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Literatura | Lêdo Ivo, Poeta Múltiplo

04 ago 2021

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Contista, romancista, ensaísta e, sobretudo, poeta, Lêdo Ivo (Maceió, 1924 – Sevilha, Espanha, 2012) começou a escrever na juventude, quando, residindo em Recife, frequentava a roda literária do Café Lafayette. Antônio Bandeira, Benedito Coutinho e João Cabral de Melo Neto estavam entre os amigos que participavam das discussões mediadas pelo escritor e pintor Vicente do Rego Monteiro e pelo crítico literário Willy Levin, em cuja biblioteca os jovens podiam ler, no original, os poetas europeus de vanguarda que influenciariam seus primeiros trabalhos.

Em 1943, Lêdo Ivo se mudou para o Rio de Janeiro, onde se formou na Faculdade de Direito e começou a trabalhar como jornalista. No ano seguinte, publicou seu primeiro livro de poesia, “As Imaginações”, e em 1945 “Ode e Elegia” recebeu o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. Outros se seguiriam, bem como antologias que republicariam os poemas, contos e crônicas mais significativos, conquistando novas gerações de leitores.

Um dos trabalhos mais famosos de Lêdo Ivo é “Acontecimento do Soneto” (1948). Publicado em Barcelona, em edição artesanal produzida por João Cabral de Melo Neto, o livro é considerado por muitos (embora haja controvérsias) como um marco da “Geração de 1945”. Assim ficou conhecido um grupo de escritores brasileiros, principalmente poetas, que representariam uma terceira geração de modernistas. Suas ideias eram veiculadas pela revista “Orfeu”, publicada de forma irregular entre 1947 e 1953. Lêdo Ivo fez parte do conselho editorial e publicou “Epitáfio do Modernismo”, entre outros ensaios críticos que até hoje são motivo de debate entre pesquisadores.

Wladimir Saldanha, da UFBA, argumenta que os ensaios de Lêdo Ivo se tornaram uma “heresia” por questionar o cânone estabelecido pelos modernistas de 1922, o que contribuiria para uma certa invisibilidade do autor em meios acadêmicos. Ainda assim, seu trabalho teve reconhecimento, como atestam os inúmeros prêmios recebidos ao longo de sua carreira literária. Em 1947, “As Alianças” recebeu o Prêmio de Romance da Fundação Graça Aranha; dez anos mais tarde, o livro de crônicas “A Cidade e os Dias” conquistou o Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras; o Jabuti veio em 1973, com o livro de poemas “Finisterra”. A obra é fortemente marcada pelo imaginário nordestino, tal como o romance “Ninho de Cobras”, protagonizado por uma raposa que percorre as ruas de Maceió. Rejeitado por duas editoras, o romance experimental acabou por receber, também em 1973, o Walmap, o maior prêmio literário brasileiro da época, fruto de uma parceria entre o banqueiro José Luiz de Magalhães Pinto e o escritor Antônio Olinto.

“Ninho de Cobras” foi o penúltimo romance de Lêdo Ivo. Em 1984, ele publicou “A Morte do Brasil”, retrato e crítica da situação vivida pelo país na década de 1980. Leia uma reportagem na qual o escritor fala sobre sua obra, que estava sendo reeditada em tiragem maior para o Círculo do Livro (O Estado de São Paulo, 1990. Hemeroteca Digital).

Em 1982, a Academia Brasileira de Letras agraciou Lêdo Ivo com o Prêmio Mário de Andrade, pelo conjunto da obra. Em 1986, ele se tornou um dos “imortais” da instituição. Muitos prêmios ainda viriam, tanto nacionais, como o Troféu Juca Pato da Câmara Brasileira do Livro, quanto estrangeiros, como o Casa de Las Americas, concedido em 2009 ao livro de poemas “Réquiem”. A obra teria surgido como uma homenagem a Maria Lêda, com quem o escritor se casara em 1945 e que faleceu em 2004.

Uma reflexão agridoce sobre a morte, feita anos antes e que evoca a estadia de Lêdo Ivo no exterior, bem como a “imortalidade” conferida pelo fardão da ABL, está no poema “A Resposta da Morte” (Poesia Sempre, 1993. Hemeroteca Digital)

Lêdo Ivo continuou a publicar até os últimos anos de vida, com uma grande variedade de formas que, na poesia, iam do soneto ao haicai. Tal multiplicidade é a tônica de “Mormaço”, uma coletânea de poemas escritos entre 2005 e 2010, na qual voltava às temáticas recorrentes do amor e da morte. O livro saiu primeiro na Espanha, onde o autor se encontrava quando de sua morte súbita, e mais tarde foi publicado no Brasil, assim como outros poemas e ensaios. Entre eles, a série de pequenos textos e fragmentos inéditos intitulada “Afastem-se das Hélices” (referência a uma advertência presente nas embarcações de Alagoas), publicada junto com a reedição do ensaio “O Aluno Relapso”.

Leia uma análise da obra de Lêdo Ivo por Gilberto Mendonça Teles (Poesia Sempre, 2004. Hemeroteca Digital). Segundo ele, o processo de criação do escritor alagoano, em que o formalismo se alia à emoção, faz com que, em suas obras, o diálogo entre o novo e o tradicional aconteçam de forma permanente, fundindo as duas pontas do tempo literário e transcendendo o espaço em que se encontra o eu lírico.

Lêdo Ivo na Academia Brasileira de Letras (Poesia Sempre).