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Literatura | O Mário que era de Andrade

05 jul 2021

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Conhecido por sua ligação com o movimento modernista, Mário de Andrade (São Paulo, 1893 – 1945) teve uma atuação relevante em vários setores da cultura. Não apenas como escritor, mas como teórico, professor e gestor público, principalmente em sua cidade, mas também no Rio de Janeiro e em âmbito nacional.

Mário de Andrade se formou como bacharel em Ciências e Letras e publicou seu primeiro livro em 1917. Intitulado “Há uma gota de sangue em cada poema”, inspirava-se na dor causada pela I Guerra Mundial. Também estudou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde passou a pesquisar sobre a cultura e especialmente a música brasileira. Isso o levou a se aprofundar em estudos folclóricos e musicológicos.

Leia dois sonetos de Mário de Andrade, datilografados e acompanhados por uma nota do autor. Trazem as datas de 1916 e 1938; de acordo com o catálogo da exposição a ele dedicada em 1970, o primeiro soneto foi publicado no livro “Poesias” (1941) e o segundo saiu sob o título "Tentação" na Revista do Livro, n. 20 (1960). Divisão de Manuscritos.

Na mesma época, Mário de Andrade passou a integrar o chamado “Grupo dos Cinco”, juntamente com os escritores de vanguarda Oswald de Andrade e Menotti del Picchia e as artistas plásticas Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. O grupo atuou na organização da Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, a qual representou uma verdadeira revolução na arte e na literatura do país. Nesse mesmo ano, Mário de Andrade publicou o livro de poemas “Pauliceia desvairada”, em cujo prefácio (chamado por ele de “Prefácio interessantíssmo”) afirma ter fundado o “desvairismo”, um não-seguir de regras, mais que um rompimento, já que, segundo ele,

“Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi.”

Ao longo da década de 1920, Mário de Andrade continuou a escrever sem descanso, trabalhando em várias frentes. Entre outras obras, publicou o ensaio “A escrava que não é Isaura”, tratando das tendências da poesia modernista (1925); o livro de poemas “Clã do jabuti” (1927), em que recriava contos e canções da tradição oral, aprofundando seu trabalho como folclorista; o primeiro romance, “Amar: verbo intransitivo”, sobre o relacionamento entre um adolescente da classe alta paulista e a governanta alemã contratada por seu pai para iniciá-lo sexualmente (também 1927); e, em 1928, o romance “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, uma epopeia na qual se misturam mitologia, folclore, sátira e crítica social. O livro é considerado por muitos pesquisadores uma das obras mais significativas da literatura brasileira.

Primeira edição de “Macunaíma”, com tiragem de 800 exemplares, feita na gráfica de Eugenio Cupolo. Divisão de Obras Raras.

Entre 1934 e 1942, Mário de Andrade escreveu para o jornal “O Estado de São Paulo” sobre temas variados. Parte dessa colaboração foi enviada do Rio de Janeiro, pois, durante alguns anos, o escritor atuou no Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal (atual UERJ).

Aula inaugural proferida no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo a 11/7/1942, em que Mário de Andrade foi professor de História da Música. O texto foi publicado na Revista do Arquivo Municipal, um dos vários periódicos em que publicou crônicas, resenhas e ensaios. Hemeroteca Digital.

Mário de Andrade exerceu diversas funções na administração pública. Em 1935, participou da idealização do Departamento de Cultura da Municipalidade Paulistana, mais tarde Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, do qual foi o primeiro diretor. Em sua gestão a Biblioteca Municipal foi reformulada, fundou-se uma biblioteca infantil e juvenil, implementada pela bibliotecária e pedagoga Lenyra Fracarolli, e surgiu o projeto das bibliotecas volantes, que até hoje é atuante em São Paulo por meio dos ônibus-biblioteca. Mário de Andrade também redigiu o projeto para a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), fundou a Sociedade de Etnologia e Folclore, organizou congressos e encontros. O Arquivo Artur Ramos, que integra a Divisão de Manuscritos, conta com várias cartas enviadas ao titular por Mário de Andrade, tratando desses eventos, de folclore e de publicações.

Carta a Artur Ramos informando sobre o novo diretor do Departamento de Cultura. 1938. Divisão de Manuscritos.

Além dos livros já citados, Mário de Andrade publicou vários outros, de poemas, crônicas, ensaios e musicologia. Algumas obras viriam ao mundo em edições póstumas. Embora respeitado e considerado um escritor de destaque, as divergências com o governo de Getúlio Vargas impediram que houvesse grande comoção na época de sua morte (que ocorreu por enfarte, em fevereiro de 1945), mas depois disso o autor teve sua obra revisitada, passando a ser considerado um dos maiores expoentes culturais do país. Em 1960, a Biblioteca Municipal de São Paulo passou a se chamar Mário de Andrade em sua homenagem, e é hoje a segunda maior biblioteca do país, com mais de 3 milhões de itens em seu acervo.

Fotografia de Mário de Andrade por Grigori Warchavchik. Publicada na Revista do Arquivo Municipal n. 106 (1946). Hemeroteca Digital.