BNDigital

Literatura | O Modernista António de Alcântara Machado

06 out 2021

Artigo arquivado em Literatura
e marcado com as tags António De Alcântara Machado, Contos Brasileiros, Gêneros Literários, Literatura Brasileira, Modernismo, Secult

António de Alcântara Machado (São Paulo, 1901 – Rio de Janeiro, 1935) foi um jornalista e escritor ligado ao Modernismo, conhecido principalmente por retratar o universo dos imigrantes italianos e as primeiras gerações de seus descendentes em São Paulo.

Curiosamente, o criador de tipos como “Carmela” e “Gaetaninho” não descendia de italianos, mas de famílias portuguesas estabelecidas no Brasil desde o tempo das capitanias. Começou a publicar críticas teatrais e literárias quando ainda era estudante da Faculdade de Direito de São Paulo, onde se formou em 1924. Não chegou, contudo, a exercer a profissão, preferindo dedicar-se ao Jornalismo e, mais tarde, à Literatura.

Depois de algum tempo como redator-chefe do “Jornal do Comércio”, António de Alcântara Machado viajou para a Europa, onde se inspirou para escrever as crônicas e reportagens de seu primeiro livro, “Pathé-Baby”. Publicada em 1926 com prefácio de Oswald de Andrade e xilogravuras de Antonio Paim Vieira, a obra, cujo título aludia a uma câmera cinematográfica de 9, 5 mm, se apropriava da linguagem do cinema e de sua estética para acompanhar o percurso do escritor por cidades da Europa e retratar seus habitantes. Apesar do vanguardismo e das inovações, o livro caiu no esquecimento pouco após a publicação, e só muitos anos mais tarde foi “redescoberto” por pesquisadores.

De volta ao Brasil, Alcântara Machado fundou com Antônio Carlos Couto de Barros o periódico modernista “Terra Roxa... e Outras Terras”, que teve apenas sete números e várias colaborações ilustres: Sérgio Buarque de Hollanda, Luís da Câmara Cascudo, Manuel Bandeira, entre outros. A publicação saiu em facsímile em 1977, acrescida de um estudo, e pode ser vista aqui.

Também em 1927 saiu o livro pelo qual o escritor se tornaria mais conhecido. “Brás, Bexiga e Barra Funda” trazia contos que, segundo o prefácio impresso em colunas como uma página de jornal, “não nasceram contos: nasceram notícias”. Sua crítica de costumes marcada pela irreverência e o talento para transformar em histórias uma viagem de bonde ou uma partida de futebol mereceram o aplauso de muitos. Por outro lado, o distanciamento narrativo, a linguagem cheia de cortes, a própria forma de retratar os personagens tinham muito de cinematográfico, o que levou a críticas por parte de outros intelectuais. Para eles, o desconhecimento dos valores, da linguagem e da mentalidade do grupo social retratado no livro – os habitantes dos bairros paulistanos que compõem o título -- podiam ser barreiras para a imersão dos leitores nos contos e, consequentemente, para a sua fruição. Veja essas opiniões no jornal mineiro “Verde”.

Leia também o rascunho de uma carta enviada por Rodolfo Garcia a António de Alcântara Machado, agradecendo os elogios a seu conhecimento da língua tupi (Divisão de Manuscritos).

No ano seguinte, Machado publicou uma coletânea de contos intitulada “Laranja da China”, em que, com grande agudeza crítica, retratava tipos populares, membros da classe média e da alta sociedade cujos nomes aludiam a personagens históricos famosos, tais como Platão e Robespierre. Também participou da fundação da “Revista de Antropofagia” idealizada por Oswald de Andrade e Raul Bopp; juntamente com o último, foi editor da revista em sua primeira fase, chamada de “primeira dentição”, que durou oito números. Entre 1931 e 1932 dirigiu, com Paulo Prado e Mário de Andrade, a revista “Nova”. O periódico enfrentou dificuldades para conseguir colaboradores – “está morrendo por falta de alimento sadio e abundante”, escreveu Alcântara Machado a Prudente de Moraes, neto -- e também teve apenas oito edições.

Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, o escritor atuou como superintendente da Rádio Sociedade Record, que fora inauguada quatro anos antes e serviu à causa dos paulistas contra Getúlio Vargas. O próprio Alcântara Machado escreveu pronunciamentos inflamados que foram ao ar na voz do locutor César Ladeira. Com a convocação da Constituinte, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou seu ativismo político ao mesmo tempo que escrevia para os “Diários Associados” e, mais tarde, assumia a direção do “Diário da Noite”. Candidatou-se, então, a deputado federal pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, e foi eleito, mas nem chegou a tomar posse: em maio de 1935, morreu devido a complicações resultantes de uma cirurgia para retirada do apêndice.

Ao falecer, António de Alcântara Machado deixou inacabado o romance “Mana Maria”, que teve uma edição póstuma em 1936. Em 1940, Sérgio Milliet e Cândido Mota Filho organizaram uma coletânea de crônicas e artigos que saiu com o título “Cavaquinho e Saxofone”, e, em 1971, “Laranja da China” saiu em edição conjunta com “Brás, Bexiga e Barra Funda”, mais o romance inacabado e alguns contos avulsos, sob o título “Novelas Paulistanas”. Todas essas obras e alguns aspectos da vida literária de São Paulo no período modernista são abordados nesta crônica de Frederico Branco, publicada no Suplemento Literário do “Estado de São Paulo” (1983, Hemeroteca Digital). Seu autor sugere a possibilidade de se encontrarem, perdidos, os originais da segunda parte de “Mana Maria”, que, segundo o crítico Mário Neme, teria sido “o primeiro romance paulistano realmente representativo” se António de Alcântara Machado tivesse podido conclui-lo.


António de Alcântara Machado e Gaetaninho, personagem de seu livro “Brás, Bexiga e Barra Funda”. O conto apareceu previamente no “Jornal do Comércio” em 1925, de quando data a ilustração de Ferrignac; mais tarde, o pequeno ítalo-paulistano ganharia vida nos traços de outros artistas, como J. Carlos, Jeronymo Ribeiro e Poty.
(Jornal do Brasil, 1983)