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Literatura | O Realismo Mágico de José J. Veiga

31 ago 2021

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Considerado um dos maiores autores brasileiros de Realismo Mágico - vertente da ficção fantástica em que se sobrepõem duas realidades, sendo uma tal como a conhecemos e outra perpassada por elementos insólitos -, José Jacinto Pereira Veiga nasceu numa fazenda no município de Corumbá de Goiás, GO, em 1915. Cursou o Liceu na cidade de Goiás, no mesmo estado, e aos vinte anos se mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como vendedor de remédios, propagandista e locutor de rádio.

Em 1937, o futuro escritor ingressou na Faculdade de Direito, curso que concluiria em 1941. Por alguns anos foi servidor do Governo Federal, mas pediu exoneração a fim de trabalhar como comentarista, redator e tradutor na BBC de Londres. Regressou ao Brasil em 1949 e se tornou jornalista, atuando, sucessivamente, no jornal O Globo, no Tribuna da Imprensa e na redação da revista Seleções do Reader´s Digest. Tornou-se, nessa época, muito amigo do escritor João Guimarães Rosa, com quem constantemente trocava ideias sobre política e Literatura. Muitos anos depois, em entrevista à Folha de São Paulo, revelaria que foi de Rosa a ideia de usar o nome do meio abreviado, pois, segundo a Numerologia, “José J. Veiga” lhe traria mais sorte do que o simples “José Veiga” com que pretendia publicar seu primeiro livro.

Tal estreia se deu tardiamente, uma vez que o escritor goiano já estava com 42 anos ao inscrever o volume de contos “Os Cavalinhos de Platiplanto” no Prêmio Literário Monteiro Lobato, promovido pela Editora Nacional e pela Academia Brasileira de Letras. Valeu a pena, no entanto, esperar que o trabalho amadurecesse: o livro ficou em segundo lugar no Monteiro Lobato e, publicado em 1959 pela pequena Editora Nítida, ganhou o Prêmio Fábio Prado, um dos mais importantes do Brasil, na categoria Conto.

Com narrativas que transcorrem numa atmosfera irreal, transitando por espaços de sonho e de memória, e nas quais predominam os personagens infantis, “Os Cavalinhos de Platiplanto” foi bem recebido pelos leitores e pela crítica. Só em 1966, porém, J. Veiga publicou um novo livro: o romance “A Hora dos Ruminantes”, em que um povoado se vê à mercê de estranhos invasores. Um ano depois, seguiu-se um livro de contos, “A Máquina Extraviada”. Os três volumes foram analisados pelo crítico literário Wilson Martins, que afirmou ser o autor um dos mais importantes contistas brasileiros de sua época.

Leia a crítica, publicada no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, em 1968 (Hemeroteca Digital).

Leia um depoimento de José J. Veiga dado a Remy Gorga Filho para a Revista do Livro em 1970. Aqui o autor fala sobre seus métodos de trabalho e objetivos, afirma não ser um escritor regionalista e diz ter o cuidado de não se acomodar a um estilo (Hemeroteca Digital)

Foram muitos os livros de José J. Veiga nas décadas seguintes. Um dos mais conhecidos, “Sombras de Reis Barbudos” (1972) conta sobre uma empresa que tiraniza os moradores de uma cidade em nome do bem comum, enquanto a sátira política “Os Pecados da Tribo” (1976) mostra uma comunidade aparentemente pós-apocalíptica, cercada por artefatos deixados pelos antigos e encontrando formas de sobreviver num regime ditatorial. Bem mais tarde, “A Casca da Serpente” (1989) veio a ser um precursor da História Alternativa, definida pelo acadêmico Richard J. Evans como a elaboração de “versões alternativas do passado em que uma alteração na linha do tempo leva a um resultado diferente daquele que sabemos que de fato ocorreu”. No caso do romance de J. Veiga, o fato divergente é a não-morte de Antônio Conselheiro após a Guerra de Canudos, daí resultando uma nova comunidade, com características bem diferentes da anterior.

Leia uma apreciação do recém-lançado “Sombras de Reis Barbudos”, publicada no Correio da Manhã, em 1972 (Hemeroteca Digital)

Saiba mais sobre “A Casca da Serpente” no jornal paraense O Liberal, 1989 (Hemeroteca Digital)

Tradutor de Ernest Hemingway, José J. Veiga também teve seus livros traduzidos em vários países. Em 1997, recebeu o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, e nesse mesmo ano publicou seu último livro, o volume de contos “Objetos Turbulentos”. Ao escrever sobre ele, Antonio Olinto afirmou ser José J. Veiga o “escritor-símbolo do Brasil no fim do milênio”, sempre à frente do seu tempo e às voltas com novas descobertas.

Leia o artigo de Antonio Olinto na Tribuna da Imprensa, 1998 (Hemeroteca Digital)

José J. Veiga faleceu em 1999, sem chegar a ver o fim do milênio. Sua obra continua a ser analisada por muitos pesquisadores. Alguns contestam a filiação direta do autor à Literatura Fantástica, apontando a presença constante da realidade brasileira em seus livros e contos e o uso da alegoria como forma de crítica social. Outros o equiparam a escritores surrealistas; José Paulo Paes o classificou como “kafkeano”. Seja como for, trata-se de um autor fundamental no panorama da Literatura Brasileira, vista de forma ampla ou sob uma perspectiva focada na produção do fantástico.


José J. Veiga em 1970 (Revista do Livro)