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Literatura | Rachel de Queiroz, Jornalista Antes de Tudo

07 ago 2021

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Conhecida por seus romances de cunho social e político, a cearense Rachel de Queiroz (1910 – 2003) sempre descreveu a si mesma como jornalista. E sua biografia o justifica. De fato, embora tenha estreado como romancista antes de completar vinte anos de idade, a colaboração em periódicos se iniciou aos dezessete, após uma carta enviada ao jornal “O Ceará” com o pseudônimo “Rita de Queluz”. As publicações passaram a ser regulares, incluindo crônicas, poemas e um folhetim intitulado “História de um Nome”.

Em 1930, sob suspeita de tuberculose – doença que, na época, era de difícil tratamento --, Rachel foi obrigada a passar por um período de repouso. Foi quando decidiu escrever um livro que abordasse a questão social levantada pela seca no Nordeste. O resultado foi “O Quinze”, cujo título faz alusão à grande seca de 1915, testemunhada pela escritora. Trata-se de um livro realista, com personagens bem construídos e críticas sociais certeiras, o qual, recebido com certa reserva pelos críticos locais, foi elogiado por Mário de Andrade e Augusto Frederico Schmidt. Isso alçou a jovem autora a um patamar elevado dentro da cena literária, e já em 1931 ela recebeu o Prêmio de romance da Fundação Graça Aranha.

Veja um trecho de “O Quinze” no suplemento do “Correio da Manhã”, 5 de outubro de 1930. Hemeroteca Digital.

A partir de 1928, Rachel de Queiroz começou a se interessar por política, e ajudou a fundar o primeiro núcleo do Partido Comunista Brasileiro em Fortaleza. Entre as décadas de 1930 publicou os romances “João Miguel”, “Caminho de Pedras”, “As Três Marias” e “O Galo de Ouro”, bem como uma grande quantidade de crônicas, que saíam em periódicos como “Correio da Manhã” e Diário da Tarde”. Em 1939 mudou-se para o Rio de Janeiro, e em 1945 passou a publicar exclusivamente na revista “O Cruzeiro”, cuja tiragem era de 100.000 exemplares. A colaboração se estendeu por três décadas.

Leia uma carta de Rachel de Queiroz a Artur Ramos tratando da publicação de seu romance “João Miguel”, comentando sobre uma crítica ao trabalho de Ramos e pedindo que oriente os estudos de Moacir Barbosa. 1932, Divisão de Manuscritos.

Leia a crônica “A Donzela e a Moura Torta”, acompanhada de nota de Paulo Rónai sobre a publicação do romance “O Galo de Ouro”, de uma coletânea de contos e da peça teatral “A Beata Maria do Egito”. Diário de Notícias, 11 de março de 1956. Hemeroteca Digital.

Acusada de subversiva por sua ligação com o Partido Comunista – foi perseguida, presa e chegou a ter seus livros queimados na época do Estado Novo –, Rachel de Queiroz, ao longo do tempo, foi mudando seu posicionamento político e se alinhando a uma corrente nacionalista e antigetulista. Jânio Quadros a convidou para ser ministra da Educação, o que recusou, dizendo que gostaria de continuar sendo apenas jornalista. Pouco depois, a escritora apoiou o golpe militar de 1964, e viria a integrar o diretório central da ARENA, partido da situação. Apesar disso, algumas das crônicas que publicou nos anos seguintes na “Última Página” da revista “O Cruzeiro” continham críticas a medidas adotadas pelo regime.

Segundo Raquel Ferreira, pesquisadora da UFF e da Fundação Biblioteca Nacional, as crônicas publicadas nos anos do governo militar seguiam a tendência de buscar a construção de uma identidade brasileira a partir de várias percepções regionais. O olhar de Rachel de Queiroz recaía frequentemente sobre o camponês nordestino, trazendo impressões a seu respeito para o espaço urbano e vice-versa.

Leia um artigo de Raquel Ferreira sobre Rachel de Queiroz na BN Digital.

As crônicas da autora cearense foram reunidas em várias coletâneas, tais como “O Caçador de Tatu” e “100 Crônicas Escolhidas”. Houve ainda outros romances – “Dôra, Doralina”, “Memorial de Maria Moura” --, peças teatrais e livros infantis, dos quais o mais conhecido é “O Menino Mágico”, publicado em 1969 e vencedor do Prêmio Jabuti. Rachel de Queiroz foi também tradutora de inúmeros autores estrangeiros, principalmente na década de 1940, e de biografias como as de Alexandre Dumas e Charles Chaplin.

Em 1977, a escritora se tornou a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras, que já lhe concedera o Prêmio Machado de Assis. Participou do Conselho Federal de Cultura ao lado de Guimarães Rosa e representou o Brasil na ONU. Em 1998 publicou, em parceria com a irmã Maria Luiza, o livro de memórias “Tantos Anos”, e, no ano 2000, “Não me Deixes”, um livro de reminiscências ligado à fazenda do mesmo nome, herança de família que, por iniciativa da escritora, teve parte de suas terras transformada em reserva particular de patrimônio natural.

E, no que toca ao imaterial -- embora, segundo sua biografia no site “Crônicas Cariocas”, Rachel de Queiroz afirmasse que só escrevia por ser esse seu meio de sustento -- , seus vários livros e personagens inesquecíveis, bem como as mais de duas mil crônicas, se constituem num inegável legado para a Literatura Brasileira.



Caricatura por Moura, no Correio da Manhã (1960).