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Literatura | Érico Veríssimo, Gaúcho Universal

09 nov 2021

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Um dos mais renomados escritores brasileiros, que também foi tradutor e atuou no mercado editorial, Érico Veríssimo (Cruz Alta, RS, 1905 – Porto Alegre, 1975) costumava definir a si mesmo como “um contador de histórias”.
Filho de uma dona de casa e de um farmacêutico que, nas horas vagas, administrava o pequeno jornal humorístico “O Calhorda”, Érico, ainda criança, confeccionou duas revistas artesanais, chamadas “A Caricatura” e “Íris”. Na adolescência, leitor de clássicos da literatura nacional e estrangeira, colaborou com o jornal do internato onde estudava. Ao terminar os estudos, a farmácia havia falido e seus pais estavam separados; Érico passou a trabalhar no armazém do seu tio e mais tarde em um banco. Tornou-se, por algum tempo, sócio de uma farmácia que também faliu, foi professor de Inglês e de Literatura e começou a fazer traduções.

Érico Veríssimo publicou seu primeiro conto, “Chico: Um Conto de Natal”, em 1927, no periódico mensal “Cruz Alta em Revista”. Em 1929, incentivado pelo também escritor gaúcho Manoelito de Ornelas, publicou dois contos na “Revista do Globo”, e no ano seguinte um no jornal “O Correio do Povo”. Com a falência da farmácia, mudou-se para Porto Alegre, onde passou a conviver com intelectuais e escritores, tais como Augusto Meyer e Mário Quintana. Logo seria contratado como secretário de redação da revista “O Globo”, da qual viria a se tornar diretor, atuando também no departamento editorial da Livraria do Globo. Traduziu diversos livros para a editora e, em 1931, casou-se com Mafalda Volpe, que seria sua companheira para toda a vida e a cuja paciência e bom senso creditava o sucesso de sua carreira literária. O casal teve dois filhos, Clarissa e o também escritor e articulista Luis Fernando Veríssimo.

Leia um artigo na página da Fundação Biblioteca Nacional sobre a Livraria do Globo.

Em 1932, Érico Veríssimo lançou um livro de contos, “Fantoches”, que não foi muito bem recebido pela crítica. No ano seguinte, o romance juvenil “Clarissa” fez relativo sucesso, enquanto “Caminhos Cruzados”, publicado em 1935, lhe valeu ser considerado subversivo e interrogado pelo governo acerca de sua posição política. Publicou duas continuações de “Clarissa” e obras infantis, como o paradidático “Aventuras de Tibicuera”, que saiu em 1937. Pouco antes disso, participara de programas de divulgação de literatura infantil na Rádio Farroupilha, logo interrompidos pela política do Estado Novo.

Foi em 1938 que Veríssimo publicou, enfim, um livro bem-sucedido junto à crítica e ao público, inclusive no exterior: “Olhai os Lírios do Campo”, protagonizado pelo médico ambicioso, e cheio de contradições, Dr. Eugênio Fontes. Na mesma época, o escritor se tornou conselheiro literário da Editora Globo, selecionando autores a serem publicados e participando da criação de coleções.

Leia uma carta de Veríssimo a Artur Ramos, elogiando a novela “Mas os Loucos Gritam nos Pátios”, de Gonçalves Fernandes, e informando que a Editora Globo não poderá publicá-la por estar com excesso de trabalho (1939, Setor de Manuscritos)

Leia um cartão enviado por Veríssimo a Nelson Werneck Sodré, elogiando seu trabalho e comentando o encontro de ambos (1940, Setor de Manuscritos).

Ao longo da década seguinte, o escritor publicou vários outros livros e passou duas temporadas nos Estados Unidos. Na segunda (1943-45) lecionou Literatura Brasileira na Universidade de Berkeley. Suas experiências no exterior foram narradas em “Gato Preto em Campo de Neve” e “A Volta do Gato Preto”. Em 1947, ele começou a escrever seu trabalho mais monumental, a saga “O Tempo e o Vento”, cujo primeiro volume, “O Continente”, foi publicado em 1949. O panorama histórico e cultural, que apresenta o Rio Grande do Sul desde os tempos da colônia, e os vários personagens marcantes -- Ana Terra, Pedro Missioneiro, Capitão Rodrigo – agradaram a críticos tão exigentes quanto Nelson Werneck Sodré, segundo o qual o livro conseguiu aquilo a que todos os romances deveriam se propor: transcender questões regionais e individuais para se ocupar de temas universais, comuns a toda a humanidade.

Leia um trecho de “O Continente”, primeiro volume de “O Tempo e o Vento”, no suplemento Letras e Artes do jornal carioca “A Manhã” (1950, Hemeroteca Digital).

O segundo volume de “O Tempo e o Vento”, intitulado “O Retrato”, foi publicado em 1951, mas o terceiro custaria a sair e foi precedido por outros trabalhos. Entre 1954 e 1956 – ano em que lançou a coleção “Gente e Bichos”, reunindo histórias infantis como “Os Três Porquinhos Pobres” e “O Urso com Música na Barriga” --, Veríssimo voltou a viver nos Estados Unidos, exercendo a função de diretor do Departamento de Assuntos Culturais da OEA. Sofreu um infarto em 1961 e, após um período de repouso, concluiu “O Arquipélago”, terceiro volume de “O Tempo e o Vento”, frequentemente publicado em duas partes.

Em 1965, “O Senhor Embaixador”, romance ambientado no meio diplomático que tratava de questões concernentes à América Latina, assegurou para Érico Veríssimo o Prêmio Jabuti. Sua primeira autobiografia, “O Escritor no Espelho”, saiu no ano seguinte. Em 1971 foi publicada uma das mais elaboradas obras de Veríssimo, “Incidente em Antares”. Nela, o escritor enveredou pelo Realismo Mágico para tratar da rebelião de mortos insepultos durante uma greve de coveiros, aproveitando para levantar questões políticas e sociais.

Leia uma análise da obra de Verissimo no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” (1973, Hemeroteca Digital)

Em 1973, após republicar “Fantoches” com ilustrações autorais, Veríssimo lançou o primeiro volume de uma nova autobiografia, “Solo de Clarineta”. O segundo, deixado inacabado, foi publicado postumamente: levado por um infarto, o escritor faleceu em 1975, às vésperas de completar 70 anos.

A obra de Érico Veríssimo foi traduzida em cerca de vinte idiomas. Alguns de seus livros foram adaptados para o cinema e a televisão; é o caso de “O Tempo e o Vento”, de que se fizeram filmes e minisséries, “Olhai os Lírios do Campo” e “Música ao Longe”, transformados em telenovelas, e o infantil “As Aventuras do Avião Vermelho”, que ganhou uma animação em 2015. A maior parte de seu arquivo pessoal, que inclui originais de obras como “Clarissa” e “Incidente em Antares”, além de correspondência, recortes, livros e outros documentos, se encontra sob a guarda do Instituto Moreira Salles.


Fotografia de Érico Veríssimo (Revista “Manchete”, 1971).