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Literatura | A Simples e Complexa Maria José Dupré

25 nov 2021

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Quer se trate de sua produção para adultos, quer das obras e séries voltadas para o público mais novo, os livros de Maria José Dupré estão guardados na memória de várias gerações de brasileiros.

Filha de uma famíla de classe média, Dupré (Botucatu, SP, 1898 – Guarujá, SP, 1984), cujo nome de solteira era Maria José Fleury Monteiro, foi alfabetizada em casa, estudou música e pintura e, mais tarde, cursou a Escola Normal em São Paulo. Em 1922 casou-se com o engenheiro Leandro Dupré, que viria a incentivá-la a escrever seu primeiro conto, baseado numa história de família. “Meninas Tristes” saiu no suplemento literário do jornal “O Estado de São Paulo” em 1939, com o pseudônimo “Mary Joseph”, logo substituído por outro: “Sra. Leandro Dupré”. Este seria usado por um longo tempo, embora alguns críticos o considerassem “aborrecido” e recomendassem à autora que passasse a usar seu primeiro nome.

Em 1941, o livro de estreia de Dupré -- “O Romance de Teresa Bernard”, publicado pela Civilização Brasileira – foi um sucesso de vendas. Isso abriu caminho para que, dois anos depois, surgisse “Éramos Seis”, a obra mais conhecida e mais criticada da autora. Narrado por Lola, uma mãe de família paulista, e cobrindo várias gerações, o livro foi elogiado por Monteiro Lobato e por alguns críticos da época, mas, na mesma medida, atacado por outros, que o consideravam mal escrito, simplório, feito “para levar mocinhas às lágrimas” e desprovido de qualidades literárias.

Leia uma apreciação publicada na revista “Vamos Ler!”, cujo autor pontua tanto qualidades quanto defeitos da obra da Sra. Leandro Dupré (1943).

Ciente das críticas que lhe dirigiam, a escritora as enfrentou de cabeça erguida e com aparente bom-humor. Numa entrevista, afirmou que não julgava ter êxito em sua carreira, visto que os muitos elogios que recebia eram contrabalançados com igual número de avaliações negativas. Suas obras, no entanto, continuaram a vender ao longo dos anos, principalmente “Éramos Seis”, que teve sua primeira adaptação para as telas já em 1945. Trata-se de uma produção argentina, que, no Brasil, foi exibida com dublagem.

Leia uma nota e veja o elenco da versão argentina para o cinema de “Éramos Seis”, publicada em 1946 na revista “Fon-Fon”. Aqui é citado o Prêmio Raul Pompeia, da Academia Brasileira de Letras, conferido ao livro em 1944.

Ainda em 1943, Maria José e seu marido fundaram a Editora Brasiliense em sociedade com Monteiro Lobato, Arthur Neves e Caio Prado Jr. Ali ela passou a publicar livros infantis, começando por “Aventuras de Vera, Lúcia, Pingo e Pipoca”, também premiado pela ABL (1943), e prosseguindo com obras que trariam de volta alguns personagens: “A Ilha Perdida” (1944), “A Montanha Encantada” (1945) e “A Mina de Ouro” (1946). No último, o herói da história é um cãozinho de nome Samba, que ganhou sua própria série de livros, iniciada em 1949 e concluída dezoito anos depois com o sexto volume, “O Cachorrinho Samba na Fazenda” – ele estivera na Bahia e até mesmo na Rússia. A série fez muito sucesso e teve várias reedições, assim como os outros títulos. Em 1973, “A Ilha Perdida” foi um dos primeiros volumes lançados pela Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática, e chegou a 3,5 milhões de cópias vendidas.

“Éramos Seis” – originalmente escrito para adultos – também saiu pela “Vaga-Lume”, mas antes disso chegou aos jovens leitores por meio de uma adaptação para quadrinhos, publicada em 1956 na série Edição Maravilhosa da EBAL. Segundo a pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional, Raquel França Ferreira, o adaptador, André Le Blanc – que também ilustra a obra – provocou alterações drásticas no texto, com o corte de várias passagens. O livro, que continuava a vender bastante, foi adaptado como telenovela nada menos que cinco vezes, em 1958 (TV Record), 1967, 1977 (ambas na TV Tupi), 1994 (SBT) e, por fim, em 2019, na TV Globo. Essa foi a única versão em que o final do livro foi alterado, dando um novo amor à protagonista Lola, vivida por Glória Pires.

Ao mesmo tempo que publicava e fazia sucesso com as obras infantis, Maria José Dupré escreveu outras voltadas para o público adulto. “Gina” (1945), transformado em telenovela em 1978, com grandes alterações em relação ao livro, e “Os Rodriguez” (1946) são romances fortes, que, embora com escrita sutil, lidam com temas como a pobreza, o abandono, a prostituição e a hipocrisia da sociedade. “Dona Lola” (1949) é a esperada continuação de “Éramos Seis”, enquanto “A Casa do Ódio” (1951) é uma coletânea de seis contos que inclui o primeiro publicado, “Meninas Tristes”. Ainda sairiam os romances “Vila Soledade” (1953), “Angélica” (1955), “Menina Isabel” (1958) e a autobiografia “Os Caminhos” (1969), em que acontecimentos como a crise econômica ligada à produção cafeeira, as revoluções ocorridas no Brasil e a eclosão da Segunda Guerra Mundial são o pano de fundo para contar a história da autora e de sua família. Os mesmos temas, aliás, permeiam toda a sua obra para adultos, que tratam dos costumes da sociedade enquanto acompanham histórias pessoais e familiares.

Leia o conto de Maria José Dupré “O Divórcio”, publicado na revista Fon-Fon (1953).

Frequentemente baseados em histórias que ouviu ou mesmo tomou parte, ainda que indiretamente, os livros de Maria José Dupré denotam um grande poder de observação. Seus personagens, por vezes representantes de uma camada social específica, são humanos e bem construídos, e sua linguagem é simples e despretensiosa, o que não torna a obra menos envolvente. Estudiosos contemporâneos apontam “Éramos Seis” como uma das maiores obras literárias produzidas no Brasil do século XX; a escritora e crítica literária Maria Lúcia Silveira Rangel compara Dupré a Margaret Mitchell, autora de “O Vento Levou”, enquanto Roberto Alvim Correa traça um paralelo entre a escritora paulista e Máximo Gorki, mestre em retratar as pessoas do povo, os dramas e a complexidade de seu cotidiano.

E, além disso – o que sempre foi o mais importante –, milhões de brasileiros recordam com afeto a leitura de “A Ilha Perdida” e “A Mina de Ouro”, que inspiraram muitos jovens a criar suas próprias aventuras e integram a bagagem literária de vários de nossos melhores escritores.



Maria José Dupré na revista Vamos Ler! (1943)