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Literatura | Otto Lara Resende

10 jan 2022

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“Otto Lara existe?” Essa foi a pergunta que Antônio Maria fez a Nelson Rodrigues, pouco antes de conhecer o escritor e jornalista que – segundo sua crônica no periódico “O Jornal”, em março de 1964 – era, para ele, “um personagem de ficção, tanto quanto o Comissário Maigret”.

Otto Lara Resende (São João D´El Rey, MG, 1922 – Rio de Janeiro, 1992) foi o quarto dos vinte filhos do professor e memorialista Antônio de Lara Resende e sua esposa, Maria Julieta de Oliveira. Ainda era adolescente quando começou a colaborar em “O Diário”, jornal dirigido por seu pai, e chegou a estar à frente do suplemento literário de “A Folha de Minas” enquanto estudava Direito em Belo Horizonte.

Em 1945, Otto se mudou para o Rio de Janeiro, incentivado pelo amigo Paulo Mendes Campos. Juntamente com os também mineiros Fernando Sabino e Hélio Pellegrino, os dois formaram um grupo que apelidaram de “os quatro mineiros” ou “os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. Na então capital brasileira, Lara Resende embarcou na atividade jornalística, escrevendo contos, crônicas, críticas literárias e de cinema e colaborando com “O Globo”, “Diário de Notícias”, “Correio da Manhã” e “Diário Carioca”.

Leia, neste último, a crônica “Morto e asfalto”, publicada em 1948. Na mesma página há trechos de Fernando Sabino e Rubem Braga.

Otto Lara Resende se casou em 1950 com Helena Pinheiro, com a qual teria quatro filhos. Em 1951 tornou-se o redator-chefe de “Última Hora” e no ano seguinte publicou seu primeiro livro de contos, “O Lado Humano”. Dirigiu por algum tempo a revista “Manchete” e, em 1957, publicou seu segundo livro, “Boca do Inferno”, composto por sete contos que abordam o universo infantil em seus aspectos mais sombrios. A obra foi duramente criticada, por conter cenas chocantes e colocar personagens crianças no papel de perpetradores de violência.

Os insultos ainda reverberavam quando o escritor mineiro foi residir com a família em Bruxelas, onde exerceu as funções de adido cultural na Embaixada Brasileira. Ali residiu por três anos, e foi também professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Utrecht, Holanda. Regressou ao Brasil, ao jornalismo e à companhia de velhos amigos, e já em 1961 recebeu uma estranha e inexplicável homenagem: Nelson Rodrigues, com quem se encontrava diariamente na redação d´”O Globo”, escreveu uma peça cujo título era o nome completo de Otto e no qual o amigo era citado mais de quarenta vezes. Logo adicionou o subtítulo “Bonitinha, mas Ordinária”. E quanto mais a peça e, tempos depois, suas versões cinematográficas faziam sucesso, mais o homenageado se via perplexo e aborrecido, embora mantivesse as boas relações com Nelson Rodrigues.

Em 1962, Otto Lara Resende publicou novo livro de contos, “O Retrato na Gaveta”. Leia uma apreciação por Samuel Rawet de um dos contos, “O Gambá” (revista “Leitura”, 1963).

O único romance do escritor mineiro saiu em 1963, após ter passado por cinco versões e inúmeras correções e emendas. Intitulado “O Braço Direito”, tinha como protagonista um inspetor de orfanato, e o tom era sombrio, embora sem os elementos perturbadores de “Boca do Inferno”. A obsessão pela boa forma narrativa era uma constante na obra de Otto e também se verificou em seus livros posteriores, “As Pompas do Mundo”, de 1975, e “O Elo Partido & Outras Histórias”, de 1992.

Leia a análise feita por Paulo Hecker Filho no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”, 1971. Para ele, o apuro na linguagem era um dos pontos fracos da obra ficcional de Lara Resende, pois impedia que a voz do personagem substituísse a do autor.

Além de escritor, jornalista e, por algum tempo, membro do corpo diplomático, Otto Lara Resende atuou como advogado, professor e diretor de banco. Entre 1974 e 1983 trabalhou na Rede Globo de Televisão, onde teve um programa de entrevistas. Nesse meio-tempo, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ele que se dizia avesso a “gloríolas, e até mesmo glórias”. Também continuou a se encontrar e se corresponder com os amigos, como provam as centenas de cartas que integram seu arquivo, hoje sob a guarda do Instituto Moreira Salles.

Veja um cartão de Lara Resende ao editor José Olympio, desejando felicidades pelo aniversário (1989, Divisão de Manuscritos).

A intensa produção de Otto Lara Resende se estendeu até os últimos dias de sua vida, quando escrevia uma crônica diária para a “Folha de São Paulo”. Esses trabalhos foram reunidos num volume póstumo, “Bom Dia para Nascer”. Algum tempo mais tarde, foi publicado “O Príncipe e o Sabiá”, que reúne perfis biográficos de escritores, intelectuais e políticos do século XX. Em suas entrelinhas pode-se entrever um pouco da personalidade de Lara Resende: aquele que Antônio Maria pensava ser ficção, que Nelson Rodrigues transformou em símbolo e que descrevia a si mesmo como “um poço de contradições, um falante que ama o silêncio, um convivente fácil e um solitário”.



Otto Lara Resende na revista “Leitura”, 1963.