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Literatura | O poeta Ferreira Gullar

04 jul 2021

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Nascido em 10 de setembro de 1930, Ferreira Gullar é considerado um ícone e referência para a produção do conhecimento artístico e intelectual do Brasil. Desde a infância, passada ainda na pacata cidade de São Luís no Maranhão, a vocação criativa apontava primeiramente para a pintura que logo depois foi substituída pela poesia motivada pelas boas redações nos tempos de escola.

Inspirado no filósofo grego Platão, Gullar acreditava que a poesia nasce do espanto, do inexplicável. Para ele, não haveria dimensão explicável ou científica para dar conta de uma experiência particular, subjetiva. A revolução da linguagem poética na lírica gullariana advém do desgaste, do esgotamento dos recursos tradicionais da linguagem formal. O poeta rompe com todos os recursos do discurso verbal. Dissolve a frase, quebra o verbo, a palavra. A tentativa era romper com a sintaxe. A ideia consistia em revigorar a linguagem e potencializar a capacidade original de comunicação. Segundo o poeta, cada palavra é “uma totalidade viva de significação, letra e barulho que como tal deve permanecer no poema”.

Estudioso das artes plásticas, uma de suas grandes paixões, Gullar, já conhecido pelas obras “Um pouco acima do chão” (1949) e “A Luta Corporal” (1954), obra referencial para a poesia concreta, terá, no movimento concretista, a primeira experiência mais estreita com o campo das artes. A I Exposição Nacional de Arte Concreta ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1956, resulta da aproximação do autor com os poetas Augusto de Campos (1931), Haroldo de Campos (1929-2003) e Décio Pignatari (1927-2012).

Logo depois participa da criação do movimento neoconcreto, marcando a separação entre paulistas (Grupo Ruptura) e cariocas (Grupo Frente) por não se enquadrar às proposições concretistas, tidas como ortodoxas. O movimento neoconcretista atua como um marco, dando início a uma concepção artística que valoriza o experimentalismo, a expressão e a subjetividade, solicitando a participação efetiva do expectador. O Manifesto do Neoconcreto e a teoria do não-objeto estruturam a proposta base de Gullar. Os neoconcretos trariam, portanto, uma abordagem que contemplasse o assombro de que tanto Gullar vislumbrava.

Durante a ditadura militar, Gullar viveria um dos momentos mais críticos de sua jornada como ativista intelectual e político. Presidente do CPE: Centro Popular de Cultura da UNE e membro do partido comunista, o poeta testemunhava o clima de tensão instaurado pela cassação dos ditos atos “subversivos”. Nesse período, a complexidade e a sofisticação da linguagem gullariana são direcionadas para o conto popular, para uma perspectiva que retorna à vida mundana, ao cotidiano popular, como o próprio passara a se intitular “um poeta de feira”. É nessa época que é publicado o poema “João Boa morte, cabra marcado para morrer” que faz alusão à emergência da formação das ligas camponesas, importante pauta das frentes políticas progressistas.

Sua atuação como colunista e crítico de arte em diversos periódicos como Diário Carioca, O Cruzeiro, Manchete, Jornal do Brasil, O Estadão, sofreu restrições, fruto dos tempos de censura e suspensão da liberdade de expressão durante os “anos de chumbo”. O agravamento da situação levou Gullar ao exílio com passagens por Moscou, Santiago, Lima, e Buenos Aires. Lá, escreve o poema sujo, obra celebrada pela imprensa nacional e crítica especializada. O poema, divulgado pelo amigo Vinicius de Moraes, possibilitou o retorno de Gullar ao Brasil. Décadas depois, a obra Poema Sujo originou a vídeo instalação “Há muitas noites na noite” (2011), dirigida pelo cineasta Silvio Tendler. Em 2015, uma versão documental também dirigida por Tendler foi exibida pela TV Brasil.

Muitos foram os êxitos de Ferreira Gullar. Sua contribuição política e intelectual pode ser conferida nas funções como presidente da Funarte entre 1992 e 1995 e como ocupante da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras,vaga deixada por Ivan Junqueira,tomando posse em 5 de dezembro de 2014.

Intitulado como um dos maiores poetas da língua portuguesa, Ferreira Gullar morreu em 04 de dezembro de 2016. Sobre a morte, Gullar, já na maturidade, dizia estar em conciliação com a ideia por ser tratar de algo natural, porém não desejado. O velório do poeta ocorreu no saguão da Biblioteca Nacional, conforme pedido do escritor. O corpo seguiu cortejo fúnebre até a Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro.

(Seção Iconografia)


Revista do Livro ano 2010.