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Literatura | Luís Gama, advogado, jornalista e escritor brasileiro

21 jun 2021

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Nascido livre na Bahia, em 1830, filho de uma africana rebelde com um fidalgo, o menino Luis Gama foi vendido como escravo pelo próprio pai, aos 10 anos de idade e enviado a São Paulo.

Analfabeto até os 17 anos, reconquistou sua liberdade, tornou-se poeta, trabalhou como escrevente da polícia, foi jornalista e um dos raros intelectuais negros brasileiros do século XIX, o único autodidata e também o único a ter sofrido a escravidão. Essa trajetória já seria suficiente para destacar Luiz Gama como um dos grandes nomes da história do país, mas ele foi além. Abolicionista e republicano, dedicou sua vida ao “sonho sublime” de “um Brasil americano, sem rei e sem escravos”, não apenas na militância na imprensa mas, principalmente, advogando nos tribunais em defesa da liberdade de centenas de escravizados.

Em 1859, Luiz Gama publicou o livro “Primeiras trovas burlescas de Getulino”, de poemas satíricos, onde faz uma crítica social e política da sociedade brasileira. Pela primeira vez na história da literatura brasileira, um autor negro ousou denunciar a hipocrisia social e racial (“Se mulatos de cor esbranquiçada/Já se julgam de origem refinada/E curvos à mania que domina,/Desprezam a vovó que é preta-mina”), a corrupção e as contradições éticas e morais da sociedade imperial.

Entre 1864 e 1865, publicou, com Angelo Agostini, o Diabo Coxo, jornal satírico e de críticas de costumes que foi o primeiro jornal ilustrado da imprensa paulista. Escreveu também em diversos jornais como Cabrião, Correio Paulistano (o primeiro veículo diário da cidade, o mais influente da capital por várias décadas, e um dos primeiros abertamente republicano), A Província de São Paulo, Radical Paulistano (órgão do Partido Liberal Radical, abolicionista e republicano) e A Gazeta da Corte. Desde seus primeiros artigos, o jornalista Luiz Gama denunciava as violações da lei, o desrespeito aos direitos humanos, os preconceitos e as desigualdades de tratamento do poder judiciário.

“O abaixo assignado aceita, para sustentar gratuitamente perante os tribunaes, todas as causas de liberdade que os interessados lhe quiserem confiar”. Quem assina o anúncio, publicado no Radical Paulistano a partir de maio de 1969, é Luiz Gama. Ele havia obtido, no mesmo mês, uma “provisão”, autorização especial concedida a indivíduos que, mesmo sem a formação em Direito, possuíam comprovados conhecimentos jurídicos para exercer a profissão de advogado em primeira instância. Como advogado provisionado, ou “rábula”, passou a atuar nos tribunais em prol dos escravizados, defendendo e conquistando a libertação de centenas de pessoas. Seus argumentos jurídicos valiam-se de uma “brecha” na lei.

Na realidade, de acordo com as leis que regulavam o tráfico, havia no país toda uma geração de africanos em sua maioria escravizados ilegalmente. O tráfico estava proibido desde 1831, porém a escravização de africanos livres e seus descendentes continuou impune e Luiz Gama foi uma das poucas vozes a denunciar esse crime. Sua atuação jurídica evidenciava as fraudes jurídicas e civis e o pacto social que abafava a ilegalidade, não se furtando de nomear muitos membros poderosos e influentes da sociedade. Sua reputação cresceu rapidamente e Luiz Gama virou um dos advogados mais procurados pelos escravizados de São Paulo e de províncias vizinhas. Sua atuação nos tribunais atraía dezenas de pessoas e suas colunas nos jornais publicizavam suas ações. “Impuz-me espontaneamente a tarefa sobre modo árdua de sustentar em juízo os direitos dos desvalidos, e de, quando sejam elles prejudicados por má intelligencia das leis ou por desacisado capricho das autoridades, recorrer à imprensa e expor, com toda a fidelidade, as questões (...)”, escreveu ele no Radical Paulistano. Não é de surpreender, portanto, que Luiz Gama tenha sofrido, ao longo de todos os anos de sua atuação, insultos, perseguições políticas e ameaças de morte. Ao mesmo tempo, porém, tinha ao seu lado, juristas, jornalistas e militantes abolicionistas, além do apoio da Loja maçônica América, a mais influente de São Paulo, que ele dirigiu entre 1874 e 1881.

Luiz Gama faleceu em agosto de 1882, por complicações da diabetes. Em sua homenagem, a Gazeta de Notícias publicou na ocasião: “Tendo sido de condição escrava, libertou-se; tendo vivido na ignorância, procurou ilustrar o seu espírito e uma vez conseguindo armas – as que deram força e vida ao seu talento – empregou-as sempre, incansável, tenazmente, contra a escravidão e em favor daqueles que a sofriam”.

Em novembro de 2015, 133 anos após sua morte, a Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil concedeu a Luiz Gama o título de advogado. Em 2018, Luiz Gama foi declarado, por lei federal, patrono da abolição da escravidão no Brasil e seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.

Explore os documentos:

Luiz Gama - fotografia

Luiza Gama - Desenho de MJ. Garnier



Luiz Gama, em ilustração de Angelo Agostini para a capa da Revista ilustrada (1882)