BNDigital

Literatura | Francisca Júlia, entre o Parnasianismo e o Simbolismo

13 nov 2021

Artigo arquivado em Literatura
e marcado com as tags Francisca Júlia, Gêneros Literários, Literatura Brasileira, Parnasianismo, Poesia Brasileira, Secult, Simbolismo

Apontada como um dos maiores expoentes da corrente parnasiana no Brasil, Francisca Júlia da Silva (Xiririca, SP, 1871 – São Paulo, 1920) também escreveu poemas de inspiração simbolista, bem como outros destinados a fins didáticos.

Ainda crianças, Francisca e seu irmão mais novo, Júlio César – que também se tornaria poeta e seu parceiro de escrita --, foram viver com a família em São Paulo, para que pudessem estudar. Em 1891, a jovem publicou no jornal “O Estado de São Paulo” seu primeiro poema, que não foi bem acolhido pela crítica. Francisca, porém, persistiu, e já no ano seguinte começou a colaborar com outros jornais, em especial “O Correio Paulistano”. O estilo empregado em seus versos levou o crítico e filólogo João Ribeiro a supor que se tratasse de um autor do sexo masculino, escrevendo sob pseudônimo; sanada a confusão, Ribeiro se tornou um admirador e apoiador da jovem poeta.

Leia um soneto de Francisca Júlia publicado no “Correio Paulistano” em 1893. Na mesma página, a coluna “Berlinda” traz um elogio à autora, descrita como “uma jeune fille (...) da alvura cetinosa das camélias”. (Hemeroteca Digital)

A colaboração de Francisca Júlia no periódico se estendeu até 1895. Nesse mesmo ano, incentivada por João Ribeiro, ela publicou seu primeiro livro, “Mármores”, que recebeu elogios de Olavo Bilac e consagrou a escritora como uma das poetas favoritas do seu tempo, frequentemente mencionada em jornais e revistas. Nesse livro se encontram seus mais famosos poemas, tais como “Dança de Centauras” e “Musa Impassível”, cujo título viria a ser usado por alguns para se referir a Francisca Júlia.

Em 1899 a autora publicou pela Tipografia do Diário Oficial, e com o patrocínio do governo de São Paulo, sua segunda obra, intitulada “Livro da Infância”. Com prefácio de seu irmão, Júlio César, o livro era voltado para o público infantil e consistia em 40 textos, boa parte dos quais adaptados a partir de obras europeias, especialmente alemãs. Outros eram poemas e textos em prosa da própria autora. O livro foi adotado em escolas públicas e particulares, como previsto. Três anos depois, a poeta foi uma das cofundadoras da revista “Educação”, e em 1903 publicou “Esfinges”, uma versão ampliada de “Mármores”, com algumas exclusões e acréscimos.

Em 1906, Francisca Júlia se mudou para Cabreúva, cidade do interior de São Paulo, onde passou a lecionar para crianças. No ano seguinte, recusou convite para participar da Academia Paulista de Letras, alegando não acreditar em tais instituições. Em 1908 estava de volta à capital e começava a se envolver com questões espirituais e metafísicas – proferiu, inclusive, uma conferência em Itu intitulada “A feitiçaria sob o ponto de vista científico”. Vivia bastante isolada, dedicada a estudos e afazeres domésticos, quando se casou com Philadelpho Munster, telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil.

O último livro de Francisca Júlia, escrito em parceria com seu irmão Júlio César, foi “Alma Infantil”. Também dedicado ao público escolar, foi publicado em 1912 e teve boa parte de sua tiragem adquirida pela Secretaria do Interior do estado de São Paulo.

Veja um dos muitos poemas de “Alma Infantil” reproduzido numa das lições da revista “A Escola Primária”, em 1918. O poema é acompanhado por um glossário, um resumo, um questionário e alguns exercícios, dentro da proposta de passar ensinamentos morais, além do conteúdo (Hemeroteca Digital).

Em 1916, o marido de Francisca Júlia foi diagnosticado com tuberculose, o que a fez mergulhar em depressão. Tinha também problemas de saúde que causavam alucinações. Seu estado foi-se agravando; os poemas que ainda escrevia falavam de uma busca pela paz, longe das provações terrestres. Por fim, a 1 de novembro de 1920 – dia que se seguiu à morte de Philadelpho –, a poeta se suicidou ingerindo uma dose excessiva de narcóticos. Seu funeral foi acompanhado por vários escritores que, dentro de pouco tempo, despontariam como grandes nomes do Modernismo, tais como Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, e ainda pelo pintor Di Cavalcanti. Foi dos artistas que veio a ideia de homenageá-la com um mausoléu. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e encomendado ao escultor de vanguarda Victor Brecheret, que, depois de ter lido alguns poemas de Francisca Júlia, decidiu-se por esculpir a “musa impassível” do soneto.

Leia uma apreciação da obra de Francisca Júlia pela escritora Rosalina Coelho Lisboa. O texto foi publicado na “Revista da Semana” em 1923, e nele se reproduz o soneto “Musa Impassível” (Hemeroteca Digital).

Celebrado em sua época, e importante como marco da poesia produzida por mulheres no Brasil, o nome da escritora foi, contudo, apagado da maior parte dos compêndios de História da Literatura. Hoje vem sendo resgatado por alguns estudiosos, que o situam na fronteira entre o Parnasianismo – pelo culto à forma, a impessoalidade, a referência ao mundo clássico – e o Simbolismo, pela sinestesia e subjetividade que lhe são inerentes.

Francisca Júlia - desenho a bico de pena por M. J. Garnier. S. D. (BN Digital - Setor de Iconografia).