneta, contando com o apoio de certos grandes proprietários, e de muitos profissionais liberais, artesãos e populares, desencadeando um conflito que varreu toda Pernambuco. O cenário era de guerra civil.

No quente do momento, só Pedro Ivo, um arrendatário praieiro, comandava um grupo de 1.600 populares dispostos a derrubar o governo. Em 2 defevereiro de 1849, depois de atrair as tropas legalistas para suas posições no interior, seu destacamento voltou à carga de forma surpreendente, penetrando Recife na hora do revide. Foi iniciada uma batalha que durou 12 horas, com 200 mortos no lado praieiro e mais 90 no lado da Guarda Nacional. Na ocasião, uma das perdas das trincheiras insurretas foi justamente a do deputado Nunes Machado. A banda praieira acusou o golpe e seu furor arrefeceu, apesar de Borges da Fonseca assumir, de forma um tanto orgânica, sua liderança. Mas mesmo quando a coisa esfriou e o movimento foi dado como abafado pelas autoridades, fuzilarias pontuais foram ainda pipocando até 1850, por conta de uma guerrilha na Zona da Mata. Detalhe digno de nota: diferentemente do destino das pessoas simples que se envolveram no conflito, os latifundiários praieiros receberam anistia quando o levante acabou. Escaldados com a Praieira, notabilizada como a derradeira revolta de cunho liberal a se dar no Nordeste, os liberais só voltaram ao Parlamento em 1864.

Depois da queda do governo praieiro, o Diário Novo, naturalmente, passou à oposição no contexto de Pernambuco, colocando-se a favor do movimento de forte descontentamento. Antes e durante a insurreição, o porta-voz da Praieira fez frente a inúmeros periódicos conservadores, em especial o Diário de Pernambuco – este mesmo que circula atualmente. Desde sua fundação o Diário Novo colocava-se, aliás, como antagonista do hoje mais antigo periódico impresso na América Latina: depois de uma primeira fase sendo administrado pelo seu fundador, em 1835 o Diário de Pernambuco havia se tornado propriedade do comendador Manuel Figueroa de Faria, que o dotava de postura estritamente governista sob as gestões conservadoras, funcionado mesmo como órgão oficial desses governos na província. Desnecessário dizer que, em seu auge, os Cavalcanti tinham seus apoiadores dentro do jornalão.

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Ao longo dos momentos mais quentes da revolução, especialmente por vários meses de 1849, mesmo com a momentânea tomada de poder pelos liberais, o Diário Novo foi editado com extrema dificuldade, sofrendo censura e atentados por parte do governo oficial. Até que, depois de silenciado, ao fim desse ano, reapareceria brevemente em 1852, mas logo em seguida deixaria definitivamente de existir. Em sua "História da imprensa no Brasil", Nelson Werneck Sodré reserva algumas palavras tanto ao Diário Novo quanto a seus fortes opositores, como o Diário de Pernambuco, usando Alfredo de Carvalho como referência. À época da Praieira, a folha de Luís Inácio Ribeiro Roma, seu fundador, não era a única liberal em Pernambuco, mas

O órgão da Praia seria o Diário Novo, assim batizado para contrastar com o diário velho, o Diário de Pernambuco, que seria de vanguarda impressa e tradicional dos conservadores e “emulava então, em tamanho, variedade de conteúdo e número de leitores, com os grandes cotidianos da capital do Império”, segundo Alfredo de Carvalho. O pesquisador da imprensa pernambucana, deslumbrado com o velho jornal, esclareceria ainda: “Com uma tiragem de quatro mil exemplares, já em 1856, era, sem metáfora, o órgão genuíno de todo o norte brasileiro, circulando profusamente, de Alagoas ao Amazonas, onde não ocorria uma contenda política nem uma controvérsia judiciária que não se viesse debater em suas colunas. (p. 144)

Em seguida, Werneck Sodré não mede palavras, tomando partido na contenda da época, quando a província se encontrava sob a gestão de Chichorro da Gama, mas às vésperas da Praieira:

O diário velho seguia técnica secular de engodo, a do alarmismo, no que era acompanhado pelas outras folhas conservadoras. O Lidador, por exemplo, fazia eco aos seus gritos, destinados a atemorizar as camadas médias: “Todos temem, até mesmo os estrangeiros, pelas suas vidas, honras e fortunas, vendo o desenfreamento da plebe, a exacerbação de paixões funestas: a anarquia enfim erguendo o seu medonho colo põe em completo e universal alarme toda a cidade!” Esse brado apareceu na edição de 1º de outubro de 1845. Na de 14 de dezembro de 1847, como outro exemplo, o refrão continuava, agora em acusação à imprensa praieira: “Leiam-se esses jornais que ela publicou ainda recentemente, e neles se verá que só se ocupavam em excitar todas as baixas paixões do vulgacho contra os que, procurando os nossos lares, aqui se entregavam à indústria e obtinham alguma fortuna”. Já em abril de 1849, Maciel Monteiro deblaterava, na Assembleia Provincial, e o Diário de Pernambuco lhe divulgava a diatribe, em sua edição de 1º de maio, acusando ainda os praieiros “... pregou-se o comunismo, a lei agrária; fez-se acreditar que os bens de certa classe de proprietários deviam ser repartidos pelo povo”. Nabuco de Araújo, em opúsculo de 1847, formularia a acusação que repetiu quando, em acinte à justiça, foi o juiz dos rebelados: “A Praia abriu uma cruzada contra a propriedade, sublevou os moradores dos engenhos contra os seus proprietários, fez renascer os ódios entre os brasileiros e portugueses, e suscitou enfim a rivalidade de cores”. No bojo dessa tempestade é que devia navegar o Diário Novo. Era o órgão do partido liberal, com oficinas à rua da Praia 55, de que derivou o nome de praieiros, dados aos seguidores desse partido em Pernambuco naquela época. (p. 144/145)

Exageros à parte, já que a Praieira também atendia a interesses de figuras da elite local, numa disputa intraoligárquica, o Diário Novo teve certa projeção não só pelo caráter popular em seu discurso: foi ainda muito regular, tirando cerca de 2 mil exemplares por edição. Tendo circulado ininterruptamente até o início de 1849, com a Praieira em curso, o jornal era dirigido por uma personalidade política inquieta e controversa: Luís Inácio Ribeiro Roma era republicano e editor de pasquins liberais já a partir de 1827, em pleno Primeiro Reinado, coisa que lhe valeu um curto exílio na Inglaterra e posteriores prisões. Curiosamente, Ribeiro Roma declarou-se “caramuru”, ou seja, apoiador da restauração de Dom Pedro I ao trono, quando da abdicação de 7 de abril de 1831 e do início do Período Regencial no Brasil, ocasião em que liberais moderados tomaram o poder, na corte. Em 1848, todavia, com a queda do governo liberal em Pernambuco e a entrada de seu jornal na oposição, o editor viu atônito a eclosão da Revolta Praieira no dia 23 de novembro: seu Diário Novo quase foi empastelado pela polícia, que acabou sendo repelida de sua tipografia por populares. Pouco depois, a casa de Ribeiro Roma foi avariada na batalha entre insurretos e governistas; com o choque, e como já estivesse adoentado, o diretor do Diário Novo veio a falecer, em 19 de dezembro 1848.

Com a morte de Ribeiro Roma, o Diário Novo foi assumido pelo irmão de seu fundador, José Inácio de Abreu e Lima, que, já tendo nele trabalhado, o manteve até 11 de janeiro de 1849: nessa data, cerca de um mês antes da morte de Nunes Machado na batalha do Recife, a mando do chefe de polícia do governo de Manuel José Vieira Tosta, Figueira de Melo, o jornal teve sua edição apreendida nas ruas. Seus distribuidores e tipógrafos foram presos, sendo alguns recrutados ao Exército e/ou espancados; o impressor Santos Caminha teve a casa depredada. Marquês de Muritiba, Tosta, ironicamente um liberal, mas não praieiro, assumia que queria calar o diário, nem que para isso tivesse que fechar a tipografia que o tirava. No dia 13 de janeiro de 1849, todavia, o Diário Novo voltava a lume, avisando em suas páginas que estava sendo impresso improvisadamente, composto por colaboradores leigos na arte tipográfica. A partir do dia 17, no entanto, sofreu nova censura: as colunas em que publicaria textos tratando da revolta saíram em branco. Até que no dia 25 teve exemplares novamente confiscados. Santos Caminha dessa vez foi preso.

O Diário Novo suspendeu temporariamente sua edição após lançar o número de 1º de fevereiro de 1849, véspera do grande combate travado no Recife – após a conclusão da edição, o impressor, mantido em cárcere, acabou sendo convocado a servir ao Exército. Uma edição do jornal voltada à morte de Nunes Machado veio a lume em 24 de abril, mas seu sucesso teve reação violenta: exemplares foram apreendidos e, novamente, tipógrafos e distribuidores foram espancados e recrutados. Depois disso, o Diário Novo ainda teve ganas e topete de reaparecer, mas em fase curta e apolítica, ou seja, sem expressar suas opiniões liberais, entre 9 de junho e 16 de novembro de 1849. No ano seguinte, a Praieira foi definitivamente extinta, com o estrangulamento do grupo revoltoso remanecente que estava entocado na Zona da Mata. E mesmo assim, o jornal voltou à publicação, mas somente em 2 de fevereiro de 1852. Esta foi sua última fase, em verdade, uma sobrevida, em um momento em que não encontrava espaço para atuar: acabou fechando as portas em definitivo a 30 de abril daquele ano.

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Além de o Diário de Pernambuco, lembrado de forma um tanto depreciativa por Nelson Werneck Sodré alguns parágrafos acima, O Lidador foi também grande opositor do Diário Novo e dos interesses praieiros. Contando com a epígrafe “Conservação da ordem pública, sustentação do throno imperial, manutenção das instituições liberaes, fiel observância das leis, austeridade na repressão dos crimes, progresso industrial e moral da população”, O Lidador veio a lume no Recife, a 15 de março de 1845, bem no ano da ascenção praieira em Pernambuco. Foi um periódico conservador, de combate ao ideal liberal local, antipraieiro ao limite. Seu fim, no entanto, foi antes da derrota liberal: se deu, provavelmente, após o lançamento de sua edição de nº 310, de 10 de agosto de 1848, possivelmente em decorrência da eclosão do movimento. Impressa inicialmente na tipografia de M. F. de Faria, O Lidador passou mais tarde a sair pela Typographia União, que, por volta da data que marcou o fim do jornal, ou seja, a partir de agosto de 1848, passou a editar A União, também conservador – pode-se mesmo dizer que tal periódico tenha sido um sucessor d’O Lidador.

A União – Virtus unita crescit, surgiu no Recife (PE), na primeira quinzena de agosto de 1848. Era redigido pelo monsenhor Pinto de Campos e pelo lente da Faculdade de Direito local, Pedro Autran da Matta e Albuquerque. Lançado assim que O Lidador foi extinto, e ao mesmo tempo em que o conflito eclodia, era três vezes por semana tirado e acabou acompanhando de perto a revolta que sacudiu Pernambuco, repudiando-a veementemente e entrando em atritos, naturalmente, com o órgão praieiro, o Diário Novo. O fim da publicação, se deu, provavelmente, a fins de 1852, o que reforça a impressão de que A União tenha sido um órgão quase absolutamente editado em função da Praieira; a última edição consultada nesta pesquisa foi seu nº 520, de 23 de dezembro de 1852. No entanto, a rinha de seus editores com as ideias liberais rendeu à publicação a entrada em outras polêmicas, mais ou menos dissociadas da revolta.

Qualificada como “reacionaríssima” por Nelson Werneck Sodré no livro “História da imprensa no Brasil”, A União esteve já em 1852 envolvida num debate político que perduraria: lembrando que os liberais da Praieira, abafada dois anos antes, eram acusados de “comunistas”, naquele ano

A reação era obrigada a enfrentar o debate das ideias. Fazia-o a seu modo, naturalmente: A União (...) investia com fúria, em julho de 1852, continuando em agosto, contra as ideias socialistas, surgindo a polêmica entre Autran e Antônio Pedro de Figueiredo, quando o professor de Direito classificava o socialismo como “ímpio, anticristão, anti-social, e anticivilizador”, brandindo a encíclica de Pio IX, de 1849. Ao que Figueiredo, hóspede de A Imprensa agora (antes seus textos saíam no Diário de Pernambuco), teria de retrucar: “como o meu adversário trouxe por arrasto, no seu último artigo, o concílio provincial de Paris e o venerável Pio IX, não querendo eu ter a sorte de Galileu, deliberei não prosseguir em tal questão”. (p. 155)

Além desse, outro debate mereceu a atenção de A União. Para que as escolhas de Dom Pedro II para a formação de seu Conselho de Ministros não se consumisse na polarização entre liberais e conservadores, ou seja, para que existisse a real alternância de figuras liberais e conservadoras no poder central, foi adotado um sistema parlamentarista onde o imperador escolhia o presidente do Conselho de Ministros e esse selecionaria de cada partido os ministros que formariam as pastas do governo, com o devido equilíbrio. No ano de 1853, esse sistema atingiu o seu ápice, com a formação do “Ministério da Conciliação”, montado por iniciativa do conservador Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná. Apesar de o mecanismo trazer estabilidade política inédita no Segundo Reinado, a conciliação reforçou o poder das elites agrárias na condução da política nacional segundo seus interesses. Criticada pelo líder político Antônio Borges da Fonseca, considerado radical por seus pendores republicanos, a política de concórdia entre liberais e conservadores foi apoiada pel’A União, que, em seu governismo conservador, combatia Borges da Fonseca sob todas as circunstâncias. Como antes, a posição pró-conciliação do jornal era compartilhada com o Diário de Pernambuco, e ambos batiam-se contra os órgãos liberais.

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Embora fosse o expoente dos praieiros, o Diário Novo não esteve sozinho em sua cruzada política, a exemplo de seus opositores. O Nazareno e O Tribuno, de Antonio Borges da Fonseca, acabaram sendo forjados no combate à Praieira, mas, no fim, seu editor se colocou como grande aliado com o estouro do levante, apesar de antigas divergências. As folhas foram apenas dois dos numerosos jornais radicalmente republicanos editados pelo aguerrido Fonseca, um “exaltado” de acordo com a terminologia da época.

Nacionalista ferrenho, apoiador da implementação não só do regime republicano mas também do federalismo no Brasil, o editor entrou em atrito com as autoridades monárquicas no Primeiro Reinado, quando combateu o absolutismo de Dom Pedro I; a meados do Período Regencial, quando criticava a ala liberal moderada que havia ascendido ao poder; e, por fim, no Segundo Reinado, com sua adesão à Praieira. O Tribuno foi, na verdade, um de seus últimos jornais editados pelo radical, lançado e depois mantido sob os efeitos da Revolução Praieira, ocorrida entre 1848 e 1850, da qual Borges da Fonseca foi inicialmente amigo, depois inimigo.

Vítima da instabilidade e da perseguição, o tempo de vida de O Tribuno foi dividido em dois: sua primeira fase foi de agosto de 1847 a novembro de 1848, com uma pausa entre junho e agosto do último ano; a segunda de 5 de setembro de 1866 a uma data incerta em meados de 1869, com inúmeros hiatos na circulação. Para que se entenda o papel de O Tribuno na história da imprensa brasileira, é necessário compreender a trajetória de Borges da Fonseca. Antes de se destacar como praieiro, e depois como anti-praieiro, o liberal já tinha extenso “currículo” na luta política nacional. O paraibano não só teve o pai apoiando a Revolução de Pernambuco de 1817 como participou, em 1824, com 16 anos de idade, da Confederação do Equador, tendo escapado à prisão por fuga realizada bem a tempo. Dado o acirramento da crise política nos últimos momentos do governo de Dom Pedro I, Fonseca, já republicano e federalista, Fonseca se engajou no combate às sociedades secretas fundadas para dar sustentação à monarquia, que tinham voz em certos impressos periódicos: caso da “Colunas do Trono”, fundada em Pernambuco. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, na “História da imprensa no Brasil”, com relação à última sociedade,

Para combatê-la, surgiria a Jardineira ou Carpinteiros de São José. Organizou-a, na Paraíba, com outros, Antônio Borges da Fonseca, ainda com vinte anos mas já conhecido ali pelos seus pendores republicanos. Borges da Fonseca, então, fundou a Gazeta Paraibana, que circulou em 1828 e 1829 e foi o segundo jornal daquela província. As autoridades absolutistas locais não lhe permitiram liberdade de ação: Borges da Fonseca foi preso e processado. Só em março de 1829, liberto por decisão do conselho de jurados, o jornalista voltou às lutas políticas, mas agora em Pernambuco. Foi quando fundou, no Recife, a Abelha Pernambucana , cujo primeiro número circulou a 24 de abril de 1829, e o último a 31 de agosto de 1830, combatendo os “colunistas” e o órgão local destes, O Cruzeiro. O nome de Borges da Fonseca começou a ser conhecido no país. De tal sorte que os seus companheiros de ideias políticas pediram sua presença na Corte. (p. 111/112)

Ao chegar ao Rio de Janeiro, para estabelecer outro jornal, O Repúblico, Borges da Fonseca se juntou a nomes como José Joaquim Vieira Souto, Manuel Odorico Mendes, Bernardo Pereira de Vasconcelos, José da Costa Carvalho, Manuel da Fonseca Lima, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, José Lino Coutinho, Francisco de Paula Sousa, e os padres José Custódio Dias, José Martiniano de Alencar e Diogo Antônio Feijó. Em pouco tempo Borges da Fonseca estava mesmo à frente do Partido Liberal. Seu jornal lançado na capital, impresso na tipografia de R. Ogier, na Rua da Cadeia, solidarizava-se com a Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga. Ainda segundo Werneck Sodré, a folha de Borges da Fonseca

(...) trazia como epígrafe, segundo o uso da época, as expressões do Contrato Social, de Rousseau: “Povos livres, lembrai-vos desta máxima. A liberdade pode-se adquirir mas, depois de perdida, não se pode recobrar”. Nos seus números iniciais, o jornal declarava-se monarquista, explicando que o título adotado derivava de que o redator só desejava fazer o bem público. A atrevida linguagem do Republico caracterizava o clima de então. A pessoa de Dom Pedro não era poupada, ao contrário do que acontecia antes. Borges da Fonseca chamava-o de “caríssimo”, não no sentido de querido mas no de custoso ao Tesouro. Os jornais trocavam insultos, cada um na defesa de sua facção. (p. 114)

No processo de derrocada do Primeiro Reinado, a imprensa liberal teve papel de relevo, sendo O Repúblico um dos órgãos de destaque, na mesma trincheira em que estavam a Aurora Fluminense e a Astréa , críticos polidos do Império, e a Nova Luz Brasileira e o Tribuno do Povo, que, ao lado da folha de Borges da Fonseca, eram apontados como liberais "exaltados", "virulentos", que buscavam verdadeira subversão da ordem pública. Ao contrário do que pudesse parecer, o início do Período Regencial não deixou O Repúblico em uma situação exatamente confortável. É bem verdade que com o afastamento de Dom Pedro I o jornal de Borges da Fonseca moderou um pouco sua linguagem radical e agressiva, mantendo-se relativamente próximo de Evaristo da Veiga, o bastião do liberalismo moderado, que se aproximara do poder. Mas isso não durou muito. Notoriamente, entre 1830 e 1831 se fazia mais visível uma cisão entre os liberais moderados e os exaltados.

Antes mesmo da abdicação, em julho de 1831, Borges da Fonseca aceitou o cargo de secretário do governo da Paraíba, deixando a corrente liberal na Corte centralizada em Evaristo da Veiga; em pouco tempo, Fonseca veio a qualificar a influência deste como “maléfica”. Isso fez com que O Repúblico caísse em certa instabilidade: a mudança do editor, a rigor, criou um hiato na publicação, que parou de circular após veicular sua edição de nº 83, de 7 de julho, e reapareceu, todavia, ainda em 1831, na Paraíba. Em sua segunda fase, paraibana, o periódico teve mais de uma centena de edições publicadas – incluindo três números que foram lançados excepcionalmente no Recife, quando da rápida permanência de Borges da Fonseca em Pernambuco – e durou somente até 1832, terminando, aparentemente, na edição nº 212, de 17 de dezembro daquele ano. Em seguida, o liberal criou, ainda na Paraíba, O Publicador Paraibano, de linha exaltada semelhante a’O Repúblico. O novo periódico, lançado em 17 de abril de 1833 após a demissão de Borges da Fonseca do cargo de secretário, chegou a travar intensos embates na imprensa, especialmente com O Raio da Verdade, mas acabou tendo vida curta. Então, seu editor retornou ao Rio de Janeiro, onde, a 24 de abril de 1834, relançou O Repúblico, que agora atingia sua terceira fase. O jornal acabou sendo relançado novamente na capital ao adentrar 1837, com novo nº 1 datado de 19 de janeiro; nesta quarta fase foi publicado através da Typographia Imparcial todas as terças e quintas-feiras e aos sábados, com a sugestiva epígrafe “Estamos ao pé do abismo”.

Nesse período a batalha entre os órgãos conservadores e O Repúblico de Borges da Fonseca esteve ainda particularmente contextualizada com os debates públicos acesos pelas disputas políticas que se desdobraram no chamado “golpe da maioridade”, que marcou o fim do Período Regencial a 23 de julho de 1840. Como Borges da Fonseca era um ardoroso panfletário da política liberal, que acabou enfraquecida com a sagração de Dom Pedro II, vinha “defendendo os farrapos e escalpelando o regresso que se processava”, conforme Nelson Werneck Sodré (p. 136). Com o início do Segundo Reinado e a consolidação conservadora pela repressão às revoltas iniciadas no Período Regencial, certos editores de jornais e pasquins conservadores foram, nos dizeres de Sodré, glorificados pela “historiografia oficial”, enquanto a Borges da Fonseca coube bater em retirada da capital. Foi nesse momento em que passou a editar, em Pernambuco, O Nazareno, entre maio de 1842 e junho de 1848. Ali, no início da movimentação que eclodiria na Revolução praieira, o jornal se manteve neutro entre as partes em conflito: rejeitava, como sempre, o Partido Conservador, quando governava Pernambuco, e também a facção do Partido Liberal que liderava a revolta, chegando a se desentender com esta, também, assim que os insurgentes tomaram o poder provincial.

Fonseca acabou sendo preso em 1845, por um artigo publicado em um periódico que não era seu, O Verdadeiro Regenerador, mas acabou absolvido; em seguida quase morreu numa tentativa de assassinato por um membro da polícia. Em abril de 1847, em meio à gestão de Chichorro da Gama, o exaltado foi processado novamente, por crime de “injúria ao imperador e incitação à separação entre o norte e o sul”, e condenado a oito anos de prisão e multa. Antes mesmo do fim d’O Nazareno, que ocorreria no ano seguinte, o liberal paraibano lançara no Recife O Tribuno, poucos meses após o processo, em agosto de 1847 (possivelmente pretendia emplacar um órgão menos visado pelo governo praieiro).

O polemista paraibano esteve preso no subterrâneo do Forte de São João Batista do Brum. Sua pena, entretanto, foi abrandada para quatro anos e nove meses e multa, em julgamento onde fora defendido pelo conservador Nabuco de Araújo Jr., pai de Joaquim Nabuco. E mesmo lá, detido, continuou escrevendo para O Nazareno e O Tribuno. Naquele momento, em que Borges da Fonseca já se desiludia com o movimento liberal praieiro, este se encontrava então fortalecido. Quando o gabinete conservador intervém na política pernambucana e derruba o governo praieiro, no entanto, ocorre uma mudança na postura de Borges da Fonseca. Segundo Matías Martínez Molina, em “História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840)”,

Quando os conservadores guabirus voltaram ao poder substituindo os liberais praieiros no governo de Pernambuco, ele foi libertado da prisão no Recife e durante um tempo se aliou aos guabirus, sobre cujos líderes derramou entusiásticos elogios. O Tribuno arremeteu contra os praieiros “cheio de ódio”, na expressão de Alfredo de Carvalho, pelas perseguições e a prisão sofrida em abril de 1847, atacando com “inaudita violência e com epítetos injuriosos aos chefes liberais”. O jornal teve a circulação interrompida entre junho e agosto de 1848. Ao reaparecer, atacou com a mesma fúria tanto liberais como conservadores. Parou definitivamente em novembro. Seu redator, porém, encontrou tempo para fazer outros dois jornais, A Mentira, do qual saíram nove números entre julho e setembro de 1848, e O Advogado do Povo, que também teve nove edições. (p. 245/246)

Em 1848, ano em que a Praieira tentou se restabeleceu no governo de forma revolucionária, a atitude do exaltado paraibano não deixou de surpreender:

Borges da Fonseca se reconciliou com os praieiros à véspera da rebelião armada. No começo, se opôs à violência, mas, quando começaram os combates, aderiu com entusiasmo ao movimento e entrou no Recife à frente de quatrocentos homens. Sua cabeça foi colocada a prêmio. Ele pregava: “Quem não é por nós, é contra nós. Liberdade e paz aos que nos ajudarem; aniquilação e morte aos que nos combaterem e ajudarem o governo imperial”. Derrotado o movimento, foi preso novamente e condenado a prisão perpétua, sendo enviado a Fernando de Noronha. Quem presidiu o tribunal que o condenou em 1849 foi Nabuco de Araujo, o mesmo que o defendera em 1847. O Nazareno e O Tribuno deixaram de circular. (p. 246)

Anistiado em 1852, o exaltado veio então a dirigir A Revolução de Novembro , órgão pernambucano lançado por Afonso de Albuquerque Mello, publicado entre 19 de agosto de 1850 e 11 de dezembro de 1852, onde se problematizavam a Revolta Praieira, os ataques à mesma e a Revolução de 1848, ocorrida na França.

Num contexto já distante do da Praieira, em maio de 1853 Borges da Fonseca abandonou Pernambuco para rumar à Corte novamente, para conduzir a quinta e última fase d’O Repúblico, iniciada com nova edição nº 1, de 1º de julho daquele ano. Assim, o jornal investia contra o movimento de conciliação entre partidos políticos então adversários, promovida pelo Gabinete presidido pelo conservador mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão, o marquês de Paraná. No entanto, o liberal deixou a redação d’O Repúblico entre o final de 1854 e o início de 1855, para meses depois o periódico suspender sua circulação. Maurício Doellinger Júnior havia assumido o comando da folha em sua última fase, mas não pôde evitar seu fechamento, no final daquele ano, após a edição nº 197, de 15 de dezembro. Borges da Fonseca então voltou à Paraíba, onde lançou o pasquim O Prometeu, em 1856, ano em que tentou, sem resultados, estabelecer-se como deputado. No Recife, em 1861, editou ainda uma folha de apenas dez edições, chamada O Constituinte.

Por fim, o antigo liberal exaltado resolveu, em 1866, relançar O Tribuno. Recorremos novamente às palavras de Molina para expor que o jornal, em sua segunda fase, vinha recheado de

(...) críticas à Guerra do Paraguai, e em setembro de 1867 sugeriu um protesto contra a continuação da “guerra contra os estados da América espanhola, filha do capricho e da iniquidade”. (Borges da Fonseca) Foi agredido por paisanos e soldados, preso e condenado a sessenta dias de cárcere por desacato, mas não deixou de publicar o jornal. Nele, Castro Alves publicou a poesia “O povo ao poder”. No último número da segunda etapa de O Tribuno, em dezembro de 1867, Borges da Fonseca volta a defender os ideais republicanos: “o direito à vida material, à vida intelectual e moral, à liberdade, à soberania, isto é, ao sufrágio universal. Isto só se obterá com a República”. (...) Borges da Fonseca morreu em 1872, quando ainda faltavam dezessete anos para a proclamação da República que ele tanto anelava. No entanto, no fim da vida, confessara-se “monarquista pessoal”, pois acreditava que com d. Pedro II seria possível alcançar as reformas pelas quais se batia. “Não sou hoje republicano”, afirmou.

Após a publicação de sua 137ª edição, de 23 de dezembro de 1867, O Tribuno voltou a lume com um novo nº 1, datado de 10 de fevereiro de 1868, tendo circulado até 17 de dezembro daquele ano. No ano seguinte, começou a circular somente em abril, mas lançou poucas edições, deixando de circular definitivamente em meados de 1869. No total, sabe-se que Antonio Borges da Fonseca fundou entre 21 e 25 periódicos, alguns desses publicados simultaneamente, além de ter redigido grande quantidade de panfletos e proclamações. Em quase todos os jornais em que escreveu, além de questões ideológicas nos planos político-administrativos, Fonseca exprimia grandes preocupações com o comércio e a economia, repudiando violentamente a predominância de comerciantes estrangeiros no país – como a maioria destes era portuguesa, queria impedir a imigração de Portugal e proibir que os já residentes no Brasil fossem empregados no comércio. Em outro plano, antecipando em muito o emprego da oralidade no texto de imprensa periódica, o paraibano, nas palavras de Matías Molina, “adotou uma ortografia peculiar, que qualificava como ‘ortografia filosófica ou da pronunciação’, isto é, marcada pela fonética da região” (p. 241).

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No embate que colocava o Diário de Pernambuco e o Diário Novo como pólos opositores, o último ainda contou com mais dois satélites. O primeiro seria O Proletario – Jornal politico, foi um jornal liberal lançado a 18 de agosto de 1847, pelas mãos de J. F. de Souza, em meio às polêmicas demissões de Chichorro da Gama. Impresso na Typographia Liberal, de F. B. Mendes, localizada no nº 48 da Rua das Agoas-Verdes, teve vida curta. Mas viveu o suficiente para se notabilizar por seu envolvimento na agitação que culminaria na Revolta Praieira, em 1848, deixando de ser publicado aparentemente por conta da instabilidade política local: foi extinto provavelmente após sua edição nº 9, de 29 de setembro de 1847. De início, a folha aparentava ser crítica tanto ao Partido Liberal quanto ao Partido Conservador, os dois pólos da política brasileira; no entanto, mostrando-se radicalmente tendencioso à facção praieira liberal, que então comandava a província, denunciando a ação nefasta do “bando infame” dos “guabirus cabanos”.

Às vésperas da revolta de 1848, naturalmente, O Proletario se via envolvido no mesmo contexto de disputa em que se batiam os periódicos locais. Mas, curiosamente, tanto O Tribuno quanto O Lidador eram ferozmente criticados por J. F. de Sousa. Seu jornal, afinal, destacou-se também por fazer oposição mesmo ao padre liberal Miguel do Sacramento Lopes Gama, então responsável pelo jornal O Sete de Setembro, mas mais conhecido como O Carapuceiro, por ter editado jornal com este nome entre 1832 e 1847. Foi, aliás, em reação a uma colocação de Lopes Gama que Souza optou por chamar sua folha de O Proletário. Nas palavras do texto de lançamento da primeira edição d’O Proletário, referindo-se a si próprio:

A coroa e a nação terão mais este escriptor da classe do povo, a quem tractão os fidalgos da terra por canalha; e esse, com a coragem pernambucana, defenderá a causa nacional. O seu último cartuxo será gasto em defesa do Sr. D. Pedro II e da constituição política do Imperio. As duas olygarchias pois não conseguirão arvorar o seu ediondo estandarte; e se o conseguirem, o que se duvida, os cadáveres do Proletario e dos cidadãos livres servirão de base a esse monumento do crime – he melhor morrer do que ser escravo –: essa é a divisa do pernambucano livre. Talvez cause admiração o título de Proletario que damos ao nosso jornal; e por isso é necessário, que demos a rasão porque o escolhemos. Um padre que ainda não pertenceo a um só partido que o não trahisse, e que ainda não se acenou com qualquer paga, que se não corrompesse, é quem nos movêo apresenta-lo. Do recinto da camara temporária sua voz monótona, sua voz trahidora e corrompida teve a ousadia de qualificar o corpo eleitoral da província de Pernambuco de Proletario –: e como o redactor deste jornal é eleitor força, é que, tomando esse nome, esmague o infame jezuita e todos aquelles que com elle fazem coro (...).

Ao todo, O Proletario atacou sem pudores personalidades públicas como Francisco do Rego Barros (então barão de Boa Vista), Antonio Borges da Fonseca (redator d’O Tribuno), Antonio Joaquim de Mello, Paulino José Soares de Souza e outros. Por outro lado, não só Chichorro da Gama era elogiado, mas também seu chefe de polícia, Antonio Afonso Ferreira.

O outro satélite do Diário Novo, em defesa da mesma agenda, foi A Revolução de Novembro, um jornal já explicitamente intitulado de acordo com o levante praieiro. Foi, naturalmente, um órgão liberal, nacionalista e republicano criado no Recife por Afonso de Albuquerque e Mello, editado entre 19 de agosto de 1850 e 11 de dezembro de 1852. Em suas páginas eram expostos e problematizados a Revolta Praieira, os ataques conservadores à mesma, e, principalmente, as inúmeras Revoluções de 1848, que constituíam a Primavera dos Povos propriamente dita, ocorrida na Europa, especialmente na França. O título do periódico era referência não só a explosão da Praieira, mas também referência à data de promulgação da Constituição francesa, em 12 de novembro de 1848, onde se estabeleceu uma república presidencialista baseada no sufrágio universal, com um legislativo unicameral. Elogio a esse advento, os editores do periódico lutavam para que tal formato governamental se instalasse no Brasil.

Embora tenha sido o segundo periódico que Afonso de Albuquerque e Mello lançara no Recife, em seu último ano de circulação, A Revolução de Novembro foi redigida, justamente, pelo liberal radical paraibano Antonio Borges da Fonseca, que acabara de ser anistiado de uma condenação de prisão perpétua, em Fernando de Noronha, por sua participação na Revolta Praieira. Em 1848, o ano em que o grupo liberal pegaria em armas para restabelecer o domínio da província pernambucana depois da imposição de um presidente conservador, Mello editara A Reforma, que, ao lado d’O Velho Pernambucano, de Filipe Lopes Netto, d’O Grito da Pátria, de João de Barros Falcão de Albuquerque Maranhão, e d’O Guarda Nacional, de Jerônimo Vilela de Castro Tavares, compôs a imprensa liberal estudantil do Recife, totalmente envolvida na questão praieira, assim como o jornal “oficial” dos insurgentes, o Diario Novo. A Reforma, nas palavras de Nelson Werneck Sodré,

(...) condenaria as agitações de junho, temeria a luta armada que se avizinhava, advertindo, em sua edição de 27 de junho: “Corremos hoje com passos agigantados no caminho de um completo desmoronamento; e para evitar semelhante cataclismo, precisamos de reformas radicais na nossa organização social e política”. Essa a imprensa liberal, de esquerda e de extrema-esquerda, que travaria o combate das ideias com a imprensa conservadora e de direita, capitaneada pelo Diário de Pernambuco, mas também servida por outros jornais, como O Lidador, que circulou entre 1845 e 1847, ou como A União, que raiaria ao ultramontanismo. (p. 151)

O temor de Afonso de Albuquerque e Mello, naquela ocasião, era justificável, dada a instabilidade política da Pernambuco de então. Quando a Praieira foi derrotada, em 1850 Albuquerque e Mello retomava a luta política através de seu segundo periódico. Diz Werneck Sodré:

A 19 de agosto de 1850 iniciaria a sua existência A Revolução de Novembro, que circulou até 15 de janeiro de 1851, sob a direção de Afonso de Albuquerque Melo. Revivia a rebelião praieira e afirmava: “Essa luta não é, pois, de partido; é do povo contra o poder; e os que, em serviço ao poder, combatem contra o povo, são levados pelas paixões que têm nutrido os corações, as intrigas e a corrupção do Paço”. Denunciava as violências policiais contra a imprensa: “De tudo tem usado o poder para não sair esta folha: os seus agentes estão a fazer constantemente à senhora viúva Roma avisos de terror, para ver se ela desiste da empresa”. Tais palavras da edição inicial, referiam-se à pressão contra a imprensa, exercida pela polícia conservadora. De 1º de setembro a 11 de dezembro de 1852, A Revolução de Novembro editou (...) números sob a direção de Borges da Fonseca. Começaria, ao sair da prisão em Fernando de Noronha, por agradecer a Albuquerque de Melo os serviços prestados, mencionando que a sua “lealdade à causa popular muito lhe deve merecer ante o povo, razão por que o tem comprometido e sacrificado os defensores dos privilégios, dos portugueses, e da Corte”. Aduzia que o jornal se destinava a “contestar as falsas doutrinas dos que, vendidos ao governo, pretendiam desvirtuar a gloriosa revolução de 1848”. Em maio de 1853, entretanto, Borges da Fonseca abandonaria Pernambuco; ia começar, no Rio de Janeiro, a quinta e última fase do Repúblico (...). (p. 154/155)

Quando lançada, A Revolução de Novembro vinha com uma ilustração, em sua página de rosto, que continha uma bandeira pedindo uma Assembleia Nacional Constituinte, além da provocativa inscrição “O Brazil não é dos brazileiros”. Em seguida, a ilustração foi substituída por um subtítulo simples, “Constituinte!”, que, nos últimos momentos do jornal, mudou para “Prinsipios, e não omens”. Esse subtítulo, afinal, era acompanhado da reprodução de alguns de versos publicados originalmente na edição nº 425 do periódico Grito Nacional, datada de 30 de julho de 1852. Versos tais que cabem perfeitamente ao fechamento de um texto sobre a Revolução Praieira, suas paixões, contradições e rompantes: “Maldito o que sabe/Pedir Liberdade/Ao tempo que sofre/A actualidade!/Maldito o que deixa/A Pátria sofrer/E p’ra defende-la/Não sabe morrer!”.

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Diário de Pernambuco

O Lidador

A União

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O Tribuno

O Proletário

A Revolução de Novembro