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Memória | Convenção Nacional do Negro Brasileiro de 1945

23 mar 2021

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A Convenção Nacional do Negro Brasileiro é resultado de um processo de lutas por direitos civis, originadas pelas campanhas abolicionistas ao longo do XIX e mesmo antes com a formação dos quilombos no Brasil colônia, do ponto de vista mais amplo, e, resultado da articulação de ativistas, políticos, professores, intelectuais, membros de coletivos afrodescendentes, como os ex-integrantes da Frente Negra Brasileira (1931),em particular.

A Convenção foi organizada a partir de correntes políticas diversas, assumindo assim natureza suprapartidária. A urgência da convenção entrava em conformidade aos desdobramentos políticos que se avizinhavam, tais como a redemocratização do país, com o fim do Estado Novo de Vargas, o período pós-guerra e a denúncia das políticas antissemitas e antirracistas. A Convenção contava com o apoio do TEN – Teatro Experimental do Negro, idealizado e coordenado por Abdias Nascimento, e por outras lideranças políticas, (negros, não brancos e brancos) todas empenhadas em discutir “o problema do negro brasileiro”.

Realizada na Associação Paulista de Imprensa, o evento permitiu a elaboração de um manifesto, documento assinado em 1945 por Abdias Nascimento, presidente do diretório nacional da convenção do negro brasileiro. Contou com a participação de membros dos diretórios dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Além de Abdias, as fundamentações de Aguinaldo de Oliveira Camargo, Francisco das Chagas Printes, Nestor Borges, Prof.a Sofia de Campos Teixeira, Sebastião Alves, Sinval Silva e outros, contribuíram sobremaneira para referendar a lista de reinvindicações.

Assim, como bem salientou Aguinaldo de Oliveira Camargo, a Convenção tinha por objetivo “traçar rumos sociais e políticos a todos aqueles que pretendem acabar com a hipocrisia social reinante e que procuram lutar para valorizar o negro brasileiro”. O conteúdo do manifesto explicita a emergência do protagonismo negro e a denúncia contra a precarização econômica e física em virtude das políticas eugenistas empreendidas pelos governos anteriores.

Com a proximidade de uma nova Constituinte, pautas como a participação efetiva de candidatos negros a cargos públicos e políticos, a sindicalização dos empregados domésticos e a criminalização da discriminação racial concorriam como determinações primordiais para a execução da verdadeira abolição dos negros e a consequente readequação da comunidade negra na sociedade.

O manifesto chegou ao Congresso Nacional, pelo senador Hamilton Nogueira, do partido da UDN. A partir dali se iniciavam as condições para a formulação do primeiro projeto de lei antidiscriminatória no país, a compor a constituinte de 1946.O projeto não foi adiante. A premissa de uma democracia racial como bem defendeu o sociólogo e deputado Gilberto Freyre contribuiu para uma leitura discordante da proposta. Entre as forças políticas, o PCB: Partido Comunista Brasileiro refutou o projeto com base nas convicções que circulavam sobre as desigualdades sociais no Brasil, entendidas primeiramente como conflito de classes, deslocando a questão racial para um plano secundário. As divergências de orientação política entre os movimentos progressistas justificaram, em parte, as dificuldades de pautar políticas de reparação sobre a condição de povos afrodescendentes.

Em 1951 é promulgada a Lei Afonso Arinos de Melo Franco que proíbe a discriminação racial no Brasil. A lei fora recebida como a segunda abolição por parte dos movimentos negros. No entanto, a determinação de flagrante para o cumprimento da lei e a redação genérica dificultava a efetividade da lei.

A segunda metade do século XX é marcada pelo engajamento das lutas antirracistas, a exemplo do Congresso do Negro Brasileiro edo Conselho Nacional de Mulheres Negras, ambos em 1950. Há períodos de descontinuidades e perdas em razão da ditadura militar, instaurada entre os anos de 1964 e 1985. Um novo processo de redemocratização lançava as condições para a Convenção Nacional do Negro em 1986 e o Encontro Nacional de Mulheres Negras em 1988.São alguns exemplos de organizações que retomam com força as pautas político-sociais, que anos depois, se concretizam pelas ações afirmativas, entre as quais: a prática de racismo como crime inafiançável e imprescritível (Lei 7.716/89), o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), a Lei 10.639 que insere no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, entre outras políticas públicas.

(Seção de Iconografia)