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Literatura | Autran Dourado, Trágico e Barroco

11 maio 2022

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Um dos mais expressivos escritores brasileiros do século XX, Autran Dourado trouxe influências do Barroco e do teatro grego para seus romances, ambientados no interior do Brasil.

Waldomiro Freitas Autran Dourado (Patos de Minas, MG, 1926 – Rio de Janeiro, 2012) era filho de um juiz e mudou várias vezes de cidade durante a infância. Em 1940 foi residir em Belo Horizonte com a família; lá terminou os estudos clássicos e ingressou na Faculdade de Direito. Aos 17 anos concluiu seu primeiro romance e o apresentou ao escritor Godofredo Rangel, que o incentivou a continuar escrevendo. Algum tempo mais tarde, fundou, com outros jovens, a revista “Edifício”. Em 1947, trabalhando na Assembleia Legislativa, estreou na Literatura com a novela “Teia”.

Os livros seguintes do autor, “Sombra e Exílio” (1950) e “Tempo de Amar” (1952), foram bem recebidos pela crítica e angariaram prêmios literários. A consagração viria com “A Barca dos Homens” (1961), uma história repleta de metáforas, ambientada numa ilha imaginária do litoral brasileiro. Primeiro livro de Autran Dourado a ser traduzido, foi considerado o melhor romance do ano pela União Brasileira de Escritores. Já “Uma Vida em Segredo” (1964), obra intimista que acompanha a adolescência e o amadurecimento da jovem Biela, não teve tanta repercussão na época, mas o autor o considerava seu favorito.

Leia um elogio de Assis Brasil a “Uma Vida em Segredo”, publicado na revista “Leitura” em 1964.

Ainda na década de 1950, Autran Dourado havia se mudado para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na campanha à presidência de Juscelino Kubitscheck e, mais tarde, tornou-se seu assessor de imprensa. Em 1967 publicou mais um livro aclamado pela crítica, “A Ópera dos Mortos”, que foi incluído na coleção “Obras Representativas da Literatura Universal”, da UNESCO. O romance de traços góticos e forte teor psicológico, que admite neologismos, mas também alguns termos e falares regionais, gira em torno de Rosalina, moradora de um sobrado decadente no interior de Minas, e Juca Passarinho, um andarilho que chega à cidade e se imiscui em sua vida e pensamentos.

Leia um artigo de Fábio Lucas sobre “A Ópera dos Mortos”, publicado no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” em 1968.

Leia o perfil de Autran Dourado por Remy Gorga Filho, publicado na “Revista do Livro” em 1970. O autor mineiro fala sobre sua obra, sua formação como leitor e seu processo de criação literária.

Na década de 1970, Autran Dourado publicou mais dois livros premiados: “O Risco do Bordado” (1970, Prêmio Pen Club do Brasil), romance de formação narrado de forma fragmentada, e “Os Sinos da Agonia” (1974, Prêmio Paula Brito), que recria o mito grego de Fedra e Hipólito na Vila Rica do século XVIII. O livro incorpora não apenas elementos da cultura clássica, mas também do Barroco, que influenciou a arte e a arquitetura daquela região de Minas. Segundo o crítico Massaud Moisés, trata-se da obra mais bem estruturada de Autran Dourado e aquela em que os personagens são mais bem trabalhados do ponto de vista psicológico.

Leia a análise de Paulo Rónai sobre “O Risco do Bordado”, publicada no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” em 1970.

Conheça algumas opiniões de Autran Dourado sobre a Literatura e a produção brasileira neste “Auto-Retrato” publicado no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” em 1981.

Autran Dourado produziria ainda vários romances, livros de contos – um dos quais, “As Imaginações Pecaminosas”, de 1981, conquistou os Prêmios Goethe e Jabuti --, e ensaios literários nos quais explanava sobre seu método de trabalho, tais como “Breve Manual de Estilo e Romance” (2003). Publicou ainda um livro de memórias, “Gaiola Aberta” (2000), tratando de sua experiência como assessor de Kubitscheck. No ano 2000 foi agraciado com o Prêmio Camões e, em 2008, com o Machado de Assis, conferido pela Academia Brasileira de Letras, que contempla o conjunto da obra.

Casado por décadas com Maria Lúcia, o escritor mineiro foi pai de quatro filhos e chegou a conhecer dois bisnetos antes de falecer em casa, de uma hemorragia gástrica. Nos últimos anos de vida foi acometido do Mal de Parkinson, mas continuou a escrever, inclusive em redes sociais. Poucos dias antes de morrer, deixou uma mensagem em sua conta no Twitter, na qual afirmava: “Escrever é uma imitação. A gente escreve feito um menino que vê o livro como um brinquedo e pensa ah, eu quero um".



Autran Dourado na “Revista do Livro”, 1970.