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Literatura | Adonias Filho, Grapiúna

07 dez 2021

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“Chego das ruas de Ilhéus, onde éramos meninos há menos de meio século. Meninos de Ilhéus, e é nessa condição que antes de tudo vos saúdo, com alegria e amizade fraternal, em nome dessa gente grapiúna de quem sois orgulho e glória.” Foi com essas palavras que Jorge Amado deu as boas-vindas na Academia Brasileira de Letras a seu conterrâneo, Adonias Filho, vindo como ele das terras do cacau.

Filho de fazendeiros, Adonias Aguiar Filho (Itajuípe, BA, 1915 – Ilhéus, BA, 1990) começou a trabalhar com jornalismo em Salvador, onde concluíra o curso secundário. Em 1936 foi viver no Rio de Janeiro, e ali passou a colaborar com o “Correio da Manhã” e em outros jornais, onde fazia crítica literária. Também traduziu vários romances, entre eles “O Pântano do Diabo”, de George Sand, e “Kaspar Hauser”, de Jacob Wassermann.

Leia um texto de Adonias Filho acerca do romance brasileiro, publicado no “Correio da Manhã” em 1937. Nesse mesmo ano, o autor escreveu um livro-manifesto intitulado “O Renascimento do Homem”, pautado por ideias e valores do Integralismo, com o qual se identificava àquela época.

Em 1945, Adonias Filho se casou com Rosa Galeano, com quem teria os filhos Raquel e Adonias Neto. Em 1946 passou a dirigir o jornal “A Noite” e publicou pela José Olympio seu primeiro romance, “Os Servos da Morte”, ambientado numa fazenda no interior da Bahia. O livro foi bem recebido pelos críticos, vários dos quais apontaram a influência de Dostoiévski – e alguns a de Edgar Allan Poe -- na construção do drama familiar e do cenário sombrio, repleto de segredos e maldições.

Leia uma crítica de “Os Servos da Morte” por Ascendino Leite, no suplemento Letras e Artes do jornal “A Manhã”, 1946.

Adonias Filho foi diretor de “A Noite” até 1950, quando também se candidatou a deputado federal pela UDN. Dois anos depois publicou o romance “Memórias de Lázaro”. Por uma década, entre 1961 e 1971, foi diretor da Biblioteca Nacional, nomeado por Jânio Quadros. Segundo Luciana Grings, pesquisadora da instituição, Adonias Filho iniciou uma campanha em prol da valorização dos bibliotecários como servidores públicos, defendendo a modernização das técnicas e da administração da casa. Sua nomeação foi bem recebida tanto pelos profissionais da área quanto por intelectuais, artistas e jornalistas; durante sua gestão, a Biblioteca Nacional cresceu na qualidade de centro cultural e abrigou inúmeras exposições e eventos, embora também enfrentasse problemas para os quais nem sempre se encontrou uma solução.

Em 1962, o escritor baiano publicou o romance “Corpo Vivo”, cujo protagonista é o fora-da-lei Cajango. Segundo o autor, Cajango não é baseado numa pessoa real (caso, por exemplo, do Manuelzão de Guimarães Rosa), mas foi construído a partir de suas vivências, desde menino, numa região marcada pelas disputas e pelas memórias do cangaço.

Saiba mais sobre isso em entrevista do autor à “Revista do Livro”, 1970.

Em 1965, Adonias Filho, que por algum tempo acumulou o cargo de diretor da Biblioteca Nacional com o da Agência Nacional do Ministério de Justiça, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Três anos depois lançou um de seus livros mais aclamados, “Léguas da Promissão”, com o qual venceu o Prêmio Paula Brito e o Golfinho de Ouro de Literatura, patrocinado pelo Museu da Imagem e do Som da Guanabara. O livro é composto por novelas cuja narrativa, tecida com lirismo, musicalidade e sensorialidade, colabora para criar uma atmosfera deslocada da realidade, um espaço quase mítico que suaviza a violência e as lutas pelo poder descritas nas histórias.

Ao longo das duas décadas seguintes, o escritor baiano continuou a produzir e a atuar em organismos como a Associação Brasileira de Imprensa e o Conselho Federal de Cultura. Publicou ensaios, romances e livros de literatura, destacando-se “Luanda Beira Bahia”, de 1971, e “As Velhas”, 1975, com o qual venceu o Prêmio Jabuti e que muitos críticos consideram sua obra-prima. Segundo Marcus Mota, da UnB, o livro, que gira em torno de quatro matriarcas do sertão baiano, foi a última obra ficcional de Adonias Filho ligada ao projeto narrativo proposto pelo autor desde “Os Servos da Morte”.

Parte importante da produção de Adonias Filho em seus últimos anos foi voltada para crianças e jovens. Isso inclui tanto livros autorais quanto traduções e adaptações feitas para a Coleção “Os Grandes Personagens e a História”, da Ediouro/Tecnoprint. A mesma editora publicou e, por fim, comprou em definitivo os direitos do livro “Os Bonecos do Seu Pope” (1989), cujo pagamento serviu para custear o tratamento de saúde de Rosa, esposa do escritor. Através do protagonista, um sábio titereiro, Adonias Filho reafirmou a importância do ofício de contador de histórias, bem como a disposição de escolher a retirada para preservar a paz frente ao conflito e à possível violência. Trata-se quase de uma despedida: um prelúdio à partida do autor, que morreu em sua fazenda, em agosto de 1990, pouco tempo após o falecimento de Rosa.



Adonias Filho em fotografia publicada no “Correio da Manhã”, 1961.