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Literatura | Jorge Amado, um sem-fim de romances

23 ago 2021

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Um dos maiores romancistas nacionais, Jorge Amado (Itabuna, BA, 1912 – Salvador, BA, 2001) teve suas obras traduzidas em cerca de 50 diferentes idiomas, apresentando a Literatura Brasileira a milhões de leitores e contribuindo para o seu reconhecimento no exterior.

Filho de um fazendeiro de cacau, que no ano seguinte ao nascimento do menino se estabeleceu com a família em Ilhéus, Jorge Amado fez ali seus primeiros estudos, e com apenas 14 anos começou a trabalhar em jornais e participar da vida literária. Foi um dos fundadores da “Academia dos Rebeldes”, um movimento contestatório dos cânones literários, que propunha um modernismo mais próximo das realidades regionais. Dele também fazia parte, entre outros, o futuro etnólogo Edison Carneiro. O movimento durou de 1928 a 1933 e lançou duas revistas: “Meridiano”, da qual saiu apenas um número, e “O Momento”, que teve 9 números entre 1931 e 1932. Nesse meio-tempo, Jorge Amado publicou seu primeiro romance, “O país do carnaval”, lançado em 1931.

Leia um trecho do romance, ainda inédito, publicado em dezembro de 1930 no jornal baiano “Etc”. (Hemeroteca Digital)

Em 1935, com outros dois romances publicados, “Cacau” e “Suor”, Jorge Amado se formou pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. No mesmo ano publicou “Jubiabá”, e nos anos subsequentes sairiam dois de seus livros mais conhecidos, “Mar morto” e “Capitães de areia”.

Sua obra apresentava, com riqueza de cores, o povo, as terras e a cultura da Bahia, ao mesmo tempo abordando importantes questões sociais, tais como o racismo, a intolerância religiosa, a desigualdade e a exploração dos trabalhadores. As críticas e denúncias expressas em seus livros fizeram com que estes fossem, mais de uma vez, censurados e apreendidos, enquanto o próprio escritor se viu perseguido pela política do Estado Novo. Em 1941 teve de se exilar na Argentina e começou a escrever a biografia de Luís Carlos Prestes, que seria publicada no ano seguinte com o título “O Cavaleiro da Esperança”.

Leia uma carta de Jorge Amado a Nelson Werneck Sodré, pedindo uma apresentação para Cardoso da Fonseca, poeta saído dos meios sindicais (Divisão de Manuscritos)

De volta ao Brasil, Jorge Amado se separou da primeira esposa, Matilde Garcia Rosa, e continuou a publicar romances, entre os quais “Terras do sem-fim” (1943). Em 1945, foi eleito membro da Assembléia Nacional Constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro, e no ano seguinte se tornou deputado. Foi ele o autor da emenda que garantiu o direito à liberdade de culto religioso no Brasil. Também em 1946 casou-se com Zélia Gattai, com quem teria os filhos João Jorge e Paloma. A filha nasceu em Praga, durante o exílio imposto pela perseguição aos membros do PCB, que em 1947 fora declarado ilegal. A família estava na Europa quando morreu Lila, filha do primeiro casamento de Jorge Amado.

Ao regressar, o escritor ingressou numa nova fase literária, que produziu obras como “Gabriela, cravo e canela” (1958), “Dona Flor e seus dois maridos” (1966) e “Tenda dos milagres (1969). Com menos ênfase em questões sociais e políticas (embora de forma alguma estivessem ausentes), seus livros continuavam a retratar a cultura da Bahia, em especial a de Salvador, com cenários como os terreiros de candomblé e as rodas de capoeira. Em “Dona Flor”, uma de suas obras mais famosas, a narrativa flerta com o realismo mágico, enquanto livros como “Tieta do agreste” (1977) assumem tons de crônica social.

Críticos literários apontam vários problemas nessas obras, em especial a superficialidade. Alfredo Bosi considera “Terras do sem-fim”, passada na região cacaueira, como “uma das invenções mais felizes” do autor, mas afirma que os romances da segunda fase são apelativos, povoados de personagens estereotipados. Por outro lado, Antonio Candido -- que apontara como uma fraqueza dos primeiros livros a importância atribuída à denúncia social em detrimento dos personagens e da própria história -- encontrou nos mais recentes uma prosa viva, capaz de atingir os leitores de forma afetiva, o que contribuía para tornar Jorge Amado o mais popular dentre os escritores brasileiros da época.

Integrante, desde 1961, da Academia Brasileira de Letras (à qual não poupou críticas em seu romance “Farda, fardão camisola de dormir”, de 1979), Jorge Amado recebeu prêmios nacionais e internacionais, comendas de vários países e títulos de Doutor Honoris Causa em diferentes universidades. Escreveu uma peça de teatro, um livro de poemas, alguns contos, crônicas e livros de memórias, bem como livros infantis: “O gato Malhado e a andorinha Sinhá” (1976) e “A bola e o goleiro” (1984). No entanto, seus trabalhos mais conhecidos são sem dúvida os romances, que tiveram um sem-número de adaptações para o cinema, o teatro, a televisão e os quadrinhos.

Em 2012, que seria o centenário de nascimento de Jorge Amado, a Biblioteca Nacional o homenageou com uma mostra composta por manuscritos e fotografias. Entre os documentos em exibição destacavam-se algumas páginas originais de “Tocaia grande: a face obscura”, um romance construído sobre reminiscências da infância do autor, que narra a fundação e o desenvolvimento de uma cidade na zona cacaueira. O livro viria a ser publicado em 1988 e adaptado para a televisão em 1995 pela Manchete.

As folhas datilografadas, com correções feitas à mão por Jorge Amado, estão acompanhadas de um cartão datado de 10 de agosto de 1982. Nele o escritor se dirige a Célia Zaher, então diretora da Biblioteca Nacional, para lhe oferecer o trecho do romance, um livro autografado e algumas edições estrangeiras de suas obras.

Veja o documento, que se encontra sob a guarda da Divisão de Manuscritos.



Jorge Amado em foto publicada na Revista Leitura, 1960.