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Nova Luz Brasileira

30 mar 2015

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Censura e repressão, Crítica política, Liberalismo, Período Regencial, Primeiro Reinado, Rio de Janeiro

O pasquim Nova Luz Brazileira foi um dos periódicos da chamada “esquerda liberal” que circularam na corte e em várias capitais provinciais durante o Primeiro Reinado e o Período Regencial. Teve vida curta, como a maioria dos pasquins da época, mas circulou no período mais agitado do Primeiro Reinado: os últimos 16 meses, quando, sob pressão crescente de boa parte das elites políticas brasileiras e interessado em recuperar a coroa portuguesa, usurpada pelo irmão, Dom Miguel, Dom Pedro I, no dia 7 de abril de 1831, abdicou do trono e voltou para Portugal.

Lançado em 9 de dezembro de 1829, por Ezequiel Correa dos Santos – o título inspirava-se na antiga Luz Brazileira, de Silvério Mariano Quevedo de Lacerda, jornal de menor importância que circulara pouco antes –, a Nova Luz Brazileira se alinhava entre os adversários mais radicais do conservadorismo e do estilo absolutista de d. Pedro I, como a Sentinela da Liberdade (com seus títulos cambiantes), de Cipriano Barata, “o Homem de todas as Revoluções”, O Repúblico, de Borges da Fonseca, e A Malagueta, de Luís Augusto May. Outro grupo era formado pelos liberais moderados ou “direita liberal”, segundo a classificação de Nelson Werneck Sodré, como a Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, a Astréa, de Antônio José do Amaral e Joaquim Vieira Souto, o Farol Paulistano de José da Costa Carvalho, ou ainda o Observador Constitucional, do italiano Libero Badaró.

Impresso em formato pequeno inicialmente na tipografia de Lessa & Pereira, com quatro páginas, Nova Luz Brazileira usou como epígrafe uma afirmação do visconde de Cairú: “Huma das cauzas das revoluçoens he pôr nos Empregos Publicos, pessoas sem habilitaçoens proporcionadas; e promover ás Dignidades os indignos. As materias das sediçoes são muita pobreza, e muito descontentamento”.

Ao ser lançado, os editores do periódico apresentaram as razões de sua criação:
O repentino desaparecimento da Luz Brazileira, produzio a inesperada publicação desta Nova Luz Brazileira. Seo Redactor, posto que confie mais na indulgencia devida no patriotismo desinteressado, do que em suas forças litterarias, espera seguir em tudo os passos da fallescida Luz; e se não poder imital-a ao moral, seguirá no material a esse Periodico, interessante, que será o Norte da Nova Luz. Ella será publicada nos mesmos dias terças e sextas de cada semana, em quanto Deos não mandar o contrario.

Apesar dessa afirmação, a antiga Luz Brazileira havia sido suspensa apenas temporariamente: depois de circular regularmente entre 11 de setembro e 4 de dezembro de 1829, a folha entrara em um hiato que duraria até 3 de fevereiro de 1830. Voltando a circular o jornal durou até 15 de setembro de 1830. Um número derradeiro ainda seria publicado em 31 de março de 1831. Apesar de ser tido como uma continuação da Luz Brasileira, Nova Luz Brasileira apenas se inspirou na folha de Silvério de Lacerda. Ambos os jornais tiveram um tempo circulação parecido, havendo períodos em que eram publicados simultaneamente e rodados na mesma tipografia (o que não ocorreria se a Nova Luz fosse uma simples continuação do outro).

Como praticamente todos os pasquins daquela época, fossem eles de esquerda ou de direita, a Nova Luz primava pela linguagem violenta, pela difamação dos adversários, pela calúnia, “mal encobrindo planos de agitação popular e subversão da ordem pública”, segundo Werneck Sodré (ps. 135/136). Um de seus principais redatores era o foliculário paulista João Baptista de Queiroz, que, ainda segundo Sodré, se tornou um “pasquineiro audacioso”, além de oscilante em seus alinhamentos políticos.

A Nova Luz rejeitava o absolutismo e criticava duramente o governo, propondo a criação, nos moldes norte-americanos, de um sistema federativo que não implicasse necessariamente a implantação da forma republicana de governo. Ezequiel dos Santos, o proprietário, era formado em farmácia e fazia o jornal na rua das Mangueiras (atual rua Visconde Maranguape, na Lapa). Depois que o jornal foi extinto, ele criou a Sociedade Federal, clube político que reuniria forças liberais e democráticas. Quanto ao “pasquineiro” João Batista de Queirós, passou, segundo Sodré, “do jornalismo de esquerda liberal, como A Nova Luz Brasileira, A Matraca dos Farroupilhas, o Jurujuba dos Farroupilhas, ao de direita mais reacionária e até restauradora, como A Lima Surda, O Pai José, A Babosa, O Restaurador, O Tamoio Constitucional, com participação em O Caolho e O Permanente (...)”.

Entre as principais questões discutidas pelo jornal e que então incendiavam o debate político estavam o trabalho escravo e a discriminação racial, os problemas resultantes da propriedade latifundiária, a forte interferência de estrangeiros nos negócios internos do país, a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa etc.

Emília Viotti da Costa, em “Da Monarquia à República: momentos decisivos”, dá uma descrição mais acurada da Nova Luz Brasileira. Ali, a autora expõe que a folha
(...) expressava as aspirações de artesãos, comerciantes, farmacêuticos, soldados, ourives, representantes da pequena burguesia e das camadas populares urbanas, indignadas com o crescente monopólio do comércio pelos ingleses, hostis aos tratados de comércio que haviam beneficiado os comerciantes e industriais estrangeiros em detrimento do artesanato e do pequeno comércio nacionais, chegando até a sugerir a sua anulação numa linguagem violentamente nacionalista e demonstrando seu descontentamento em ruidosas manifestações populares. No seu radicalismo, fazem-nos lembrar os sans-culottes da Revolução Francesa. Sua apaixonada retórica frequentemente expressa o desejo de reabilitar velhas instituições e resistir a mudanças. Com esse intuito atacam impiedosamente as elites brasileiras e as instituições que elas haviam criado. (p. 151)

A Nova Luz responsabilizava a aristocracia brasileira pela política econômica que considerava desfavorável à nação e por sustentar o regime absolutista implantado pelo imperador. O jornal também defendia ardorosamente o “Grande Fateusim Nacional”, uma espécie de reforma agrária de cunho enfitêutico, que viesse a minar o “disfarçado feudalismo brasileiro” e o regime escravista. A respeito deste último, o periódico contrapunha várias formas de emancipação dos cativos. No plano estritamente político, Nova Luz Brazileira propugnava a realização de eleições para todos os cargos públicos, sustentando o que Viotti da Costa chamou de “um conceito sui generis de monarquia eletiva que o editor da Nova Luz Brazileira dizia inspirado em Silvestre Pinheiro Ferreira” (p. 152), um dos autores mais evocados no jornal, ao lado do liberal inglês John Locke e de um dos fundadores do utilitarismo, o também inglês Jeremy Bentham.

Apesar de defender um sistema mais democrático, o periódico excluía a contribuição da “aristocracia” numa nova organização política. Na edição de 27 de setembro de 1831, chegou a sugerir o sequestro de bens de nobres e conselheiros da monarquia. Muito por esta postura, e a exemplo do que acontecia a outros editores de pasquins considerados subversivos pelo governo, os redatores do jornal foram ameaçados e levados a júri pela Coroa em diversas situações.

A Nova Luz Brasileira mudou algumas vezes de casa impressora (como as de T. B. Hunt e de Torres), até que, em 1831, passou a sair em tipografia própria, com seis ou oito páginas por edição. A folha foi extinta seis meses depois da abdicação de D. Pedro I, no dia 13 de outubro de 1831, quando circulou o último número. O jornal teve 180 edições e seu fim, segundo Emília Viotti da Costa, deveu-se as fortes pressões do governo regencial dominado pelos liberais moderados.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 9 de dezembro de 1829, ao nº 180, de 13 de outubro de 1831.
- BASILE, Marcello. Ezequiel Correia dos Santos. Um jacobino na corte imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
- COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos – 8 ed. rev. e ampliada. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 2007.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
- SOUSA, Octávio Tarquínio de. Fatos e personagens em torno de um regime. História dos fundadores do Império do Brasil, vol. IX. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

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