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O Abolicionista – Orgão da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão

23 ago 2018

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e marcado com as tags Abolicionismo, Crítica política, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Liberalismo, Partido Liberal, Questões sociais, Rio de Janeiro, Segundo Reinado

Lançado no Rio de Janeiro (RJ) em 1º de novembro de 1880, aproximadamente oito anos antes da Abolição da Escravatura, O Abolicionista foi um importante periódico de engajamento na luta contra a escravidão no Brasil, propulsor da ideia abolicionista num momento em que a mesma começava a ganhar força junto à opinião pública e à classe política brasileiras. A Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE), que o editava, foi criada naquele mesmo ano de 1880 pelo político, diplomata, jurista e historiador pernambucano Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, auxiliado por outras personalidades públicas notáveis daquele período, como o engenheiro e empresário negro André Rebouças. Membro do Partido Liberal, Nabuco, que à época liderava a chamada “bancada abolicionista” na Câmara dos Deputados, presidia a Sociedade, estabelecida em primeira reunião em sua própria casa. Servindo de apoio ao projeto político abolicionista, O Abolicionista circulou regularmente, em periodicidade mensal, até sua 14ª edição, de 1º de dezembro de 1881 – sua extinção se deu por uma decisão estratégica de Nabuco, em vistas de manter a coesão na SBCE, que deveria ter, a partir de 1882, a Gazeta da Tarde, de José do Patrocínio, como seu órgão oficial. Tal mudança não significou o enfraquecimento da ideia abolicionista na opinião pública e no meio político institucional do país, nem o sepultamento da atividade de Nabuco nesse sentido: poucos anos depois, o estadista lançaria dois de seus livros dedicados exclusivamente à questão do regime escravocrata brasileiro: “O Abolicionismo”, de 1883, e “Campanha abolicionista no Recife”, de 1885.

Embora Joaquim Nabuco fizesse parte da elite política – era filho do magistrado e político José Tomás Nabuco de Araújo Filho –, conseguiu, através da SBCE, agregar referências de diferentes classes sociais em torno do abolicionismo, visando uma reforma monárquica. A fundação da própria sociedade, cabe destacar, seguia uma série de iniciativas de determinados setores das elites da época, país afora: a manutenção de clubes e associações liberais voltadas à defesa do abolicionismo. Angela Alonso, no artigo “O abolicionista cosmopolita: Joaquim Nabuco e a rede abolicionista transnacional”, que destaca, sobretudo, a intensa troca intelectual de Nabuco com abolicionistas de fora do Brasil, relata o seguinte, com relação às vésperas da fundação da SBCE:
Diploma debaixo do braço, Nabuco passou de 1876 a 1878 entre Estados Unidos e Inglaterra, em posições diplomáticas. Familiarizou-se então com o repertório abolicionista oitocentista. Com os ianques aprendeu que radicalização pode dar em guerra civil – exemplo a ser evitado. Na Inglaterra, soube da tradição de reformas graduais, baseadas no apoio de uma opinião pública mobilizada – exemplo a ser seguido. Aos 30 anos, Nabuco trouxe essas convicções na mala no retorno forçoso ao Brasil, ao ser eleito deputado, em 1879, por vontade – aliás, a última – do pai. Uma ampla agenda de reforma estava então em debate, incluindo o fim paulatino da escravidão. Problema da idade do país, permanentemente discutido, sucessivas vezes adiado. Mas desde os convulsos debates sobre o Ventre Livre, afinal lei em 1871, a mobilização antiescravidão cresceu por fora das instituições políticas, em associações, jornais e panfletos. Os abolicionistas eram ainda poucos, mas já barulhentos. A alma dessa agitação extraparlamentar era o mulato José do Patrocínio, filho de cônego com liberta, que se acertou na vida graças a amigos, biscates e um bom casamento. Desde 1879, Patrocínio martelava a abolição todo dia em seu jornal A Gazeta da Tarde e armava conferências públicas de persuasão da opinião pública urbana. Nabuco estreou na Câmara com essa agitação em curso. Lá, o abolicionista baiano Jerônimo Sodré levantou a questão em discurso. De modo que Nabuco não começou conversa em 1879, quando iniciou série de eloquências antiescravistas: "uma grande desigualdade existe em nossa sociedade [...] nesse sol há uma grande mancha que o tolda [...] ainda há escravos no Brasil". Mas daí por diante, Nabuco ofereceu-se como voz da mobilização da sociedade dentro do parlamento. Apresentou à Câmara projeto abolindo a escravidão aos poucos, de modo a extingui-la em 1890. Não emplacou, mas deu ao seu autor a chance de construir coalizão de dezoito deputados em torno da questão. E liderá-la.

Em benefício da aprovação de seu projeto abolicionista junto à Câmara, Nabuco via como crucial a obtenção do apoio fora da mesma, ou seja, na opinião pública: daí a necessidade de um órgão de publicação periódica que defendesse a causa, além da tessitura de alianças com proeminentes figuras da imprensa também favoráveis ao abolicionismo. Ainda nas palavras de Alonso,
Fora do Parlamento, [Joaquim Nabuco] lançou-se a broker, mediador entre sua coalizão parlamentar e a mobilização social antiescravista da imprensa e dos teatros. O passo consistiu em tentar juntar os abolicionistas numa única associação: a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE), que criou em casa, em 1880. Decisiva aí foi sua aliança com o engenheiro-empresário negro André Rebouças, filho, como Nabuco, de um "estadista do Império", homem dos mais bem relacionados do Segundo Reinado, e já envolvido em associações e projetos antiescravistas. Foram parceiros durante toda a campanha abolicionista. Rebouças fez a ponte – pensa e instável – entre Nabuco e Patrocínio: o jornalista endossou as iniciativas do deputado em seu jornal, dando assim a Nabuco a qualidade de porta-voz da mobilização abolicionista no Parlamento. (...) Nabuco batizou o jornalzinho da SBCE com o título que abolicionistas cubanos e porto-riquenhos em Madri davam ao seu: O Abolicionista. Cuidou ainda de circular o manifesto da SBCE em inglês, francês e espanhol. O próprio nome da associação era uma tradução do da British Foreign and Anti-Slavery Society (BFASS) – turma com a qual Nabuco engatara relações no ano anterior, ao denunciar companhia britânica que mantinha escravos ilegalmente no Brasil.

Lançado O Abolicionista, um texto não-assinado na primeira página de sua edição nº 1, de 1º de novembro de 1880, mas provavelmente de autoria de Joaquim Nabuco, em linguagem forte e direta, firmava a posição não só da SBCE, mas de todo o movimento que encampava, focando-se nos seguintes argumentos. Motivo de “humilhação para cada brasileiro”, independente de cor ou classe social,
(...) o trabalho escravo é a cauza única do atrazo industrial e econômico do paiz. O nosso territorio está coberto de latifúndios, onde da casa senhorial sahem as ordens para o governo das centenas de animaes humanos que enriquecem o proprietário. Alli, nem religião, nem instrucção, nem moralidade, nem família! Accresce que parte da escravatura está nas mãos de estrangeiros, que não poderiam possuir escravos nos seus paizes, nem conforme a lei dos seus paizes. Por outro lado a população está enjoada do espectaculo de uma riqueza criminosamente accumulada sobre a miseria geral pela exploração de um milhão e meio de homens. (...) É para luctar com a escravidão que este jornal apparece; é para denunciar-lhe os abusos e os tristes episódios; é para formar o archivo historico, em que no futuro as gerações, que nos succederem, possam ver a degradação do nosso tempo, e odiar para sempre o stigma impresso na fronte da nação Brazileira pelo trafico de escravos que ella tolera em pleno século XIX.

Em edições impressas pela tipografia da Gazeta de Notícias, no nº 72 da Rua Sete de Setembro, O Abolicionista sempre era publicado no dia 1º de cada mês, em edições de oito páginas, nas dimensões 33 x 23 cm, custando 200 réis o exemplar – as assinaturas, sempre anuais, custavam 5 mil réis para moradores da Corte, e 7 mil para leitores das províncias. Em suas páginas, ao longo de pouco mais de um ano, foram publicados artigos em defesa do fim do regime escravocrata sob vários aspectos, além de documentos da SBCE (incluindo seu manifesto), informes a respeito de clubes abolicionistas no Brasil e no exterior, notícias sobre acontecimentos caros à causa abolicionista na política institucional, entre outras coisas. Ao fim de suas edições, uma nota explicava que o “preço diminuto” d’O Abolicionista “permitte às pessoas que se interessam pela causa do trabalho livre distribuil-o largamente, fazendo a redacção um abatimento de 50% nas encommendas de mais de 50 exemplares”. Adicionalmente, a nota expunha que os editores do jornal da SBCE esperavam que “collegas da imprensa das províncias” deem “publicidade aos factos da escravidão (...) remettendo-nos todos os números dos seus periódicos em que se encontre qualquer contribuição interessante para a obra que emprehendemos”. Além dos exemplares d’O Abolicionista, seus assinantes recebiam “todos os pamphletos e avulsos que publicar a Sociedade Brazileira contra a Escravidão”.

A decisão pelo fechamento de O Abolicionista se deu para que se evitasse uma ruptura na SBCE. Em 22 de setembro de 1881 Joaquim Nabuco foi nomeado membro honorário da Sociedade Abolicionista Espanhola, por sua junta diretora. Esta, preocupada em se articular com as grandes capitais escravistas da América, solicitara a Nabuco quatro nomes para representar a Abolicionista Espanhola no Brasil, ao que cinco nomes foram indicados pelo deputado, todos membros da SBCE: André Rebouças, Nicolau Joaquim Moreira, Joaquim Serra, Marcolino Moura e Antônio Pedro de Alencastro Júnior. Excluído do grupo José do Patrocínio, então liderança da mobilização nas ruas, Rebouças, procurando evitar uma possível cisão da sociedade (e enfraquecimento do movimento) e buscando uma compensação, pleiteou pela transformação do jornal de Patrocínio, a Gazeta da Tarde, já proeminente ferramenta de propaganda do abolicionismo, em órgão oficial da SBCE. Joaquim Nabuco concordou com o ponto de André Rebouças, fazendo com que, a partir de maio de 1882, o vespertino de José do Patrocínio assumisse o lugar de O Abolicionista – apesar de ambas as folhas serem editorialmente distintas.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 1º de novembro de 1880, ao nº 14, de 1º de dezembro de 1881.
- ALONSO, Angela. O abolicionista cosmopolita: Joaquim Nabuco e a rede abolicionista transnacional. Novos estudos CEBRAP nº 88, dezembro de 2010. São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002010000300004. Acesso em: 20 ago. 2018.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.