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Literatura | Ruth Guimarães

21 jun 2022

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Nos anos 1940, o ambiente jornalístico era composto majoritariamente de homens brancos. A trajetória da escritora, pesquisadora e jornalista Ruth Guimarães foi uma exceção à regra: uma mulher negra que ocupou, de forma brilhante e com projeção nacional, o espaço devido.

Ruth Guimarães Botelho (Cachoeira Paulista, SP, 1920 – 2014) publicou seus primeiros poemas em jornais regionais, quando tinha apenas dez anos de idade. Aos dezoito se mudou para São Paulo e se formou em Filosofia e Letras Clássicas na USP. A partir de 1939, incentivada, principalmente, pelos escritores Edgard Cavalheiro e Amadeu de Queiroz – o último era o farmacêutico-chefe da Drogaria Baruel, onde um animado grupo se reunia para falar de Literatura --, começou a colaborar em revistas e jornais, publicando contos, poemas, críticas e reportagens. Foi, também, muito próxima de Mário de Andrade, que considerava seu mentor em estudos folclóricos. Esse era um dos maiores interesses de Ruth, que iria transparecer tanto em sua obra como ficcionista quanto em trabalhos teóricos.

Lido e apreciado por Queiroz e outros frequentadores do grupo, o manuscrito do primeiro romance de Ruth Guimarães foi encaminhado por Edgard Cavalheiro à Livraria do Globo. O livro saiu em 1946, com o título “Água Funda”, e conta uma história de atmosfera sobrenatural, com narrativa não-linear, inspirada em casos populares e no folclore da região do vale do rio Paraíba do Sul. “Água Funda” mereceu elogios de Érico Veríssimo, do exigente Nelson Werneck Sodré e ainda de Antonio Candido, segundo o qual “a obra tem a capacidade de representar a vida por meio da ilusão literária, graças à insinuante voz narrativa que inventou”.

Leia uma apreciação de “Água Funda” publicada na revista “Sombra”, em 1946.

Leia um depoimento da escritora no “Letras e Artes”, suplemento de “A Manhã”, 1949.

Após a publicação de seu romance, Ruth Guimarães começou a trabalhar para as editoras Globo e Cultrix como redatora e tradutora -- traduziria, entre outros, Lúcio Apuleio, Balzac e Dostoiewski. A colaboração se estenderia por vários anos, ao longo dos quais ela publicou seus próprios trabalhos. Em 1950 apareceu seu primeiro ensaio sobre folclore, intitulado “Os Filhos do Medo”, resultado da pesquisa iniciada com a orientação de Mário de Andrade (que, contudo, falecera em 1945). O livro lhe garantiu prestígio imediato como pesquisadora e um convite para palestrar no I Congresso Brasileiro de Folclore. Lá conheceu Luís da Câmara Cascudo, com quem trocaria correspondência nos anos seguintes.

Veja uma análise de “Os Filhos do Medo” na coluna Livros Novos do “Diário de Natal” (RN), 1951.

Após publicar seus primeiros livros, a escritora se mudou para o interior de São Paulo, onde passou a lecionar Português em escolas estaduais e se dedicou a cuidar da família – era casada com o professor e fotógrafo José Botelho Netto, com quem teve nove filhos. Sua produção literária, contudo, não estacionou; ela continuou a colaborar com vários periódicos, tais como os jornais “Correio Paulistano” e “Folha de São Paulo” e as revistas “Noite Ilustrada”, “Atualidades Literárias” e “Revista do Globo”.

Leia um conto de Ruth no “Suplemento Literário” de “O Estado de São Paulo”, 1961.

Ruth Guimarães voltou a publicar livros em 1960, começando por “Mulheres Célebres”, biografias de doze mulheres notáveis, que saiu pela Cultrix. Publicou vários livros sobre folclore e cultura popular, tais como “Lendas e Fábulas do Brasil” (1972) e “Medicina Mágica: as simpatias” (1986). Também publicou um Dicionário da Mitologia Grega e o livro “Grandes Enigmas da História” (Cultrix, respectivamente 1972 e 1975). Em 1996 apareceu seu “Contos de Cidadezinha”, que o crítico José Paulo Paes considera ter “reatado o fio rompido da tradição do conto regional paulista”.

Em 2008, já próxima dos 90 anos, Ruth Guimarães se tornou Secretária Municipal de Cultura de sua cidade natal e entrou para a Academia Paulista de Letras. Dois anos antes publicara “Calidoscópio: a saga de Pedro Malazarte” compilação das histórias do folclórico trapaceiro. E no ano anterior, 2007, resumira seu trabalho de toda uma vida em depoimento no Seminário Encontro de Gerações, promovido pelo Museu Afro Brasil, em que se declarou “caipira, modéstia à parte”, para depois arrematar:

“Nós precisamos saber da raiz negra de onde viemos. A história negra está por fazer, a literatura negra está por fazer, a poesia está por fazer. Eu, depois de velha, resolvi pesquisar e, para isso, eu estou contando e escrevendo histórias.”



Ruth Guimarães na revista “Sombra”, 1946.