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Jornal de Timon

28 nov 2014

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e marcado com as tags História social, João Lisboa, Liberalismo, Maranhão

Fundado e redigido pelo jornalista e historiador João Francisco Lisboa, o Jornal de Timon foi lançado em São Luís (MA) em 25 de junho de 1852. Inicialmente mensal, impresso na “Typographia Const. de I. J. Ferreira”, no nº 23 da Rua da Paz, o periódico abordou especialmente história política, tanto do Maranhão quanto de países europeus, ao longo da Antiguidade, da Idade Média e da Idade Moderna. Emprestando o nome do filósofo grego conhecido por sua misantropia (Timon), João Lisboa acabou assumindo a alcunha de “o Timon Maranhense”, tendo entrado para história intelectual brasileira como o patrono da Cadeira nº 18 da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Em formato pequeno, próximo ao de livros, o Jornal de Timon trazia em suas páginas de rosto a epígrafe “Periculum dicendi non recuso”, frase do filósofo romano Cícero. O prospecto de sua edição inicial, de 25 de junho de 1852, expunha as causas do estilo crítico que João Lisboa imprimiria em diversas avaliações:
O obscuro canto do mundo que habitamos não podia escapar á sorte commum, e a epocha que nos coube atravessar, é uma daquellas em que o mal tem decidida preponderancia; (...) o mal vil e despresível, o lodo, a baixeza, a degradação, a corrupção, a immoralidade, toda a casta de vicios enfim, tormento inevitavel dos animos generosos que os cegos caprichos do acaso designaram para espectadores destas scenas de opprobio e de dor. Timon, antes amigo contristado e abatido, do que inimigo cheio de fel e desabrimento, emprehende pintar os costumes do seu tempo, encarando o mal sobretudo, e em primeiro logar, senão exclusivamente, sem que nisso todavia lhe dê primazia, ou mostre gosto e preferencia para a pintura do genero. Ao contrario, faz uma simples compensação, porque o mal, nas apreciações da epocha, ou é esquecido, ou desfigurado.

Na sua edição inicial, o Jornal de Timon trazia o exame das eleições ao longo da História, detendo-se em práticas locais. Assim, em uma primeira parte, publicou estudos sobre as eleições na Antiguidade, especificamente tratando de Atenas, Esparta e a Roma republicana e imperial. Em uma segunda parte, a edição trata das eleições na Idade Média e na Idade Moderna, focando-se na Roma católica, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França e na Turquia. Um epílogo vinha com avaliações do autor e assuntos complementares.

As edições dos números 2 ao 4 do Jornal de Timon , publicadas em 1852 e 1853 (caso exclusivo do nº 4), tratavam de aspectos gerais da história política na Província do Maranhão. Nestas, em estilo pungente e por vezes irônico, influenciado pelo pensamento liberal, o jornal do Timon Maranhense acabou desenvolvendo ampla crítica aos costumes políticos de sua época, sobretudo por sua leitura dos processos eleitorais, dos partidos políticos e da imprensa. Através de experiências eleitorais de um passado recente, abordou-se, assim, particularidades do presidente da província, cerimônias oficiais, as relações entre o governo e a Igreja, a imprensa e o governo, instalações e logística oficiais, particularidades dos partidos políticos locais, lideranças político-partidárias, articulações e dissoluções nos partidos, questões econômicas maranhenses, perseguição a quilombos, rivalidades e tumultos de ordem política, opressão violenta do poder público através de espancamentos e mortes, festejos populares, corrupção durante eleições, relações da província com o poder imperial, desenvolvimentismo através do trabalho e da riqueza, entre outras coisas.

Em sua 5ª edição, de 1853, o Jornal de Timon iniciou uma série extensa, que duraria até o fim do periódico, em 1858, intitulada “Apontamentos, notícias e observações para servirem á História do Maranhão”. Assim, o nº 5 apareceu dividido em três livros. O primeiro abordou o Descobrimento da América e do Brasil, o início da colonização do Maranhão, particularidades de antigos exploradores e cronistas do Descobrimento, a divisão do Novo Mundo por Portugal e Espanha e, por fim, o sistema de capitanias hereditárias. O segundo livro do nº 5 tratou da invasão francesa no norte do Brasil colonial (incluindo a ocupação francesa no Maranhão), expedições portuguesas visando a extirpação dos franceses, batalhas e tréguas e o fim da invasão francesa no Brasil. Finalmente, o terceiro livro da 5ª edição focava a invasão holandesa no norte brasileiro, com a tomada do Maranhão pela armada holandesa, saques e deportações de importantes habitantes de São Luís, a insurreição popular contra o domínio estrangeiro, o cerco português à capital maranhense, atrocidades e devastações durante os conflitos, batalhas e conflitos cruciais e o fim dos holandeses no Brasil.

Após o lançamento de sua 5ª edição, o Jornal de Timon passou a aglomerar suas edições em volumes mais grossos. No ano de 1853, um único volume reunindo os números 6, 7, 8, 9 e 10 foi lançado, totalizando quase 420 páginas. Editorialmente, o nº 6-10 apenas prosseguiu com a publicação dos “Apontamentos, notícias e observações para servirem á História do Maranhão”, dando continuidade aos três livros componentes do nº 5. Assim, o quarto livro trazia um “Parallelo das invasões franceza e holandeza”. O quinto e o sexto estudavam questões e particularidades ligadas aos povos indígenas brasileiros, com suas culturas e costumes, sua organização social e seus meios de subsistência, suas crenças espirituais e línguas, sua escravidão e suas relações gerais com os invasores europeus, seu definhamento frente ao processo de colonização, a antropofagia de prisioneiros de determinadas tribos, avaliações feitas por Pero Vaz de Caminha e Padre Antônio Vieira, legislação portuguesa e bulas papais sobre os indígenas e particularidades de tribos e comunidades em toda a América setentrional. O sétimo e o oitavo livros, por sua vez, tratavam exclusivamente da relação entre indígenas e os jesuítas, abordando princípios gerais e doutrinas da ordem jesuítica, a figura de Ignácio de Loyola, a missão de São Francisco Xavier no oriente, a chegada da ordem ao Brasil, lutas entre jesuítas e colonos pela libertação indígena, missões no Maranhão, a vida e a atuação do Padre Antônio Vieira, episódios marcantes na história da atuação dos missionários na colônia, etc.

A periodicidade do Jornal de Timon não foi regular. De acordo com o verbete sobre João Francisco Lisboa no site da Academia Brasileira de Letras, “Os cinco primeiros números [do Jornal de Timon] circularam mensalmente. Somente em 1854 saíram, em volume [único] de 416 páginas, os fascículos de 6 a 10”. A pausa na publicação após 1854 deu-se pela transferência de João Lisboa para o Rio de Janeiro em 1855. Após curto período na capital brasileira, o maranhense “partiu para Lisboa, incumbido pelo Governo Imperial de coligir, em Portugal, documentos e dados elucidativos da história brasileira”.

Após anos sem circular, por volta de março de 1858 foi lançado o nº 11/12 do Jornal de Timon, em Portugal. Sua impressão foi viabilizada junto à Imprensa União-Typographica, no nº 113 da Rua dos Calafates. Com a retomada, a edição vinha com um texto explicativo aos assinantes do periódico:
A regularidade da publicação (...) foi embaraçada por diversas circumstancias. Quando sahimos da província [do Maranhão] em 1855 faltavam ainda dous numeros (cento e sessenta a dusentas paginas) para completar-se o programma.Prevendo o quanto as nossas viagens ao Rio e á Europa poderiam retardar o pagamento desta divida, offerecemos desde logo restituir o importe correspondente das assignaturas; mas nem um só subscriptor se quiz aproveitar deste direito, e todos preferiram esperar. Penhorado por esta lisongeira prova de confiança e benevolencia, o auctor tem hoje a satisfação de apresentar-lhes os n.ºs 11 e 12 do Jornal de Timon, duplicando o numero das paginas devidas, como uma especie de compensação á longa demora.

Mesmo com o hiato em sua periodicidade, o nº 11/12 do Jornal de Timon prosseguiu com os “Apontamentos, notícias e observações para servirem á História do Maranhão”, tratando de assuntos gerais relativos ao Maranhão e ao Brasil coloniais. Em perspectiva crítica e analítica, a edição abordou o regime absolutista, as primeiras tentativas de colonização do Maranhão, o governo de Ruy Vaz de Sequeira e de alguns de seus sucessores, destruição de tribos indígenas locais, legislação colonial, questões acerca da fundação do governo geral da Bahia, a magistratura e o clero, questões concernentes às ordens religiosas no Brasil, instituições e figuras públicas maranhenses, organização social das capitanias, legislação criminal e para imigrantes, expedições militares, escravidão e liberdade de indígenas e povos africanos, questões ligadas a atividades econômicas (comércio, indústria, agricultura, navegação, monopólios, privilégios, legislação, etc.), a Revolta de Beckman (ou Bequimão) em 1684, administração pública imperial (inclusive seus abusos, episódios de corrupção e incompetência, etc.), estatísticas provinciais e documentos oficias, usos e costumes Maranhenses, entre outras coisas. Assim, por abordar a história do Maranhão e outras questões brasileiras, a edição tardia de nº 11/12 do Jornal de Timon, acabou atendendo às obrigações de João Lisboa para com o Governo Imperial. No entanto, esta edição seria a derradeira do periódico.

João Lisboa, como historiador político, chegou a enfrentar certa resistência por seu trabalho no Jornal de Timon. Ainda de acordo com o verbete da ABL, o intelectual "Atacou, entre outros, [Francisco Adolfo de] Varnhagen, pelo método que empregou na História do Brasil. Apareceu, então, em Lisboa o panfleto Diatribe contra a timonice. Seu autor, disfarçado sob o pseudônimo de Erasmo, era o cunhado do próprio Varnhagen, Frederico Augusto Pereira de Moraes. Também Varnhagen replicou no opúsculo Os índios bravos e o senhor Lisboa".

No ano de 1995, a editora Companhia das Letras publicou o livro “Jornal de Timon – Partidos e eleições no Maranhão”, organizado por José Murilo de Carvalho, que traz transcritos o segundo e o terceiro volumes do Jornal de Timon. Em 2004, o vol. 28 das Edições do Senado Federal republicou os números 1, 2, 3 e 4 do Jornal de Timon. Tal volume encontra-se disponível para consulta no site da Biblioteca Digital do Senado Federal: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/1098

Fonte

- Acervo: edição nº 1, de 1852; nº 2, de 1852; nº 3, de 1852; nº 4, de 1853; nº 5, de 1853; nº 6-10, de 1853; e nº 11/12, de 1858.

- João Francisco Lisboa. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=891&s... Acesso em 3 jul. 2012.

- Jornal de Timon - Partidos e eleições no Maranhão. Companhia das Letras. Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10528 Acesso em 3 jul. 2012.

- LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon. Eleições na Antiguidade. Eleições na Idade Média. Eleições na Roma Católica, Inglaterra, Estados Unidos, França, Turquia. Partidos e eleições no Maranhão. Edições do Senado Federal – Vol. 28. Brasília: Senado Federal, 2004. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/1098/4/714621.pdf Acesso em 3 jul. 2012.

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