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O Barão do Rio Branco e a Política de Aproximação com os Estados Unidos

17 set 2013


e marcado com as tags Americanismo, Barão do Rio Branco, Estados Unidos, Relações Exteriores

Introdução

A mudança da forma de governo no Brasil em 1889 acarretou alterações na condução da política externa. O Império, embora demonstrasse simpatia pela república norte-americana, havia mantido o eixo diplomático em Londres. Com o advento da República, os novos ideais impregnaram a orientação adotada pelo Ministério das Relações Exteriores, aprofundando a tendência americanista.

Os turbulentos anos iniciais do regime republicano também se refletiram na formulação da política externa brasileira. A instabilidade política não só comprometeu a constituição do corpo diplomático, como dificultou a atuação dos representantes brasileiros no sistema internacional e a construção de uma atuação.

Com a estabilização política e financeira alcançada no governo de Campos Salles (1898-1902) configurou-se um cenário favorável à atuação mais ativa do Brasil no concerto internacional. O governo de Rodrigues Alves (1902-1906), tendo no Ministério das Relações Exteriores José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, introduziu novas estratégias e diretrizes que garantiram conquistas relevantes no âmbito internacional.

O presente estudo analisa a atuação política de Rio Branco, destacando a importância que a política de aproximação com os Estados Unidos teve na condução da política externa brasileira. A trajetória de Rio Branco nos ajuda a perceber como um monarquista pôde ocupar um ministério do governo republicano. Sua competência na condução das missões de fronteiras certamente foi decisiva para que fosse nomeado, em 1902, ministro das Relações Exteriores, e o sucesso da sua gestão justifica a permanência no cargo até 1912.

À frente do ministério, Rio Branco deu continuidade aos esforços de aproximação com os Estados Unidos e aumentou o prestígio do Brasil no cenário internacional, tornando mais atuante e moderna a política externa brasileira. Ao estabelecer vínculos mais estreitos os Estados Unidos, nação em vertiginosa ascensão à condição de potência mundial, Rio Branco garantiria ao Brasil vantagens tanto no sistema internacional, quanto nas relações mais específicas com a América do Sul. Esta aproximação com os Estados Unidos chegaria ao auge em 1906, com a visita do secretário de Estado norte-americano, Elihu Root, por ocasião da III Conferência Internacional Americana no Rio de Janeiro.

O momento era favorável à aproximação. Na corrida imperialista, os Estados Unidos, buscando estabelecer sua área de influência, haviam retomado a Doutrina Monroe e procuravam renovar o diálogo com a América Latina. As relações comerciais com o Brasil e a maneira como Rio Branco interpretou os interesses nacionais também reforçavam a tendência de aproximação. Sua visão realista, característica que se eternizou na condução da política externa brasileira, passou a reger as ações do Itamaraty da mesma forma que a presença norte-americana, que, já no primeiro mandato de Rio Branco, se manifestou até mesmo nas importantes questões de fronteira com as repúblicas vizinhas.

Para a realização deste estudo analisei as cartas encontradas em diversas coleções da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), documentação que tem ficado à margem nas análises da atuação de Rio Branco. Agrupei informações pessoais do barão, dados contemporâneos aos acontecimentos e cotejei com as análises posteriores.

Uma das coleções consultadas foi a de Salvador de Mendonça, um dos precursores da política de aproximação com os Estados Unidos. A partir do exame dos documentos reunidos, pude analisar o alcance e a influência de suas idéias sobre o barão do Rio Branco, além de buscar respostas para as críticas que fazia a Paranhos.

A coleção José Carlos Rodrigues também se revelou interessante fonte de pesquisa. Encontram-se nela cartas em que Rio Branco trata principalmente da questão com a Guiana Francesa (de cuja defesa o barão se encarregou) fornecendo inclusive informações privilegiadas e artigos para publicar no Jornal do Commercio, do qual Rodrigues foi diretor.

Reveladora de suas impressões pessoais sobre acontecimentos internos e comentários que na ocasião não chegavam ao conhecimento público, a correspondência de Rio Branco mostrou-se extremamente útil para se conhecer melhor as origens e fundamentos de algumas posições adotadas pelo Ministério das Relações Exteriores no período em questão.

Rio Branco: de cônsul-geral em Liverpool a herói nacional.

A queda pacífica da monarquia contribuiu favoravelmente para a imagem do Brasil no exterior. Alguns países reconheceram de imediato o novo regime, como os Estados Unidos, que há muito se inclinavam neste sentido. A configuração, no entanto, de um cenário politicamente instável nos primeiros anos da República brasileira não agradava nem aos Estados Unidos nem às potências européias.

Esta instabilidade rendeu duras críticas na imprensa inglesa, que repercutiram negativamente, preocupando investidores vinculados ao Brasil. A crise financeira da década de 1890 agravou a situação, a ponto de banqueiros estrangeiros chegarem a se articular para retirar investimentos do país.

As questões que haviam composto o cenário da crise que culminou com o fim do Império1 enfraqueceram este regime, unindo cafeicultores paulistas e militares insatisfeitos e desejosos de mudanças políticas adequadas aos seus interesses. Alguns segmentos sociais expressivos identificaram no imperador o inimigo comum e decidiram destituí-lo do trono. Acreditavam que a monarquia era o problema. Mas, depois do 15 de novembro, encontravam-se num vazio de poder. O problema agora era estabelecer as novas instituições e redefinir as relações de poder. E a única força que parecia capaz de conduzir o novo quadro político era o exército.

Os governos provisório (1889-1891) e constitucional (1891) de Deodoro representam o momento fundador do novo regime político, fruto de uma confusa ideologia republicana que se dividia em diferentes grupos e transformava-se, nos seus primeiros anos, em sinônimo de agitação, desordem, anarquia. O governo republicano precisava lidar com dois pólos: a polis e o demos. 2

A instabilidade política persistiria durante a administração de Floriano Peixoto (1891-1894). A situação caótica, causada pelo jacobinismo nas ruas do Rio, contribuía para que as incertezas permanecessem dominantes. Grandes revoltas eclodiram no território nacional3 demonstrando a vulnerabilidade do regime. Somente perseguindo a oposição com “mão de ferro”, o presidente pôde alcançar maiores conquistas e seu governo passou a ser considerado responsável pela consolidação do novo regime.

O temor dos monarquistas parecia se realizar. Aquela que foi a única monarquia na América assemelhava-se agora aos demais países do continente até na instabilidade política. A correspondência entre os que temeram o fim da monarquia transmitia o receio de que, com o advento da República, passasse a predominar no Brasil a turbulenta rotina das antigas colônias espanholas. Em carta a Rui Barbosa, ministro da Fazenda e grande articulador do governo provisório, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o futuro barão, que desde 1876 exercia as funções de cônsul-geral em Liverpool, a esse respeito externava:

A questão hoje, como V. Ex.ª disse em um telegrama, não é mais entre a Monarquia e República, mas República e Anarquia. Que o novo regime consiga manter a ordem, assegurar, como o anterior, a integridade, a prosperidade e a glória do nosso grande e caro Brasil, e ao mesmo tempo consolidar as liberdades que nos legaram nossos pais – e que não se encontram em muitas das intituladas repúblicas hispano-americanas – é o que sinceramente desejo.4

No final do século XIX, na transição da monarquia para a república, a intelectualidade brasileira buscava referências. Defensores da monarquia tomam a América hispânica como um exemplo a não ser seguido, enquanto defensores da república consideram o Império um corpo estranho entre as repúblicas americanas.5 Os que defendiam o regime fundador do país eram testemunhas de um Segundo Reinado estável frente ao perturbador período regencial e à experiência dos latino-americanos. Portanto, os primeiros anos da República pareciam comprovar suas suspeitas, mas cada um agiu a seu modo: uns romperam laços e se exilaram, outros aprenderam a conviver com o regime, mesmo não lhe sendo favoráveis.

A eleição de Prudente de Morais (1894-1898) inaugurou o governo civil na República depois de turbulentos mandatos de militares que buscaram restabelecer a ordem para que o controle político entrasse em consonância com as tendências econômicas. A permanência do café como principal artigo de exportação definia a hegemonia dos produtores paulistas, que estavam profundamente ligados aos movimentos republicanos e se estabeleciam no poder.

O mandato do primeiro presidente civil foi dividido com representantes florianistas, como o vice-presidente Manuel Vitorino, o que confere um caráter de transitoriedade ao seu governo. “O Governo Prudente ora aparece como continuador de Floriano, atraindo a ira dos ‘reacionários’, ora como ‘civilista’, traindo, segundo os radicais jacobinos, os ideais da República.”6 Um grave problema de saúde afastou Prudente, levando seu vice à administração do país. De volta ao governo, restaram-lhe poucos meses para ensaiar medidas econômicas que atendessem aos interesses do café – a má administração financeira dos governos militares foi herança para o governo civil de Prudente, que encontrou dificuldades em revertê-la com o impasse criado pelo Congresso, levando o governo federal a tomar mais empréstimos.

A par disso, Prudente não desfrutou de estabilidade política. Enfrentou a resistência de Canudos numa guerra com muitas baixas que abalou o moral do exército,7 além de insistentes agitações dos jacobinos e das manifestações com a morte de Floriano em 1895. Somado ao cenário de inquietação política, um atentado ao presidente aterrorizou a população e levou o país ao estado de sítio. Fazendeiro paulista e republicano histórico, Prudente deveria trazer o Brasil de volta à normalidade para a consolidação da elite econômica no poder político. A exclusão do demos da participação no novo regime ainda repercutia em manifestações e movimentos que dificultaram a consolidação, mas não a impediram.

A Carta de 1891 carregava os ideais do projeto liberal paulista, e a partir dela instituía-se um sistema político presidencialista e federalista. Os governos militares não conseguiram solucionar os problemas institucionais que dependiam da reordenação das relações da polis, e o primeiro presidente civil não foi capaz de realizar todo seu projeto tendo em vista a permanente tensão entre o Legislativo e o Executivo.

Evitando influir nas decisões do Congresso, Prudente de Morais reivindicava, no entanto, a sua liberdade de ação relativamente à política dos estados. As tendências do Congresso para sobrepor-se ao Executivo, e as tendências deste para controlar soberanamente a política e administração dos estados completavam-se, pois, como claras manifestações dos hábitos parlamentaristas e centralizadores do Império. E como não era possível harmonizá-los no espírito do novo regime e no tumulto das paixões ainda quentes da guerra civil, extrema-se o dissídio, que agitaria todo o quatriênio civil e que lhe inutilizaria em grande parte os esforços de recuperação financeira e administrativa.8

Somente com o governo de Campos Salles (1898-1902) a República experimentaria a fórmula política que vigorou até 1930. Sua propaganda de candidato refletia-se sobre os primeiros anos republicanos, negando seu passado imediato. Deste modo pretendia se distanciar do início caótico do novo regime. Segundo Renato Lessa, em seu programa “O que está sendo sugerido pelo candidato é um modelo centrífugo, no qual a política e as relações entre polis e demos encontrem nos estados seus lugares de resolução.” 9

A autonomia dos poderes estaduais era vital para o funcionamento da máquina governamental. Essa percepção garantiu a Campos Salles o papel de articulador de uma estratégia que manteve as principais oligarquias no poder, a “política dos governadores”:10 “[...] com o beneplácito do governo federal, e baseando-se em fórmulas legais e no poder de coerção, os grupos estaduais podem consolidar-se e permanecer reinando sem perigo”.11

Definida a configuração política que dominou durante toda a República Velha, Campos Salles pôde voltar-se para as questões econômicas que constituíram o cerne de sua campanha.12 A criação da política de favores apaziguou o cenário político, levando sua preocupação maior, a crise econômico-financeira, ao centro do seu governo. Com uma política econômica ortodoxa e cumprindo o primeiro mandato republicano que não precisou apelar para o estado de sítio, conseguiu recuperar a confiança internacional no Brasil, consolidando um projeto conservador.

A construção das instituições na República não seria feita negando a Monarquia, mas garantindo a estabilidade que fora desfrutada nesta. Negava, sim, o passado imediato dos primeiros anos turbulentos da República. Campos Salles viabilizou seu mandato identificando o poder dos estados e restringindo à esfera destes as disputas que anteriormente perturbavam o bom funcionamento do governo republicano. Seu sucessor, Francisco de Paula Rodrigues Alves, assumiu em 1902 um governo profundamente diferente dos antecedentes, podendo desfrutar de um cenário política e economicamente favorável.13 Coube a ele construir uma nova imagem do Brasil.

Com o quadro político controlado e a economia saneada, faltava reorganizar o espaço nacional. Reformas em diversas frentes encarregavam-se de dar um novo contorno estável e moderno ao Brasil. A reforma urbana buscava superar o desenho do Rio de Janeiro, que permanecia sem a dinâmica das cidades do século XIX, com “ruas estreitas, praças mesquinhas, falta de higiene” e uma arquitetura decadente que mantinha os aspectos coloniais.Rodrigues Alves era o terceiro presidente civil e obedecia ao critério de ser paulista, ou seja, representante das oligarquias do café. No entanto, diferia desses oligarcas quanto ao engajamento político, pois não pertencia à propaganda republicana. Era um monarquista que, assim como muitos, sobrevivera na República. Depois do 15 de novembro pensou em afastar-se da vida política, mas foi convencido a fazer parte da chapa dos delegados paulistas à Constituinte e continuou em sentido ascendente até ser eleito presidente da República.14 Sua candidatura representou uma nova fase da República, que passou da euforia doutrinária para um período construtivo.

A composição do corpo ministerial correspondeu à formação conservadora de Rodrigues Alves, que fora inclusive reconhecido, pela princesa Isabel, conselheiro do Império. Figuravam nomes de personalidades criadas no seio da Monarquia, mas que se colocavam a serviço do país, tal como o antigo cônsul em Liverpool, o barão do Rio Branco, que veio a ocupar a pasta das Relações Exteriores. No mesmo sentido formaram-se outros setores da administração pública, como a prefeitura do Distrito Federal, sob a liderança de Pereira Passos, grande articulador da reforma urbana, e Oswaldo Cruz na direção da Saúde Pública.

O escritor e diplomata Álvaro Lins faz uma apreciação deste governo destacando que, embora muitos acusassem o presidente de ter ficado à sombra de seu ministério, Rodrigues Alves teria desempenhado com maestria suas atribuições como coordenador deste corpo administrativo. Garante sua habilidade em lidar com todas as esferas do governo: “Respeitava seus ministros tanto quanto respeitava o Congresso. Porque compreendesse que a estabilidade do regime dependia da autonomia e do prestígio de cada um dos três poderes, valorizava tanto o Legislativo e o Judiciário quanto o Executivo.”15

O caráter reformador de seu governo construiu um Rio de Janeiro mais moderno, com ruas largas e prédios novos, tendo a Avenida Central, inaugurada em 1905, como o grande símbolo destas transformações:

A remodelação e o saneamento do Rio de Janeiro, as primeiras grandes vitórias da presidência Rodrigues Alves, assinalavam uma etapa histórica na vida nacional. Não era apenas a capital do país que se modernizava e se embelezava, perdendo a sua antiga fisionomia de grande burgo provinciano, anti-higiênico e inestético. Com o exemplo do Rio de Janeiro, redimido da febre amarela, com o seu porto moderno, onde começavam a atracar grandes transatlânticos, e as suas largas avenidas asfaltadas e arborizadas, o Brasil parecia nascer para uma vida nova, mais ativa, mais alegre, mais confiante e mais orgulhosa de si mesma.16

Mas na execução de suas reformas escondia-se a insatisfação de muitos que não foram tão beneficiados com a reforma urbana e ainda estavam trans-tornados pela “agressividade” das políticas sanitárias. “A castração política da cidade e sua transformação em vitrina, esta última efetivada nas reformas de Rodrigues Alves e na grande exposição nacional de 1908, inviabilizaram a incorporação do povo na vida política e cultural.”17

Excluída da participação no governo, a maioria da população sofria ainda com o custo da política econômica ortodoxa de Campos Salles. As agitações, provenientes da atmosfera popular insatisfeita, somadas ao levante militar, facilmente reprimido, de 14 de novembro de 1904, representam a única tensão sofrida pelo governo de Rodrigues Alves.

Passados os turbulentos anos da infância republicana, a “república dos conselheiros” promovia reformas que garantiriam perspectivas positivas sobre o Brasil em todo o mundo. O bom andamento da política interna permitia maior ação da política externa preocupada em definir as fronteiras brasileiras.

Em busca do território nacional – as questões de Palmas e do Amapá

O território nacional é elemento indispensável para fixação de um país, é o espaço no qual exerce sua soberania.18 A delimitação de suas fronteiras é imprescindível para a formação de sua identidade e o reconhecimento de seus direitos perante o sistema internacional. “A noção de fronteira não é apenas geográfica e histórica, mas sobretudo política e jurídica. Ela ocupa um lugar fundamental no Direito Internacional, porque, na realidade, um Estado sem fronteiras definidas permanece numa situação de insegurança e instabilidade.”19

A independência do Brasil data de 1822, mas a definição de suas fronteiras arrastou-se pelo primeiro e segundo reinados chegando à República com questões definidas apenas com o Uruguai e o Paraguai. Tomando a vastidão do território brasileiro, um gigante na América do Sul, as pendências eram significativas. Representavam uma instabilidade que prejudicava a imagem do Brasil. Sua unidade precisava ser garantida por um território de fronteiras sólidas, demarcadas de maneira definitiva, estabelecendo concretamente aquilo que poderíamos chamar de Brasil.

Superado o período em que a política externa se dedicou exclusivamente ao reconhecimento da independência brasileira,20 o princípio de rejeitar a expansão territorial – em contraste com a conjuntura externa das potências européias inseridas na lógica imperialista –, a doutrina do uti possidetis21 e a recorrência aos tratados já firmados, a posição de não ceder território e
o entendimento bilateral eram os princípios configurados nos meados do século XIX.

Ao final do Império houve uma flexibilização desses termos e a aceitação da solução por arbitramento, instrumento que fora utilizado pelo imperador D. Pedro II para valorizar a imagem do Brasil no sistema internacional. A neutralidade que manteve na guerra do Pacífico e os esforços para o não envolvimento da Argentina no conflito garantiram a participação na comissão arbitral no pós-guerra, demonstrando seu prestígio internacional.

O imperador utilizou seu prestígio na Europa para resguardar interesses nacionais. Em suas três viagens internacionais e em eventos afins representava o Brasil e reunia ao seu redor países simpáticos ao Império. Neste contexto de abertura política, decide participar dos congressos pan-americanos. Todo esse empenho garantiu ao Brasil imagem privilegiada com a qual os republicanos teriam facilidade de diálogos no sistema internacional, não fosse a instabilidade política que configurou a última década do século XIX. “A República encontrara o Brasil na plenitude de seu prestígio internacional.”22

O grande esforço diplomático deste período consistiu em minimizar a turbulência interna sofrida no momento de consolidação da nova ordem. O reconhecimento da República Federativa do Brasil foi concedido em dois anos. A demora na manifestação dos governos europeus deve-se em grande medida a esses “anos entrópicos”, marcados pela anarquia e alto grau de incerteza, protagonizados pelas revoltas que revelavam a fragilidade inicial do novo regime político frente à realidade brasileira.

O Manifesto Republicano de 1870 havia indicado novas diretrizes que negassem a conduta da política monárquica. Sobre a política externa, a proposta era “americanizar” as relações da República, não somente no que dizia respeito aos Estados Unidos, mas também aos países sul-americanos. Quintino Bocaiúva, o primeiro ministro das Relações Exteriores no regime republicano, tentou avançar neste sentido oferecendo à Argentina um tratado23 que dividia a área litigiosa de Palmas24 entre os dois países, mas seu projeto não passou na votação do Congresso Nacional; se a área litigiosa era por direito brasileira, não havia motivos para propor divisão. Ao fim, a proposta não foi aprovada e a questão com a Argentina manteve-se sem solução.

Não havia antecedentes na história das relações internacionais do Brasil de um debate diplomático mais solene: nele tomaram parte toda a imprensa brasileira, ministros de Estado, plenipotenciários, geógrafos, publicistas e demarcadores de limites, todos quantos nos últimos anos haviam intervindo na política exterior do Brasil.25

Um tratado celebrado no final do Império, em 7 de setembro de 1889, entre o Brasil e a Argentina, previa a solução da disputa territorial por arbitramento sob o juízo do presidente dos Estados Unidos, caso as partes conflitantes não chegassem a um acordo em noventa dias.26 Frente ao fracasso de Quintino Bocaiúva, a solução por arbitramento se tornou patente.

A missão especial que partiu com objetivo de defender, junto ao governo dos Estados Unidos, os interesses do Brasil e dos brasileiros que habitavam a região litigiosa era chefiada pelo barão Aguiar de Andrada. A escolha de Floriano Peixoto baseou-se nos conselhos do visconde de Cabo Frio, que indicou o nome de Aguiar talvez influenciado pelo fato de este ter sido enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brasil em 1876, buscando restabelecer negociações acerca desta fronteira nas bases do tratado de 1857.

Afastado do cenário nacional e refugiado nos arquivos europeus por quase vinte anos encontrava-se o barão do Rio Branco, que em 1891 passara de cônsul-geral do Brasil em Liverpool27 a diretor do Serviço de Imigração em Paris. Os anos que permanecera na Europa proporcionaram-lhe facilidade de acesso a documentos importantes sobre a história do Brasil. Sua habilidade em vasculhar os arquivos e o gosto pelos estudos históricos e geográficos fizeram dele o maior conhecedor das questões sobre o litígio de Palmas. No entanto, seu nome, esquecido pela maioria do círculo político brasileiro à ocasião da convocação da missão especial, só foi lembrado por amigos que mantinham contato com ele, ou porque moravam na Europa ou porque se correspondiam,28 e pelo meio intelectual que tinha conhecimento de seus estudos sobre a região.29 A morte do barão Aguiar de Andrada, porém, trouxe novamente a oportunidade de Paranhos definir a fronteira com a Argentina em negociação, que a rigor teve início com seu pai, o visconde do Rio Branco, em tratado celebrado em 1857.

Sobre a escolha do barão do Rio Branco há algumas hipóteses e pouca certeza. Quem o teria indicado ao presidente? A versão mais aceita é que Floriano tenha acolhido a sugestão de Sousa Dantas, influenciado por sua vez por Joaquim Nabuco.30 O convite alcançou Paris por intermédio do ministro em Londres, Sousa Correia, e a resposta foi dada quase de imediato. Em telegrama a Paula Sousa, ministro das Relações Exteriores, Rio Branco comunicava: “Agora acudindo ao apelo do Sr. Marechal Presidente e de V. Ex.ª, vou sair por alguns meses do meu retiro, voltar por assim dizer ao mundo, e V. Ex.ª viu que tomei essa resolução sem hesitar um só momento.”31

O convite foi aceito prontamente por Rio Branco. A disposição em defender o Brasil residia no profundo conhecimento adquirido e no apelo sentimental que a questão suscitava. Diante dos documentos que havia consultado ao longo dos anos, sabia que a decisão da arbitragem não poderia ser outra se não favorável ao Brasil. Desta maneira encerraria com vitória um processo iniciado por seu pai. O seguinte trecho de seu caderno de notas comprova a confiança do barão em um laudo favorável: “Tenho a mais profunda convicção de que nenhum árbitro imparcial poderia resolver contra nós este litígio lendo a nossa exposição que deve ser escrita com a precisa clareza e acompanhada de mapas; por isso, nenhuma inquietação tenho quanto à resolução que há de proferir o Presidente Cleveland.”32

Os elementos que garantiram a Rio Branco a segurança da vitória faltaram a seu antecessor, o barão Aguiar de Andrada, que ao aceitar a incumbência de chefiar a missão especial em Washington lamentava: “Vai ser o fim da minha carreira, porque esta é uma questão perdida.”33
Mesmo acreditando no sucesso de sua missão, Rio Branco dedicou-se exclusiva e integralmente ao trabalho. Os esforços de Aguiar de Andrada e seus auxiliares estavam aquém das necessidades da missão. Os documentos e a defesa que pretendiam entregar ao governo norte-americano tinham muitas falhas e carências em diversos pontos, comprometendo o interesse brasileiro na delimitação de acordo com os rios Pepiri e Santo Antônio.

Desde o dia de seu desembarque nos Estados Unidos em 1893 ocupou-se incansavelmente da defesa brasileira, seja na elaboração e escrita da memória entregue ao presidente Cleveland ou nas articulações e coletas de informações que reunia a partir de consultas com os seus de inteira confiança. Salvador de Mendonça, ministro do Brasil em Washington, foi quem o apresentou ao círculo norte-americano, no qual fez importantes amizades. “O amigo mais próximo e mais importante feito por Rio Branco nos Estados Unidos foi, sem dívida, o professor John Basset Moore, uma renomada autoridade no direito internacional.”34 Depois do convite que recebera e aceitara em março de 1893 só conseguiu descansar após receber, em 6 de fevereiro de 1895, o laudo favorável ao Brasil na questão de Palmas.

Rio Branco precisou transpor alguns obstáculos à realização de seu trabalho. A memória da questão não seria elaborada integralmente por ele. Recebera um memorando do ministério e outro apresentado pelo advogado contratado Ivins. Mas o barão, com todo o rigor que dedicava a sua missão, não aceitou as condições. Em correspondência direta ao ministério e com seus amigos no governo fez entender a todos que, se confiavam nele, precisavam dar-lhe autonomia para conduzir os trabalhos de defesa. A mensagem foi entendida e seu desejo atendido. “Rio Branco quis fazer obra nova que refletisse sua visão pessoal do assunto e incorporasse as descobertas recentes por ele feitas. Foi, pois, o redator único da memória, de cabo a rabo.”35

Em sua estadia em Nova York, o barão isolou-se na companhia dos documentos que o auxiliaram na elaboração da exposição que apresentou ao juízo norte-americano. Evitava circunstâncias que pudessem comprometer seu trabalho e não alimentava especulações que surgiam na imprensa, com as quais teve de lidar durante os dois anos em que lá residiu. Os inconvenientes da imprensa estavam usualmente ligados ao argentino Estanislau Zeballos, res-ponsável pela defesa da República da Argentina, que parecia se divertir com a publicidade.

Assim como a missão brasileira, que perdera por uma fatalidade o seu primeiro designado para representar o Brasil no arbitramento, a missão argentina, depois da morte de Nicolas Calvo, nomeou para o cargo Estanislau Zeballos. Seduzido pela imprensa, o representante argentino aparecia constantemente nos noticiários afirmando que a vitória seria da Argentina, e por vezes criou situações que perturbaram o barão. Embora Rio Branco tenha mantido a postura, não aceitando as provocações de Zeballos, o encontro em Washington marcou o início de uma relação conflituosa.36

Proferido o laudo, que aceitava os termos apresentados pela exposição brasileira, Zeballos comportou-se de maneira mais elegante do que nos dois anos anteriores. Reconheceu o mérito brasileiro tão bem defendido pela memória elaborada por Rio Branco.

O fruto de tanto trabalho não poderia ser outro senão a vitória. Em 1895 o barão do Rio Branco conquistou o primeiro traçado de nossas fronteiras que levaria sua assinatura. A obra correspondia a 35.000 km² de território oficialmente reconhecido como brasileiro. O laudo favorável ao Brasil provocou intensas manifestações que glorificavam a atuação de Rio Branco. As felicitações do presidente Prudente de Morais chegaram por telegrama: “Em nome da pátria brasileira agradeço inolvidável serviço reconhecimento seus direitos”.37 O grande público passou da surpresa por sua nomeação, em virtude do seu longo afastamento do cenário nacional, à admiração pela sua façanha.

Realmente, no Brasil o regozijo foi imenso, não só porque resolvia a nossa mais importante questão de fronteiras, num período em que herdávamos do Império quase todas as questões de limite do Brasil com os nossos vizinhos ainda não resolvidas, como porque a solução viera evitar o nosso único motivo de divergência com a Argentina.38

Mas havia discussão em outras regiões de fronteiras brasileiras. Resolvido o litígio de Palmas, Rio Branco, em seu retorno à Europa, recebe um pedido para que analise a questão de limite com a Guiana Francesa visando, em breve, defendê-la em arbitramento.

A oficialização de Rio Branco como enviado extraordinário encontrou alguns percalços originários da situação política no Brasil. Manuel Vitorino, ao assumir interinamente o governo brasileiro, fez um convite a Rui Barbosa para ir a Paris como delegado especial da missão. Além disso, o ministro do Exterior, Olinto Magalhães, pretendia nomear um segundo plenipotenciário que, em caso de vitória, dividiria as glórias com Rio Branco. Estes problemas só retardaram a nomeação que era garantida pelo prestígio de que o barão gozava com Prudente de Morais, que o manteve nos estudos sobre a disputa, tornando incontestável o ato oficial de 1898, no governo Campos Salles, que o nomeou enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brasil.

Em 1894 a situação de anarquia na região, somada à descoberta de ouro, levou à retomada das negociações paradas desde 1888. Rio Branco chefiou a Missão Especial, concentrando a defesa nos seguintes pontos: 1 – estabelecer a região litigiosa e 2 – limitar poderes do árbitro. Depois de algumas possibilidades analisadas o árbitro escolhido foi o Conselho Federal Suíço.
O zelo e empenho que dedicara à defesa em Washington repetiram-se na elaboração da memória que pretendia fixar os limites com a Guiana France-sa. Estabelecidos nessa região, os franceses traficavam com índios pelos rios amazônicos. Em seguida começam as contestações dos limites entre o Brasil e a Guiana Francesa. O verdadeiro interesse era na bacia amazônica e nos benefícios do “comércio” com índios, além do acesso à vasta região precariamente ocupada e protegida.

Ao longo dos anos, que se estenderam desde a ocupação, o Brasil tentou firmar acordos para resolver as contestações sobre a região, mas o que podemos notar é a França querendo avançar na região amazônica, propondo a fronteira cada vez mais ao sul. Neste caso a definição do rio Oiapoque seria fundamental. Os interesses na bacia amazônica não eram apenas dos franceses. A questão de limites com os ingleses, que estava sendo estudada ao mesmo tempo e à qual Rio Branco prestava auxílio como assessor, também abrangia a região. Desta forma o barão acreditava que conduzir as negociações simultâneas, mas com diferentes árbitros e delegados, poderia favorecer o Brasil, ao mesmo tempo em que instigaria disputa entre as duas potências européias.

Mesmo distante, Rio Branco colaborava com jornais brasileiros. Aproveitando o conhecimento e a amizade que desfrutava neste meio, mantinha alguns jornalistas permanentemente informados sobre o curso do arbitramento. Na correspondência de José Carlos Rodrigues, responsável pelo Jornal do Commercio, podemos encontrar inúmeras cartas fornecendo dados privilegiados acerca do caso do Amapá. Desta forma o ministro fazia da imprensa um instrumento a favor da sua missão no estrangeiro.

O barão não estava tão confiante neste caso como na questão com a República Argentina, mas acreditava no direito do Brasil na causa que defendia. “O seu problema nesse debate era rigorosamente histórico. Ele devia provar – através de tratados, memórias, cartas régias e mapas – que o Japoc ou Vicente Pinzon do Tratado de Utrech era o Oiapoque brasileiro.”39 Desta vez tratava-se de uma diplomacia européia, mais ardilosa, e os documentos produzidos nas diversas tentativas de solucionar a questão não falavam a favor da causa brasileira. Neste episódio foram duas as memórias produzidas por Rio Branco, a primeira entregue em 1899 e uma segunda em réplica à memória francesa. Todo seu esforço fora empenhado na redação das exposições, escritas sempre no último momento, na esperança de encontrar novos documentos que pudessem favorecer o Brasil.

Em 1º de dezembro encerrou-se a espera pelo laudo final, o Conselho suíço reconheceu inteiramente o direito brasileiro sobre a área litigiosa. A exposição de Rio Branco não deixou dúvidas ao Conselho, que tradicionalmente preferia um termo conciliatório, mas as memórias eram esclarecedoras e o direito do Brasil incontestável.

A figura de Rio Branco ganhava prestígio. A notícia da vitória foi acolhida no Brasil com acaloradas manifestações que o elegiam herói nacional.40 “Novo e brilhante êxito do mesmo representante do Brasil encerraria para sempre duas das mais velhas e irritantes questões de fronteiras, que datavam da época colonial”.41

O prestigiado barão do Rio Branco contrastava com a figura do jovem José Maria da Silva Paranhos Júnior, que em 1876 havia enfrentado grandes dificuldades para conseguir sua primeira nomeação como cônsul-geral em Liverpool,42 dando início a sua carreira diplomática. Estava em marcha a carreira do estadista, que no início do século XX, ocupando a pasta do Ministério das Relações Exteriores (MRE), alcançaria seu esplendor.

Um Monarquista no Ministério Republicano

“Não venho servir a um partido político: venho servir ao nosso Brasil, que todos desejamos ver unido, íntegro, forte e respeitado.”43

Discurso de Rio Branco no Clube Naval em 1/12/1902


A formulação da política externa de um país é condicionada por diversos fatores, entre os quais sobressaem as percepções de seus principais gestores. São estas variações subjetivas que, de acordo com o sistema de crenças,44 influenciam a política adotada por determinado país. O meio ao qual o formulador pertence exerce influência direta sobre suas percepções e na maneira pela qual a política externa será conduzida.

Nos anos de instabilidade política da recém-proclamada República brasileira, a direção das relações exteriores sofreu com o impacto da mudança do regime. As percepções são diferentes daquelas que conduziam o Império, seus objetivos neste primeiro momento parecem se opor à política externa imperial. Enquanto a Monarquia mantinha relações mais estreitas com a Europa, a República buscou maior aproximação com o continente americano:

O Brasil viveu momentos de delírio. Queria romper com tudo que lembrasse o passado. O radicalismo exacerbou-se. Pretendeu-se até mesmo expropriar as companhias estrangeiras e expulsar do país o capital europeu. As manifestações do nacionalismo, paradoxalmente, acompanhavam as tendências para americanização do país.45

A orientação americanista estava presente no próprio Manifesto Republicano de 1870, no qual se afirma: “Somos da América e queremos ser americanos”. Por América entendiam todo o continente, sejam as “republiquetas” vizinhas hispano-americanas, sejam os Estados Unidos. Acreditavam que com a mudança de regime estavam mais próximos dos países americanos, e que pelo fato de pertencerem ao mesmo continente deveriam se considerar irmãos, em contraste com a Europa. O passado colonial fundamentava essa visão, na qual o Novo Mundo, depois de séculos de sofrimento e exploração promovidos pelas metrópoles, deveria unir-se contra qualquer pretensão européia. Neste sentido a doutrina de Monroe se fortalecia.

Instaurada a República, coube ao corpo diplomático brasileiro, como primeiro grande esforço, trabalhar em prol do reconhecimento do regime político por outros países. A transferência pacífica sinalizava um processo rápido. Sem registros de agitações e resistências, a notícia de um Brasil republicano agradava no cenário internacional, que parecia disposto a reconhecê-lo como legítimo. Mas a configuração do quadro nacional sofreu alterações, e a paz inicial foi engolida pela instabilidade política, conforme já se mencionou no capítulo anterior.

Desta forma, o reconhecimento tornou-se mais difícil e a imprensa internacional não colaborou com as intenções do governo brasileiro. Uma missão que parecia fácil de ser executada exigiu maior esforço dos diplomatas, que tentavam contornar manchetes pejorativas sobre a situação política no Brasil. O efeito destas notícias, que estavam presentes em folhas como o importante The Times, era sentido nas variações dos títulos brasileiros, vulneráveis aos boatos e às especulações. Os acontecimentos eram acompanhados pela imprensa internacional e repercutiam na postura dos governos:

Com a renúncia de Deodoro, ponto culminante da crise política, e a conseqüente ascensão de Floriano, renovaram-se as visões sombrias sobre o futuro do Brasil. O atento Conde Paço d’Arcos, ministro de Portugal no Rio de Janeiro, constou ao governo de seu país preocupação que, no geral, coincidia com a dos demais observadores europeus: vislumbrava o ingresso do Brasil numa era de pronunciamentos, de exacerbação da crise financeira, com risco de conflagração generalizada e até desmembramento.46

As notícias na imprensa britânica prejudicavam a imagem do Brasil no exterior. Na maioria dos casos os eventos eram maximizados, visto que muitos dos colaboradores dos jornais na Grã-Bretanha eram monarquistas e queriam sabotar o governo. Com toda essa repercussão negativa predominou a cautela entre os Estados europeus; todos esperavam por sinais que garantissem a ordem.

A Grã-Bretanha manteve relações oficiosas até o cenário político brasileiro apresentar-se mais estável. Embora navios britânicos tenham saudado a bandeira brasileira em novembro de 1890, seu reconhecimento oficial só foi realizado em 1891, quando também se pronunciaram, neste mesmo sentido, a Itália e a Espanha.

Os Estados Unidos queriam demonstrar imediatamente simpatia e apoio à República recém-instaurada, mas o cunho da ditadura militar fez o governo norte-americano hesitar. Após ampla discussão no Congresso e na imprensa, o reconhecimento da República veio em janeiro de 1890. O tratado comercial celebrado em 1891 entre os dois países demonstra a boa impressão causada pelo governo norte-americano, além de dimensionar a importância das relações econômicas estabelecidas entre o Brasil e os Estados Unidos.

Por sua vez, as repúblicas americanas, menos vulneráveis às notícias sobre o Brasil, reconheceram o novo regime antes dos países europeus. O Uruguai foi o primeiro a se manifestar em favor da República brasileira.

O experimento dos republicanos no poder alcançou inclusive a organização do ministério das Relações Exteriores. Sem prestígio no Legislativo, o incipiente ministério assistiu discussões sobre a proposta orçamentária que prejudicava o corpo diplomático. Alvo da política interna, seu quadro passou a ser constituído por funcionários que não pertenciam à carreira diplomática, acarretando ingerências, além de contaminar o ministério com disputas partidárias. Muitas dessas interferências tinham como objetivo tirar antigos representantes do Império de postos no estrangeiro ocupados antes da proclamação.

Carentes do conhecimento necessário, os deputados defendiam a supressão de legações,47 visando diminuir custos. As propostas eram de tal forma absurda que pretendiam suprimir a legação na Suíça enquanto o Conselho Federal deste país aceitara mediar negociações no arbitramento com a França sobre a questão do Amapá. Justificavam essa supressão pela ausência de relações comerciais com a Suíça, mas este argumento tornava-se frágil tendo em vista a postura adotada com as repúblicas vizinhas. “No tocante à América do Sul, onde poucos eram ainda os interesses comerciais em determinados países, mantinham-se e criavam-se legações por sentimentalismo republicano.”48

O romantismo do Manifesto Republicano de 1870 explicaria a aproximação que tentavam realizar com os países hispano-americanos. Neste sentido destaca-se o empenho em estreitar relações com a Argentina, tradicional rival do Brasil. Durante a gestão de Carlos de Carvalho49 no ministério das Relações Exteriores, que corresponde ao governo de Prudente de Morais, o chanceler declarou sua intenção de aproximar as duas nações, selando amizade com acordo comercial, que acreditava ser a melhor expressão de cordialidade.

O projeto apresentado em 1894 permite identificar o que o Legislativo considerava como prioridade no campo das relações externas brasileiras: as legações da França e da Inglaterra, seguidas pelas representações nos Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Portugal, Alemanha e Itália. Destaca-se ainda a maior atenção dedicada à América do Sul, propondo a criação da legação no Equador e na Colômbia, justificada por interesses comerciais ou de negociação de fronteiras, além da supressão da legação mexicana. O retraimento na Europa e a expansão no continente americano comprovam a “constatação que reforça conclusão de que a República provocou ruptura na política exterior que vinha sendo praticada pelo Império.”50

Por outro lado, a quantidade de ministros nomeados para a pasta das Relações Exteriores reflete a instabilidade do período. Em treze anos de governo republicano, de 1889 a 1902, onze ministros dirigiram a política externa brasileira. Portanto, faltavam diretrizes para a atuação da diplomacia na inserção do Brasil, agora uma República, no cenário internacional.

A emoção que contagiou a administração do país depois do 15 de novembro foi substituída pelo realismo que tomou seu lugar, sobrepujando o romantismo inicial. A aproximação com outros países americanos deveria ser regida por interesses previamente estabelecidos, e não pelo simples fato de compartilharem o mesmo regime político e estarem geograficamente no mesmo continente. Segundo o professor Clodoaldo Bueno, “O evento político (‘fato curto’) refletiu movimentos profundos de estrutura (‘fato longo’). As ocorrências de natureza política corresponderam à culminância de um processo de transformações econômicas e sociais.”51 Assim como a queda da Monarquia, a política externa brasileira na República estava ligada às mudanças socioeconômicas do Brasil com a ascensão de nova classe hegemônica, os cafeicultores. E as percepções dos novos dirigentes sobre o interesse nacional estavam em confluência com os interesses dessa nova elite, ou seja, uma diplomacia de agroexportação.

O primeiro passo da diplomacia no novo regime político foi concluído em dois anos. Os esforços antes direcionados para o reconhecimento do Brasil republicano concentraram-se na resolução dos litígios lindeiros. A política territorial passou a definir em muitos aspectos a política externa brasileira. Foi debaixo desta orientação que Rio Branco ganhou lugar e conseqüentemente projeção nacional. As resoluções favoráveis ao Brasil sobre as questões de limites com a República Argentina e com a Guiana Francesa revelaram o nome do barão e garantiram a ele status de herói. Seu prestígio era tal que lhe ofereceram duas opções, sendo uma delas de seu sabido interesse.52 Entre Lisboa e Berlim, Rio Branco preferiu ir para a Alemanha como ministro plenipotenciário do Brasil.

A curta espera pela nomeação para tal posto foi antecedida por imensa ansiedade, dadas as dificuldades financeiras enfrentadas pelo barão. Em certa medida, seus problemas econômicos deviam-se às dívidas contraídas em prol da defesa do Amapá. Mesmo representando uma parcela pequena, o aspecto social que envolvia as negociações era levado a sério por Rio Branco, que gastou mais do que cabia nos seus honorários de encarregado especial, patrocinando a realização de jantares e outros agrados àqueles que colaboravam de alguma forma com sua defesa.

Além da confirmação de sua nomeação para o posto em Berlim, a aprovação de uma lei no Congresso tranqüilizava seu coração preocupado com a ajuda que prestava a suas filhas. A dita lei concedeu ao barão do Rio Branco o título de Benemérito Brasileiro, somado a uma quantia considerável pela sua contribuição à nação brasileira com as vitórias de 1895 e 1900, e a uma dotação anual que poderia ser destinada à família em caso de morte.

Rio Branco retomou sua vida em Berlim com o projeto, interrompido pelo trabalho, de escrever suas obras históricas. Teve um início complicado pela crise financeira que passara e pela morte de amigos, fato que o deprimia,53 mas esperava encontrar paz na nova residência para poder dar continuidade aos seus estudos.

Durante sua longa estadia na Europa passou pelos lugares mais importantes os quais contribuíram imensamente para sua formação. “De um ponto de vista externo o jovem diplomata teve ampla oportunidade para estudar a posição do Brasil no mundo.”54 Pôde observar a política internacional e analisar a difícil rede de relacionamentos que a envolve; a capital alemã foi o quarto ponto de observação que faltava a Rio Branco. Este foi um espectador privilegiado, tendo passado por Londres, Paris, São Petersburgo, e agora Berlim, justamente no momento das articulações de Bismarck e da configuração de todo o contexto europeu que definem as alianças da I Guerra Mundial. 55

A rotina tão desejada pelo barão foi interrompida por um telegrama de Campos Salles em julho de 1902. Era um convite em nome do Brasil: “Rodrigues Alves deseja confiar-lhe pasta exterior e encarregou-me consultá-lo esperando de seu patriotismo não recusar. São estes também os meus votos”. 56

Antes de tomar posse como presidente da República, Rodrigues Alves já se preocupava com um problema que sobreviveria ao governo de Campos Salles: a chamada questão do Acre. E pensando numa possível solução para o caso lembrou-se do barão. Esta foi sua primeira escolha, antes de qualquer decisão sobre quais seriam os demais ministros.

Um convite como este que Rio Branco recebera deveria causar grande felicidade em qualquer diplomata de carreira. Não poderia imaginar que a jornada iniciada em 1876 lhe daria as glórias já conquistadas nem mesmo o prazer deste convite. O prazer, no entanto, tomou um gosto amargo.
A obra que se apresentava por proposta do presidente era grande e audaciosa. Contrariava seus últimos desejos de dedicar-se à História do Brasil, de manter-se no estrangeiro e mergulhado em seus papéis. A honra de receber tal convite não foi suficiente para convencer o barão, este não parecia disposto a renunciar às suas aspirações.

Sua correspondência demonstra o esforço que despendeu para conseguir a dispensa do serviço para o qual era convocado. Tudo transformara-se em motivos potenciais para que não fosse nomeado ministro das Relações Exteriores. Alegou problemas de saúde, a dependência financeira de suas filhas, a dificuldade da questão do Acre, a melhor qualificação de Nabuco, seu afastamento por demais alongado da política interna...

O convite de Rodrigues Alves era mantido em segredo. Sem saber das novas articulações, o então ministro das Relações Exteriores, Olinto Magalhães, desejando ao fim do mandato de Campos Salles ir para Berlim, ofereceu a Rio Branco o posto de ministro em Roma. Esta era uma alternativa a que o barão tentou se agarrar para evitar sua volta para o Brasil. Assim expunha sua situação ao amigo Hilário Gouvêa:

Lembro-me muito da nossa pobre terra, mas devo procurar servi-la utilmente, e penso que no exterior posso servi-la melhor segundo minhas aptidões. Devo também considerar o meu interesse pessoal e os meus recursos de vida. O meu interesse não está em meter-me naquela agitação constante, deixando por aqui parte da minha família, a que só poderei ajudar desmantelando em pouco tempo o magro pecúlio de que disponho.57

Apresentava a mesma preocupação em carta confidencial a José Carlos Rodrigues, de 22 de agosto de 1902, na qual afirmava que deveria recusar o convite: “Se, entretanto, o Dr. Rodrigues Alves não entender assim, e insistir em que eu vá para o seu ministério, obedecerei, embora certo de que o meu sacrifício será estéril.”58

Rio Branco não poupou esforços para convencer a todos que defendessem a sua causa. Tentava a todo custo provar como verdadeiro algo que era falso. E diante da hesitação do barão, o presidente Rodrigues Alves argumentava:

Quando pedi ao Dr. Campos Sales que o convidasse, em meu nome, para o cargo de ministro das Relações Exteriores, disse-lhe que as questões diplomáticas têm assumido entre nós tal importância que eu precisaria do concurso de um homem de reconhecida autoridade para bem estudá-las e de real competência para indicar as melhores soluções. Era para V. Ex.ª um sacrifício, eu bem sabia, mas é preciso que os homens bons o façam em benefício do país quando o seu esforço é reclamado em nome de seus grandes interesses.59

Em carta reservada a José Carlos Rodrigues, de 1º de setembro de 1902, Rio Branco confidenciava que “Já agora estou resignado a ir ao completo sacrifício, e a ruína total [...]”,60 indicando que aceitaria a pasta das Relações Exteriores. Depois de longas cartas, o barão acatou a convocação em nome de seu país. A erudição, suas qualidades de homem público e vitórias alcançadas superavam qualquer identificação com a Monarquia, porque acima de tudo entendia seu dever de servir à sua pátria, desprendido de paixões partidárias e ideológicas.

Viu-se novamente envolvido nos transtornos da mudança. Há pouco instalado em Berlim, com pretensões de ficar por muito tempo na capital alemã, precisou organizar tudo para em dezembro de 1902 desembarcar no Rio de Janeiro. O sacrifício de que falava em suas cartas começou desde o primeiro instante em que aceitou o desafio do ministério. Seus amigos tentavam consolá-lo; Joaquim Nabuco lembrava-lhe que sacrifícios pessoais precisam ser feitos por aqueles que representam um grande papel na História. Outros amigos o engrandeciam dizendo que abandonava seu ofício de historiador para fazer parte da História, e esse fim exigia sacrifícios.

Observador atento, o ministro dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Charles Page Bryan, transmitia as impressões ao Departamento de Estado sobre a constituição do governo de Rodrigues Alves como favorável às pretensões comerciais norte-americanas, e sobre a nomeação de Rio Branco dizia:

For the Ministry of Foreing Affairs Baron Rio Branco is specially well qualified, having enjoyed eigtheen years of experience in Europe and North America in many responsible positions. He has acquitted himself with such distinguished ability that he is today inquestionably the most popular public man in Brazil and to his brillinat advocacy of his country’s boundary claims is credited the favorable decision of several boundary disputes submitted to arbitration.61

A figura do diplomata atormentado pelo convite de Rodrigues Alves foi substituída pela imagem de um homem engajado no objetivo que se propunha. E a chegada ao Rio de Janeiro revitalizou o espírito de Paranhos Júnior.

Em meio ao verão carioca, num dia ensolarado, as ruas da capital estavam cheias de brasileiros ansiosos para receber o herói das fronteiras. Rio Branco desembarcou em 1º de dezembro de 1902 festejado por todos os desejosos de conhecer o maior representante do Brasil, que se tornou público ainda em terras estrangeiras. Mas o barão não se sentia à vontade diante de tamanha manifestação, como podemos notar em carta que dirigiu a seu amigo José Carlos Rodrigues: “Você sabe melhor do que ninguém que fujo de ser alvo de manifestações. Não vim ao Brasil depois de Washington e Berna para evitar recepções barulhentas.”62

Desde a vitória na questão de Palmas, em 1895, o barão era aguardado para agradecimentos em festividades a sua altura. Naquele dia, Rio Branco andou entre a multidão na rua do Ouvidor, sendo exaltado por todos. Aqueles que tinham a sorte de se aproximar ficavam admirados com sua figura. Nas manifestações transpareciam o poder e a glória que o barão do Rio Branco conquistou e com os quais se engrandecia para chegar ao ministério das Relações Exteriores.

Rio Branco – Formulador da Política Externa Brasileira

Desde 1876 desprendi-me da nossa política interna com o propósito de não mais voltar a ela e de me consagrar exclusivamente a assuntos nacionais, porque assim o patriotismo daria forças a minha fraqueza pessoal. Aceitando depois de longas hesitações e reiterados pedidos de dispensa o honroso posto em que entendeu dever colocar-me o ilustre Sr. Presidente da República, em nada modifiquei aquele meu propósito. A pasta das Relações Exteriores, deu-me S. Ex.ª, não é e não deve ser uma pasta de política interna. Obedeci ao seu apelo como o soldado a quem o chefe mostra o caminho do dever. Não venho servir a um partido político: venho servir ao Brasil, que todos desejamos ver unido, íntegro, forte e respeitado. Não posso dizer que desconheço as nossas parcialidades políticas porque acompanhei sempre com vivo interesse os acontecimentos da nossa pátria. Não os desconheço porque a todos estou preso desde alguns anos pelos laços da gratidão. Peço a Deus que me dê forças para poder continuar a merecer a estima dos meus compatriotas no posto para mim demasiadamente alto e difícil em que acabo de ser colocado.63

Estas foram as primeiras palavras que o barão do Rio Branco dirigiu ao povo brasileiro no Clube Naval, por ocasião da sua chegada ao Rio de Janeiro. Na verdade é a terceira parte de um breve discurso que visava agradecer o distinto tratamento que recebia de todos e esclarecer que sob sua administração o ministério das Relações Exteriores seria autônomo, independente da política interna. Garantia, aliás, que o recebera de Rodrigues Alves, e desde o primeiro momento quis expor isso a todos. O tom do discurso pronunciado no Clube Naval anunciava as mudanças no ministério, que com o prestígio do novo titular conquistou autonomia jamais vista na política nacional. De fato, Rio Branco havia galgado mais um passo: o de formulador da política externa brasileira.

Na sua gestão o caráter realista impregnou a formulação e implementação da política externa. Para ele a diplomacia devia ser de Estado e não de governo, ou seja, a política interna não devia intervir no intercâmbio entre Estados soberanos. A política externa brasileira passou a predominantemente ativa; com projeto e iniciativa próprios, iniciou uma nova fase na história diplomática brasileira.

Nesse ponto não há como deixar de associar sua posição à de Bismarck, quando este via “a política como uma ciência das possibilidades a considerar”. O senso de oportunidade de Rio Branco foi, assim, marca de uma concepção de Realpolitik, que, entretanto, ao contrário de outros exemplos europeus, pautou-se por alguns critérios éticos e jurídicos muito explícitos.64

Considerando que os países dispõem de recursos concretos (poderio militar, economia forte) e recursos simbólicos (prestígio, política externa confiável), Rio Branco percebia o Brasil como um país carente de tais recursos. Organizou sua política viabilizando meios para que conseguíssemos recursos simbólicos de maneira a compensar nossa “deficiência”, habilitando-nos para um melhor desempenho no sistema internacional. Esta lógica permeia os eixos da política externa do Brasil.

A política territorial, que já ocupava a pauta das relações exteriores, ganhou novas diretrizes. No início da República era uma maneira de lidar com o passado, com Rio Branco ganha novas estratégias, que garantem maior sucesso. Sob sua orientação cada questão tinha um tratamento específico; como propósito ideológico, defendia as posições herdadas do Império e assumia a possibilidade de mudanças, caso fossem necessárias, na abordagem das negociações.
Além desses aspectos, a política territorial de Rio Branco passa a obedecer a princípios básicos que permeiam as resoluções de fronteira: os tratados coloniais, o princípio do uti possidetis e as negociações bilaterais. O arbitramento, recurso pelo qual o barão obteve suas primeiras vitórias, embora fosse aceito, era considerado com reservas. Depois da decisão desfavorável ao Brasil emitida pelo rei da Itália, no arbitramento com a Guiana Inglesa, o barão evitou apelar para esta mediação.

Os limites estabelecidos depois de 1902 restringiram-se a negociações bilaterais sem intervenção ou mediação de qualquer outro país. Baseado nos princípios enumerados, Rio Branco foi capaz de concluir o desenho da fronteira brasileira e, com sua atuação e defesa, o mapa do Brasil ganhou contorno definitivo. Realizou esta obra sem o recurso da guerra; desta maneira fundamentou um princípio que permanece vigente na política externa brasileira, o pacifismo.
As questões lindeiras, que fomentaram guerras entre as repúblicas hispanoamericanas, foram resolvidas pelo Brasil de forma pacífica, sem derramamento de sangue. O mérito em grande parte foi do barão, que, de acordo com suas percepções, conduziu as negociações pela celebração de tratados.

Mas política territorial não foi o único elemento definidor da atuação do ministério de Rio Branco. Suas ações também contemplavam as relações de assimetria com as grandes potências e de relativa simetria com os países sulamericanos. Partindo da observação dessas relações, Ricupero identifica o paradigma Rio Branco,65 que é composto por três elementos fundamentais para a condução de sua política externa: a convergência ideológica, o aspecto pragmático e o empenho para harmonização de interesses com os Estados Unidos e destes com a América Latina.

As relações assimétricas foram marcadas pelos tratados britânicos, e a dependência financeira de Londres proveniente deles. A maneira que Rio Branco encontrou para se defender foi não renovar estes tratados. Buscou aumentar seus recursos simbólicos procurando diminuir as diferenças. O princípio de igualdade entre as nações também foi um elemento a favor de suas pretensões.
Nas relações de relativa simetria podemos destacar o esforço de aproximação com os países vizinhos, que só poderia ser ensaiada mais profundamente com as questões de limites resolvidas.

Houve em 1909 um projeto conhecido como ABC, que não chegou a ser realizado, de criar um grupo simétrico entre Argentina-Brasil-Chile para articular assimetricamente com os Estados Unidos. Rio Branco almejava fazer do Brasil um líder na América Latina, era a expressão de sua visão realista de uma política externa ativa engajada na busca pelo “lugar devido” no mundo. “A aspiração de elevar o prestígio do Brasil derivava, tanto em Rio Branco quanto em Joaquim Nabuco, da concepção segundo a qual o país ocupava uma posição diferenciada no contexto latinoamericano.”66

A diplomacia é a condução do intercâmbio com outras unidades políticas, Estados soberanos, que deve estar subordinada à política, ou seja, à concepção da coletividade sobre o interesse nacional.67

Identificar os objetivos e interesses do Estado brasileiro, que expressava as superiores finalidades nacionais sobre os aspectos circunstanciais e eventuais de governos, grupos partidários e homens públicos, era seu norte político, claramente expresso em diferentes momentos de sua presença no Itamaraty.68

Como um meio, um instrumento para alcançar os fins estabelecidos, o barão do Rio Branco traçou sua política de aproximação com os Estados Unidos. Mesmo sendo monarquista, tendo vivido vinte e seis anos na Europa e declarado depois de dois anos morando em Nova York: “Eu prefiro que o Brasil estreite as suas relações com a Europa a vê-lo lançar-se nos braços dos Estados Unidos”,69 Rio Branco direcionou a maioria de seus esforços para estreitar laços de amizade com o gigante do Norte.

Essa diretriz é fruto de sua percepção de que os Estados Unidos encontravam-se em condição ascendente, para ocupar no sistema internacional lugar de potência mundial. Diante desta circunstância, estabelecer vínculos com o país em ascensão garantia prestígio ao Brasil. “Percepção e imagem contribuíram e muito para o prestígio diplomático brasileiro da época, e o prestígio era e é componente não desprezível do poder”.70

No grandioso projeto de Rio Branco destaca-se a “aliança não-escrita”, um meio para alcançar os objetivos estabelecidos de acordo com suas percepções enquanto formulador da política externa brasileira. Uma política de aproximação que se revelou pragmática durante a gestão do barão, na qual a dita amizade não é incondicional, mas serve aos interesses nacionais e, neste caso, aos interesses estipulados por Rio Branco.

Política de Aproximação – Um Elemento do Paradigma Rio Branco

“Entre os modos de ver de um homem de Estado, a respeito do interesse nacional, e os resultados que finalmente ele realiza, existe sempre certa margem, às vezes certo abismo. É todo o espaço que separa o sonho da realidade.”71

Conforme já se viu, a transição pacífica da Monarquia para a República foi sufocada rapidamente pelas agitações de diferentes grupos, instaurando-se a temida instabilidade política. Ideais da propaganda republicana contagiaram o governo do novo regime, configurando nesse primeiro momento um cenário de ruptura com a ordem anterior.

No âmbito das relações internacionais buscou-se a aproximação com as repúblicas americanas em oposição à tradição européia. Mas a nomeação de Rio Branco para a pasta das Relações Exteriores no governo de Rodrigues Alves trouxe, de certa forma, a orientação do Império novamente para a condução da política externa brasileira.

É no contexto da “república dos conselheiros” que o barão passa a formulador72 da política externa. Como um monarquista se tornou formulador da política externa brasileira na República? A resposta para tal pergunta reside no fato de que os objetivos da política externa, neste momento, encontravam certa correspondência com a orientação do Império, logo, com a formação de Rio Branco. Mas foram os meios adotados para se alcançar estes objetivos, estratégias diferentes, que proporcionaram maiores conquistas à política do barão.73

A mudança do regime político não alterou por si a política externa brasileira, foram as diferentes percepções do interesse nacional que resultaram em novas diretrizes. O interesse nacional como representação dos anseios do povo e da União é meramente um elemento ideal,74 que surgiu em oposição aos interesses soberanos dos príncipes. Cada formulador de políticas dá aos interesses nacionais uma interpretação que tende a atender aos seus interesses, seja como parte de uma classe social, seja como indivíduo.

Definir o perfil de uma política implica apreender as intenções do homem de Estado, suas reais intenções. É sobre este aspecto que se encontra a maior dificuldade; estudar e conhecer a personalidade do homem de Estado que influencia a política adotada por determinado país. A dinâmica da política externa de Rio Branco corresponde a uma das concepções do conceito de interesse nacional descrita por Pierre Renouvin, a concepção da busca pela segurança, pela sobrevivência. Segundo Renouvin: “O conceito de segurança implica diversos componentes: manutenção da soberania e da independência, manutenção da integridade do território, manutenção, na medida do possível, da vida dos habitantes.”75

Este é o conceito mais geral a partir do qual os estados podem escolher objetivos e estratégias diversas para o mesmo fim. Seja uma potência mundial ou um país periférico, seu norte será sempre a manutenção da segurança, os meios seguidos por cada um variam de acordo com sua realidade nacional e a forma como está inserido no sistema internacional.

À diferença das grandes potências, que em muitos casos podem garantir sua própria segurança, países como o Brasil precisam buscar alternativas para salvaguardar sua integridade territorial e sua independência. Buscam em meios externos uma maneira de aumentar suas capacidades, seus recursos, para defenderem seus interesses. A política de alianças é uma prática desses países que tentam se proteger sob o poderio dos Estados mais fortes.

A motivação racional da formação de alianças é simples. O formulador da política percebe que os objetivos de seu Estado não poderão ser alcançados ou atingidos tão eficientemente, sem a ajuda externa. Por isso é empreendida uma tentativa de adicionar as capacidades de um ou mais Estados ao seu, tendo em vista a consecução dos referidos objetivos. O pressuposto é de que um comportamento coletivo cooperativo, respaldado por um aumentado poder, irá maximizar o atendimento dos objetivos específicos a um menor custo possível.76

A política de aproximação promovida por Rio Branco para estreitar relações com os Estados Unidos visava aumentar os recursos de poder do Brasil.77

A atuação do barão foi decisiva para o estabelecimento de uma aliança entre os dois países que pudesse favorecer sua inserção no sistema internacional e facilitar sua relação com as repúblicas vizinhas inclusive nas negociações de limites.

Desta forma a amizade com os Estados Unidos e os esforços empreendidos para diminuir as desconfianças dos hispano-americanos quanto ao governo norte-americano fundamentaram-se como elementos do paradigma Rio Branco. Embora fosse filho do Império, ele soube adaptar suas percepções às novas circunstâncias da conjuntura internacional. A preponderância norteamericana se definia tanto no concerto mundial quanto na dimensão hemisférica, na qual os países latino-americanos eram transformados na área de influência do gigante do Norte que expandia seu sistema capitalista.

No âmbito interno, o barão do Rio Branco modificou profundamente o Itamaraty. Mesmo que tenha consolidado tendências do tempo da monarquia,78 suas estratégias inovaram a atuação do corpo diplomático conferindo um caráter mais ativo à política externa brasileira.

A visão realista perpassaria as diretrizes do ministério comprometido com o interesse nacional. Sendo este o principal critério da política exterior, seus objetivos são defendidos no sistema internacional, o qual se encontrava em estado de anarquia. Diferente dos sistemas políticos internos, para os realistas, no cenário internacional, onde o Estado é considerado o ator principal, não há uma autoridade hierárquica.

Na ausência de uma hierarquia cabe aos Estados influir ou controlar os outros através de recursos de poder. Rio Branco compartilhava desta visão de sociedade anárquica79 e empreendia seus esforços para angariar recursos de poder para o Brasil. Na falta de recursos concretos, investia sua política na cooptação de recursos simbólicos, estratégia da qual se destaca a busca pelo prestígio.

O estabelecimento da aliança com os Estados Unidos foi inclusive uma estratégia para garantir prestígio ao Brasil. Projetar-se no cenário internacional a partir da amizade com a república norte-americana foi a escolha mais acertada naquele momento. A “aliança não-escrita” favorecia o ministério engajado para resolver as questões de limite, visto que, mais de uma vez, as repúblicas hispano-americanas, envolvidas em questões de litígio com o governo brasileiro sobre a definição de fronteira, recorriam ao governo dos Estados Unidos buscando seu apoio contra o Brasil. Além de fomentar uma política de poder, o prestígio, oriundo dessa aproximação, garantia ao Brasil maior participação em conferências e arbitragens. Sua imagem ligada à ascendente república do norte era projetada com maior relevo no meio internacional.

Ao analisar a aliança política que o barão buscou estabelecer com os Estados Unidos, não se deve perder de foco que esta relação, esta “amizade tradicional”, serve como um meio para os objetivos da política externa brasileira, que são a expressão dos interesses nacionais. O pragmatismo de Rio Branco não permitia considerar que a amizade implicasse apoio incondicional aos Estados Unidos. A aproximação com este país estava condicionada aos interesses superiores da Nação, dos quais se entendia como representante.

A gestão do barão do Rio Branco através da “aliança não-escrita” buscou alcançar os objetivos da política externa brasileira a serviço dos interesses nacionais. A tendência de aproximação com os Estados Unidos remonta aos primeiros anos de independência; apenas na República, com a administração de Rio Branco, ela pôde ser implementada.

Antecedentes da Política de Aproximação

Entre 1889 e 1903 certos eventos ajudaram a configurar as relações exteriores do Brasil, criando bases para que Rio Branco pudesse realizar sua política de aproximação com os Estados Unidos. Neste sentido, destaca-se a atuação de personagens como Salvador de Mendonça, que foram fundamentais para que ao tempo do barão as relações fossem favoráveis à amizade.

As notícias da proclamação da República espalharam-se pelo continente no momento em que se realizava a I Conferência Internacional Americana 1889-1890, convocada pelo governo norte-americano. O secretário de Estado, James Blaine, desde 1881 tentava reunir as nações americanas em uma conferência idealizada para atender aos “interesses do continente”.

Mas o ideal pan-americanista das reuniões latino-americanas organizadas anteriormente,80 nas quais se destacava o caráter jurídico-político, foi tomado pelos interesses americanos como instrumento a serviço das relações comerciais e financeiras entre os países do continente. Desta forma, a economia dos Estados Unidos, que se encontrava em pleno crescimento, buscava estabelecer laços mais fortes com as economias latino-americanas, de tal forma, que definiu assim sua área de influência. O enfoque econômico que a Conferência de 1889 adquiriu, do qual os Estados Unidos muito se beneficiavam, era mascarado pelos ideais de cordialidade e amizade entre as repúblicas do Novo Mundo em oposição ao imperialismo agressivo das potências européias.

A delegação brasileira enviada à I Conferência era chefiada por Lafaiete Rodrigues Pereira e orientada pelas instruções do governo imperial, o qual nutria reservas ao encontro, e o identificava como símbolo do expansionismo norte-americano, que pretendia limitar as relações dos países da América com a Europa. Em virtude do novo regime, Salvador de Mendonça, que já fazia parte da representação brasileira na Conferência, assumiu a chefia da delegação e recebeu de Quintino Bocaiúva, ministro das Relações Exteriores, autorização para reorientar as instruções brasileiras de acordo com o “espírito republicano”. Desta forma mudou a postura sobre o arbitramento, que era negado pelas instruções monarquistas e passou a ser defendido pela representação republicana.

Em escritos posteriores, Salvador de Mendonça relataria a reação dos participantes da Conferência, que traduzia o sentimento americano diante do advento da República no Brasil: “Depois da retirada do Senhor Lafaiete, Amaral Valente e eu voltamos às sessões da Conferência Internacional Americana, que nos acolheu com aplausos por ver presentes os delegados da nova república, que vinha integrar a democracia do continente.”81

A delegação brasileira, sob liderança de Salvador de Mendonça e inspirada pelas novas propostas republicanas, conseguiu, através de diálogos com argentinos, a aprovação do arbitramento obrigatório e a abolição do direito de conquista defendido pelos Estados Unidos. O secretário Blaine, ao indagar Salvador de Mendonça, sobre seus objetivos recebeu a seguinte resposta:

Respondi-lhe que os EUA com o acordo do Brasil e da República Argentina tinham conseguido o arbitramento obrigatório, e agora o Brasil e a República Argentina, com o acordo dos Estados Unidos, se o pudessem obter, e no caso contrário mesmo sem ele, riscariam do Direito Público Americano o pretenso direito de conquista. Chamei atenção para as naturais suspeitas que deviam surgir por parte dos latino-americanos contra essa abstenção dos Estados Unidos, se nela perseverassem.82

Mesmo nas discussões em que divergiam, o representante brasileiro se empenhou em manter relações amistosas com os enviados norte-americanos, engajados no desejo de aprofundar a amizade com este país.

As intenções do governo dos Estados Unidos revelaram divergências com os países da América Latina e desconfianças que as repúblicas hispano-americanas tinham em relação ao governo norte-americano. Os avanços que pretendiam promover no intercâmbio comercial favoreciam principalmente a economia norte-americana, mas sua plena realização não foi possível, entre outros motivos, devido à ativa participação dos delegados latino-americanos que discutiram amplamente as pautas do programa.83

Como resistência dos representantes sul-americanos, a união aduaneira proposta pela conferência foi criticada e não conseguiu obter pareceres favoráveis a sua implementação. Em contrapartida, apresentou-se a criação da União Internacional das Repúblicas Americanas.84 Esta organização, através do Bureau Comercial das Repúblicas Americanas,85 visava o intercâmbio de informações de interesse comercial, com a publicação de boletins divulgando estatísticas e dados específicos de cada país membro.

A I Conferência Pan-Americana marcou um momento de esforço dos Estados Unidos para fortalecer sua economia e fixar sua zona de influência, assim como faziam as potências européias na corrida imperialista.86 A diferença reside no meio utilizado para alcançar o mesmo fim: “A extensão da influência dos Estados Unidos em direção ao sul far-se-ia de modo pacífico; a ampliação do comércio teria a marca da reciprocidade.”87

A atuação de Salvador de Mendonça contribuiu para que os resultados da I Conferência Internacional Americana fossem positivos, embora de alcance pouco prático. Salvador participara ativamente da propaganda republicana, tendo redigido um capítulo do Manifesto Republicano de 1870.88 Junto com Quintino Bocaiúva e Saldanha Marinho fundou o Clube Republica-no, que divulgava os ideais de seu grupo inclusive através de jornais em que colaboravam.

Em 1875 foi nomeado cônsul em Nova York. A partir deste momento passou a conhecer mais profundamente a república americana e admirá-la. Permaneceu em serviço nos Estados Unidos até 1898, quando foi transferido para Lisboa. Durante esse período seu posto de maior importância, ocupado de 1890 até ser removido, foi como ministro do Brasil em Washington.
Enquanto representava o Brasil na capital norte-americana, pôde contribuir para que as relações entre as duas nações se tornassem cada vez mais amistosas e cordiais. Seus esforços junto com o secretário de Estado James Blaine resultaram em 1891 no tratado celebrado entre os Estados Unidos e o Brasil, que ficou conhecido como “Tratado de reciprocidade”. Visando incentivar as relações comerciais entre os dois países, o acordo estabelecia produtos americanos que poderiam penetrar no mercado brasileiro desfrutando de benefícios alfandegários, na mesma medida em que o café e o açúcar brasileiros eram favorecidos para entrar no mercado americano.

Além de representar a tendência brasileira de se aproximar dos Estados Unidos, o tratado de 189189 refletia as mudanças na direção da política externa, que durante o Império, depois dos acordos desiguais firmados à ocasião do reconhecimento da independência, evitou selar relações por via de tratados comerciais.

A política exterior do Império foi sempre no sentido de evitar as alianças embaraçosas, as entangling alliances, que os americanos repeliram desde sua independência. [...] a proclamação da República fez esquecer a lição do Império. O acordo aduaneiro de 31 de janeiro de 1891 foi a primeira concessão de favores comerciais que o Império não permitira.90

Anterior ao tratado de 1891 é o reconhecimento do novo regime político do Brasil pelo governo dos Estados Unidos. Ainda reunidos na I Conferência de 1889-1890, Salvador de Mendonça buscou articular com ministros americanos e com o secretário de Estado para que Washington fosse o primeiro a se pronunciar reconhecendo o novo regime político como legítimo. Recebeu informação por carta do barão de Itajubá, ministro do Brasil em Londres, de que as potências européias só se manifestariam depois que o governo norteamericano o fizesse.

James Blaine reagiu favoravelmente ao reconhecimento imediato, como defendia Salvador de Mendonça, mas a resolução não foi tão simples e o reconhecimento oficial só se realizou depois de o assunto ser discutido pelo Congresso. Em janeiro de 1890 nosso ministro em Washington, José Gurgel do Amaral Valente, foi recebido pelo governo dos Estados Unidos, que em abril enviou uma mensagem congratulatória ao governo brasileiro.

Diante dos impasses gerados pela Revolta da Armada, que agitaram o cenário brasileiro de 1893 a 1894, Salvador de Mendonça foi novamente peça fundamental na articulação com o governo norte-americano. Suas ações auxiliaram a construção dos alicerces para a política de aproximação realizada por Rio Branco.

É indiscutível que, da ação do nosso representante em Washington, advieram medidas do governo americano que evitaram que a atitude simpática das potências européias a favor dos rebeldes degenerasse numa intervenção prejudicial ao Brasil, em momento tão delicado como o foi o da Revolta da Armada.91

O movimento eclodiu em tempos de instabilidade política a partir de rivalidades entre a Marinha e o Exército. A sublevação começou no Rio Grande do Sul em 1893 com a Marinha de Guerra (composta pela aristocracia), que contestava o poder de Floriano, e atingiu outros estados, como o Rio de Janeiro. Inicialmente a revolta, que estava ligada a princípios republicanos, passou a monarquista, o que aterrorizava os governistas que temiam um retorno ao regime monárquico apoiado pelas potências européias.

A Marinha rebelou-se e, diante da ameaça de bombardearem a cidade, o governo pediu apoio dos navios estrangeiros ancorados na baía da Guanabara. Temendo que um posicionamento pudesse comprometer as relações comerciais, as forças ancoradas afirmavam que só auxiliariam se os rebelados bombardeassem a cidade; buscavam manter neutralidade.

O governo pediu a Salvador de Mendonça que negociasse a compra do navio norte-americano Newark, ancorado no Rio. Mas o comportamento do comandante deste navio provocou uma situação delicada entre os dois países. O almirante Staton saudou e visitou o navio dos rebelados, o que representava uma afronta ao governo brasileiro.

Mas a atuação isolada deste almirante não refletia a posição de seu governo, os telegramas de nosso ministro em Washington afirmavam que qualquer sinalização de intervenção estrangeira na revolta levaria os Estados Unidos a defender os interesses brasileiros. Acima de tudo estava em voga o respeito à Doutrina Monroe. “As palavras do presidente Cleveland, pelas declarações de seu secretário Gresham, foram decisivas a favor do governo do Brasil e contra os desejos que as outras potências européias manifestavam de intervir na revolta.”92

O apoio decisivo foi dado pelo novo comandante norte-americano que, frente à tentativa dos rebeldes de impedirem o desembarque de um navio mercante dos Estados Unidos, declarou que reagiria com força, responde-ria com balas ao bloqueio. Coagidos, vendo o movimento enfraquecido, os revoltosos pediram asilo ao navio português, que o concedeu. A atitude dos representantes de Portugal foi recriminada pelos Estados Unidos e recebida como afronta à soberania pelo governo brasileiro.

A intervenção do governo de Washington na Revolta da Armada auxiliou a consolidação do novo regime promovida por Floriano. Da mesma maneira fortalecia a Doutrina Monroe e aumentava a influência norte-americana no Brasil. Em gesto de agradecimento pela ajuda prestada, no ano de 1894, o dia da independência dos Estados Unidos foi considerado feriado e as comemorações tomaram conta do país, que se enfeitou de azul, vermelho e branco.

As circunstâncias econômicas eram favoráveis e os eventos políticos contribuíam para que os dois países fortalecessem sua amizade. As diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos diminuíam ao fim do século XIX. À medida que nos afastávamos da Europa, nos aproximávamos cada vez mais dos Estados Unidos.

Origens do Americanismo

As bases dessa relação foram afirmadas por Rio Branco à ocasião de sua execução buscando um “respaldo” histórico que remontava à independência do Brasil. Neste sentido, destaca-se o seu artigo, publicado sob o pseudônimo J. Penn, “O Brasil, os Estados Unidos e o Monroísmo”,93 no qual, através de documentação histórica, estabelece laços da tradicional amizade.

Assim, o Brasil, desde os primeiros dias da revolução que o separou da mãe pátria, pôs particular empenho em se aproximar politicamente dos Estados Unidos, aderiu logo à doutrina de Monroe e procurou até concluir, sobre a base dessa doutrina, uma aliança ofensiva e defensiva com a Grande Nação do Norte, como lhe chamavam já então os próceres da independência brasileira.94

Muitos historiadores encontram no século XVIII uma figura que pode ter sido precursora do americanismo. Rodrigo Otavio, em artigo na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), de 1940, estabelece as raízes do americanismo com Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri em 1750.

Em alguns pontos deste tratado, destaca que os povos da América deviam se manter unidos e que uma eventual guerra entre as metrópoles na Europa não deveria repercutir nas suas colônias, o princípio da paz na América.

Joaquim de Sousa Leão Filho, e outros que escreveram sobre o “Dia Pan-Americano” na RIHGB, destacam os mesmos pontos sobre Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri e ainda ressaltam outros marcos dessa amizade antes de Rio Branco assumir a pasta em 1902.

Apenas instalado neste lado do Atlântico, d. João VI passa a encarar os problemas americanos de maneira que devia parecer insólita a europeus, ao formular votos de união e amizade em carta ao presidente dos Estados Unidos. E logo que d. Pedro I proclama nossa independência, despacha um Encarregado de Negócios [Silvestre Rebelo] para alcançar o reconhecimento de Washington [...] 95

Em 1824, imediatamente após a mensagem de Monroe (dezembro de 1823), o Brasil teria proposto uma aliança para que prevalecesse a política americana à européia. Declaração do ministro dos Negócios Estrangeiros, Carvalho e Melo:

Vossa Mercê observará que não só a política do gabinete brasileiro é propriamente americana e tem por essencial objeto a sua independência de qualquer tutela européia, mas que este governo não desaprova nem maquina contra Instituições Políticas que esses governos (os governos de outros estados sul-americanos) adotarem [...]96

A apreciação do histórico da amizade entre o Brasil e os Estados Unidos demonstra que, depois de o governo norte-americano ter reconhecido o Brasil independente e terem selado um tratado de livre comércio e navegação em 1828, essa aproximação foi ligeiramente interrompida em função das crises no Prata, que o Brasil enfrentava, e do próprio contexto americano de isolacionismo. Ainda como fatores dissonantes aparecem pequenos desentendimentos entre representantes das duas nações.97

Passados anos de transformações e consolidação de regimes políticos, os dois países estreitaram novamente suas relações. Embora fosse uma tendência ainda do Império, a aproximação não condizia com o contexto da época, a presença inglesa era muito intensa e a influência americana só conseguiu aumentar à medida que a pax britannica foi sendo substituída pela hegemonia norte-americana.98

Sob a liderança de Theodore Roosevelt o governo dos Estados Unidos relembrou as palavras de Monroe de 1823, seus princípios pareciam ainda atuais e foram adotados por uma nova leitura do presidente que passou a ser chamada de “corolário Roosevelt”. A declaração original tinha um caráter defensivo, anticolonialista, direcionado às pretensões européias no continente. Retomada no início do século XX, tratava a América Latina como um todo que estava sob o poderio norte-americano camuflado pela propaganda panamericanista de cooperação entre as nações.

Desta maneira legitimava intervenções dos Estados Unidos pelo continente de acordo com seus interesses. À diferença das potências européias que avançavam sobre suas zonas de influência com práticas agressivas de dominação, o governo norte-americano intitulou-se polícia da América, defensor da paz, e assim, penetrando nelas, dominou econômica e politicamente as repúblicas latino-americanas.

O pronunciamento de Roosevelt em 6 de dezembro de 1904 estabelecia os deveres dos Estados no concerto hemisférico. Coube aos Estados Unidos garantir a segurança das repúblicas mais fracas contra o inimigo imperialista europeu, enquanto as nações instáveis da América Latina deviam aceitar a preponderância do “gigante do Norte” e buscar apaziguar suas questões internas.
A Europa era simpática ao “corolário Roosevelt” na medida em que tornava mais estável a situação nas “republiquetas” hispano-americanas, onde possuía muitos investimentos que precisavam ser garantidos. Sob a ameaça da intervenção da polícia do continente, o mercado internacional sentia que suas aplicações na América Latina estavam mais seguras.

Enquanto a política norte-americana do “Big Stick” gerava desconfianças entre as repúblicas hispano-americanas, Rio Branco tranqüilizava os ânimos mais exaltados de seu país afirmando que o Brasil não devia temer a polícia do continente, uma vez que não apresentávamos um cenário interno instável. Ao contrário, o governo de Rodrigues Alves desfrutava de uma política interna estabilizada, depois dos primeiros anos turbulentos da República, e de uma economia crescente que se enquadrava na Divisão Internacional do Trabalho e mantinha relações importantes com a economia dos Estados Unidos.

A garantia do alcance dessa política norte-americana dependia da identificação dos países sul-americanos com ela. O apoio do Brasil apresenta-se como peça fundamental para sua aplicabilidade. De acordo com Álvaro Lins, “Rio Branco não vinha colocar o Brasil como caudatário de uma doutrina de política externa de uma grande nação, mas oferecer a essa doutrina, como aliado em situação de igualdade, um apoio que a ela daria mais vitalidade e condições de exeqüibilidade”.99 Ao abraçar a Doutrina Monroe e frente às interpretações dadas pelos governantes norte-americanos, o barão buscava um diálogo conciliatório com países da América do Sul, e garantia que países como o Brasil, Chile e Argentina não tinham por que temer o corolário Roosevelt, que se direcionava a nações “turbulentas” e “desgovernadas”.

Cabe, porém, assinalar que a tendência de aproximação com os Estados Unidos já estava presente na pauta das relações exteriores do Brasil antes mesmo de o barão assumir o ministério. Buscando conceder caráter tradicional à amizade, alguns autores remetem a eventos anteriores ao Império e identificam na orientação monarquista uma disposição para estreitar vínculos com o governo norte-americano. Os ideais do pan-americanismo e a Doutrina Monroe constituem o cenário onde políticas de engajamento entre as nações do continente se tornam possíveis.

Aspecto Econômico como Fator de Aproximação

A economia brasileira no início do século XX baseava-se no comércio exterior, fundamentada na exportação de produtos primários e na importação de produtos industrializados produzidos pelas potências européias, tal como no passado colonial. A presença da Inglaterra era predominante, seguida por mercados ascendentes como a Alemanha e os Estados Unidos. Os vínculos comerciais e financeiros entre o Brasil e a potência inglesa foram sedimentados à época da independência, em 1822, e fortalecidos durante o Império.

A proclamação da República em 1889 levou a uma maior aproximação com suas “semelhantes” repúblicas vizinhas. Mas a dependência econômica estabelecida ao longo dos anos não permitiu ao Brasil um afastamento imediato da influência inglesa. À medida que as potências européias envolviam-se cada vez mais na lógica imperialista, nas disputas e na concorrência entre elas, a economia norte-americana, em vertiginosa ascensão desde o final da guerra de Secessão, ganhava espaço como nova potência mundial e lançava suas garras sobre as fragilizadas economias latino-americanas.

Porém, a mudança de regime político não implicou transformações na condução da economia brasileira.100 Essa variação nem seria justificável, pois o movimento que suplantou a Monarquia estava ligado à força econômica que os cafeicultores paulistas representavam. O que podemos notar na consolidação do regime republicano é a condução de uma política comprometida com os interesses do café que levou, ainda na primeira década do século XX, à implementação de políticas de valorização acordadas no convênio de Taubaté em 1906.

Assim como a política interna estava ligada à economia nacional, a política externa encontrava-se comprometida com interesses dos cafeicultores. Este período caracteriza-se por uma política de agroexportação, na qual as articulações políticas visam atender às necessidades dos produtores de café.

As relações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil no século XIX ganham nova dinâmica em virtude do aumento na venda do café brasileiro. Desde o período 1865-70, a república norte-americana se destacaria como o maior comprador das sacas de café produzidas no Brasil,101 índices alcançados inclusive com os benefícios alfandegários concedidos pelos dois países.

A visita de Pedro II em 1876 à Exposição de Filadélfia repercutiu favoravelmente para a imagem do Brasil neste contexto de ampliação de mercado para as exportações brasileiras. Os americanos encantaram-se com a figura intelectual do imperador tropical inaugurando um período de fortalecimento das relações econômicas. Mas os Estados Unidos, voltados para seu próprio desenvolvimento industrial, ainda não desempenhavam papel relevante nas importações brasileiras nem consideravam o potencial desse mercado. A exportação norte-americana era fruto apenas dos excedentes de sua produção, logo, as potências européias dominavam o concerto das importações brasileiras.

Este momento, considerado por Bradford Burns como “negligência amigável”, encerra-se em 1889 com o advento da República. A orientação americanista da política brasileira estava em consonância com os interesses dos cafeicultores, favorecendo o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos, que se fortaleceu no final do século XIX e alcançou índices extraordinários no início do XX.

O governo republicano adotou medidas que beneficiaram a economia de agroexportação. O mencionado tratado de 1891 foi o primeiro esforço neste sentido, buscando facilitar as relações comerciais com Washington. Mas a posterior concessão norte-americana à livre entrada do açúcar antilhano no seu mercado agravou as discussões no Brasil, que já denunciavam o convênio como prejudicial à economia brasileira.

Os opositores ao acordo, assim como a opinião pública, sentiam-se traídos pelo novo tratado celebrado pelo governo norte-americano, que deixava o açúcar brasileiro em desvantagem frente ao açúcar das Antilhas. O impasse gerou desconfianças e reações que repercutiram em estados como Bahia e Pernambuco, os quais criaram uma taxação especial para os produtos americanos, o que acarretou o fracasso do convênio aduaneiro de 1891, anulado pelo Congresso em 1894.

O empenho em promover as relações comerciais entre os dois países apresenta-se inclusive pela ação do governo dos Estados Unidos com a criação da tarifa Dingley em 1897, a qual estabelecia uma lista de produtos tropicais, excetuando o açúcar, que desfrutariam de benefícios alfandegários para entrar no mercado norte-americano. “A partir de 1904, como compensação da livre entrada do café e outros produtos brasileiros, sobretudo borracha e fumo, no mercado norte-americano, o país concedeu redução, renovada a cada ano, de 20% (elevada a 30% a partir de 1910 para a farinha de trigo) aos produtos de procedência norte-americana.”102

Os esforços para aprimorar as relações comerciais do Brasil com os Estados Unidos procediam das duas nações envolvidas. Neste sentido destacam-se acontecimentos103 que configuram o momento de consolidação do conceito de “amizade tradicional” evocado na política americanista.

A balança comercial resultante das trocas entre os dois países gerava divisas para o Brasil, e o valor das exportações superava o das importações. “Durante o período de Rio Branco, esse desequilíbrio permaneceu constante: o Brasil vendia aos Estados Unidos quatro vezes mais do que comprava, e essa estatística revela a política comercial seguida pelos dois países.”104

Mesmo com a balança comercial desfavorável, a economia norte-americana foi o maior beneficiado dessas relações a longo prazo, pois conseguiu estabelecer a dependência brasileira e continuou no seu percurso ascendente, enquanto o Brasil via seu desenvolvimento comprometido pela estrutura agroexportadora. A expansão do sistema capitalista dos Estados Unidos elevava o país à condição de potência e subjugava o Brasil ao seu sistema de poder.

À época do ministério de Rio Branco, as relações avançavam a ponto de os Estados Unidos, na busca por mercados para seus produtos industrializados, pretenderem fazer do Brasil uma base para suas articulações na América do Sul. Em contrapartida, o governo brasileiro preocupava-se com a manutenção dos benefícios conquistados no mercado norte-americano para continuar escoando a produção de café. Desta forma, as relações comerciais configuram o fator econômico como elemento a favor da política de aproximação e intrinsecamente ligado a ela.

Práticas do Ministério Rio Branco 1902-1906 – Auge da Aproximação com os Estados Unidos

“A sua fidelidade à tradição, com efeito, não se realizava pela cômoda e medíocre atitude de repetição, mas pelo poder de imaginar o que os grandes homens do passado teriam feito no seu lugar e na sua época.”105

O Brasil festejou a chegada de Rio Branco ao Rio de Janeiro em dezembro de 1902 tanto por seus méritos relativos às vitórias já conquistadas, quanto pela necessidade de levar um representante ao Itamaraty que fosse capaz de resolver a polêmica questão do Acre. O barão parecia reunir qualidades suficientes para negociar uma solução a favor dos brasileiros, principalmente a favor daqueles que desbravaram a floresta para exploração da borracha.

A expansão dos seringais levava um número cada vez maior de trabalhadores, a maioria oriunda do Nordeste, para a região do Amazonas. Fixavam-se no meio da floresta com suas famílias, formando um contingente significativo de brasileiros em território disputado pela Bolívia e o Brasil. Assim, como os bandeirantes haviam feito no período colonial, os seringueiros alargavam a fronteira brasileira. “Ninguém é mais bandeirante que o seringueiro”, como afirma o historiador Viana Moog.106

A interpretação oficial, tanto no Império quanto no governo republicano, reconhecia a área como território boliviano, aceitando o limite demarcado pelo tratado de 1867. Este acordo, celebrado entre o Brasil e a Bolívia em Ayacucho, foi, na verdade, uma manobra diplomática do governo imperial que pretendia impedir a participação da Bolívia na guerra do Paraguai (186570). Para evitar que o envolvimento boliviano prejudicasse a posição brasileira na guerra, os estadistas que propuseram o tratado concediam o território à soberania boliviana. Mas não eram ingênuos e a própria redação do tratado conferia um caráter provisório, visto que condicionava a demarcação definitiva e relativizava sua validade.107

Diante da progressiva ocupação brasileira, o que daria respaldo à argumentação do princípio de uti possidetis, e da promissora exploração da borracha, a situação tomava novos contornos e o tratado de 1867 não era capaz de contemplar essa nova realidade. O que antes se resumia a entendimentos históricos e geográficos agravou-se com a introdução de aspectos políticos e econômicos.

A população acreana, que era majoritariamente brasileira, não aceitava a soberania da Bolívia e inflamava-se contra o governo deste país em revoltas que implicaram a ação das forças bolivianas. Essas agitações pesariam nas negociações entre os dois países. Mesmo o Brasil reconhecendo o direito boliviano, precisava resguardar a segurança dos 60.000 brasileiros108 residentes nesta região.

As revoltas dos seringueiros, somadas à dificuldade de acesso ao Acre, levaram o governo boliviano à decisão de arrendar as terras para representantes estrangeiros através do Bolivian Syndicate:

[...] por contrato firmado em 11 de julho de 1901 entre Félix Aramayo, ministro da Bolívia em Londres, e Frederick Whitridge, de Nova York, para a administração fiscal, polícia e exploração do Território do Acre ou Aquiri, contrato aprovado pelo Congresso Nacional da Bolívia e promulgado pelo Presidente Pando.109

Desta forma o governo boliviano concedeu plenos poderes sobre a região àquela empresa anglo-americana, que passou a desfrutar de direitos conferidos apenas a Estados. De acordo com Bradford Burns, “A Bolívia esperava que uma próspera companhia estrangeira seria capaz de ocupar e garantir em seu nome o território amazônico que ela reivindicava”.110

A inclusão do elemento externo e privado na questão gerou irritação no governo brasileiro e em todas as nações vizinhas, que viviam assombradas pelo fantasma do imperialismo europeu à maneira que era praticado na Ásia e na África. Ainda no governo Campos Salles essa notícia agitou o meio político e repercutiu intensamente na imprensa,111 que se ocupava do caso em defesa dos brasileiros no Acre. A partir deste momento a postura do Itamaraty começou a mudar.

O ministro das Relações Exteriores, Olinto Magalhães, que a princípio defendia o direito da Bolívia, comunicou ao governo boliviano que esta decisão acarretaria mudanças na resolução da questão.
Rio Branco assumiu o ministério no final do ano de 1902, durante o segundo levante dos brasileiros naquela região, rebelados desde agosto sob a liderança de Plácido de Castro. A primeira revolta havia sido reprimida pelo governo boliviano em 1899. O barão, enquanto ministro das Relações Exteriores, pronunciava que defenderia os filhos da nação brasileira contra investidas militares da Bolívia. A opinião pública reclamava medidas de proteção à população acreana e a reivindicação do território. Este era o cenário conflituoso que reinava e ocupava a imprensa e as discussões em diferentes esferas da sociedade, quando Rio Branco assumiu a pasta. Ao analisar o caso, ele concluiu que “só uma solução se impunha, urgente e inadiável: tornar brasileiro o território habitado pelos nossos nacionais mediante sua aquisição”.112

À diferença das diretrizes que definiram as defesas do caso de Palmas e do Amapá no final do século XIX, Rio Branco, mesmo com seus profundos conhecimentos de historiador e geógrafo, conduziu as negociações para o âmbito político e diplomático porque entendia que os argumentos históricos e geográficos não favoreciam o Brasil. Modificando em definitivo a posição do Itamaraty, declarou a área em litígio, levando a Bolívia para a negociação, e considerou a aquisição por compra do território.

A primeira tarefa que se impunha ao ministro exigia dele audácia e ampla percepção da conjuntura internacional, além de boa articulação com a imprensa. Que caminho deveria tomar para não se desentender com as potências envolvidas através do Bolivian Syndicate e para manter a opinião pública favorável a sua administração? Decidido pela aquisição, precisava orientar suas negociações com o governo boliviano e com a empresa anglo-americana separadamente.

Frente às dificuldades encontradas para seguir com as negociações junto ao governo boliviano, o ministério se empenhou em afastar o consórcio estrangeiro da questão. O Bolivian Syndicate era composto por empresários de diferentes nacionalidades, que buscavam apoio nos seus países para defenderem seus direitos, estabelecidos pelo contrato assinado com a Bolívia. Rio Branco precisava garantir que nenhuma potência interferisse nas suas negociações, e para tal a garantia de que os Estados Unidos não se envolveriam era fundamental para que pudesse agir seguramente em prol dos interesses brasileiros.

Homens influentes na economia e no governo norte-americano, como um primo do presidente Roosevelt e banqueiros de Nova York, faziam parte da coligação de estrangeiros que constituíam o grupo internacional. Neste sentido, o governo dos Estados Unidos, atendendo aos interesses destes empresários, inclinava-se a intervir na conflituosa situação para garantir os direitos dos seus nacionais.

Ao barão restava “apenas” a ação diplomática para conseguir que o gigante ianque não interferisse nas questões fronteiriças entre as repúblicas sul-americanas. Por meio de constante correspondência e da ação conjunta com os nossos representantes diplomáticos, conseguiu convencer o governo norteamericano de que, mesmo diante da corrida imperialista, não valeria a pena implementar o modelo de dominação utilizado pelas potências européias na região sul-africana, enquanto seguiam a tendência de dominação orientada pela Doutrina Monroe.

Equiparar-se ao imperialismo europeu colaborando com a implementação do Bolivian Syndicate comprometeria a dominação sutil que pretendiam exercer na América Latina. “A tentativa do Bolivian Syndicate deixou claro, mesmo aos mais céticos, que o Brasil não estava imune às investidas do imperialismo.”113

Os Estados Unidos compreenderam a mensagem de Rio Branco. Defenderam apenas que os investidores não fossem lesados e mantiveram-se neutros nas negociações. Assim, nos últimos dias de fevereiro de 1902, o governo brasileiro conseguiu a revogação do contrato firmado entre a Bolívia e o consórcio, cabendo-lhe indenizar o Bolivian Syndicate, decisão considerada satisfatória pelos empresários que já haviam percebido a inviabilidade do projeto. Ao pagar a indenização, o barão foi criticado por comprar uma concessão caduca, visto que não seria viável sua aplicabilidade, mas ele queria encurtar o caminho para a resolução final.

Resolvido o impasse com a empresa anglo-americana, o ministério dedicou-se integralmente às negociações com o governo boliviano. Depois de incansáveis esforços diplomáticos114 sem apelar para o confronto armado, o que parecia em certos momentos inevitável, foi celebrado o tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903, único caso de aquisiçãoterritorial depois da Independência.

Por ele, o Governo boliviano cedia ao Brasil um território de 191.000 km², em troca de compensações territoriais em vários trechos da fronteira mato-grossense; uma área de 3.200 km² habitada por bolivianos entre o Beni e o Madeira; a construção de uma estrada de ferro entre Porto Velho e Guajará-Mirim; a indenização de dois milhões de libras esterlinas.115

A questão do Acre se ramificou configurando pequenos problemas que Rio Branco precisou solucionar. Ao fim, além de definir a fronteira com a Bolívia, comprovou sua capacidade diplomática, mesmo tendo recebido duras críticas pelo tratado de Petrópolis, e vislumbrou a importância do apoio, ou mesmo da neutralidade, dos Estados Unidos frente à resolução das questões de limites com as repúblicas sul-americanas.

A forma como conduziu as negociações demonstrou suas habilidades e pôs ainda mais em voga a tendência de aproximação: “[...] a atitude de afastamento assumida pelos Estados Unidos na disputa do Acre aumentou a confiança do barão nos Estados Unidos, fazendo com que se conduzisse de modo ainda mais amigável do que em outras circunstâncias.”116

Manter relações amistosas com os Estados Unidos era um meio de neutralizar os pedidos de apoio e intervenção direcionados a este governo pelas nações sul-americanas envolvidas em questões de limites com o Brasil. Para a condução dessas negociações, o barão percebe a importância da Doutrina Monroe, que, mesmo sendo um instrumento imperialista para os Estados Unidos, poderia servir aos interesses do Brasil, embora se limitasse a agregar recursos simbólicos. “Nunca o barão apelaria, nunca apelou, para o expediente de um pedido de intervenção parcial dos Estados Unidos nas questões e incidentes entre o Brasil e os países sul-americanos.”117

No mesmo ano da assinatura do tratado que estabeleceu os limites entre o Brasil e a Bolívia, Rio Branco teve nova oportunidade de demonstrar sua amizade à nação norte-americana. Resultante de movimento separatista,118 o Panamá proclamou sua independência em 3 de novembro de 1903 com amplo apoio do governo dos Estados Unidos, que reconheceu o país independente em 13 do mesmo mês. As nações americanas que seguissem seu exemplo teriam, sem dúvida, a simpatia de Washington.

A reação no Brasil foi favorável à emancipação. Os movimentos vinham sendo relatados nos jornais que apoiavam o reconhecimento; tal manifestação era notada, inclusive, em jornais de oposição que defendiam o pronunciamento do governo brasileiro desde o primeiro momento. As críticas à ação dos Estados Unidos, embora existissem, eram poucas e não ganharam projeção.

Ciente do envolvimento norte-americano no processo de independência e dos interesses que tinham no istmo, Rio Branco sabia que deveria fazer da situação uma oportunidade para demonstrar sua intenção de estreitar os laços de amizade com os Estados Unidos. Neste sentido, aguardava apenas um pedido formal do Panamá, como revelou a David E. Thompson, ministro dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, para reconhecer como país independente o mais novo membro do continente americano.

Além da ocasião ser conveniente para aproximar as duas nações (Brasil-Estados Unidos), acreditava-se no Brasil que a construção do canal, o qual Washington tanto se empenhara para realizar, facilitaria as relações comerciais com a costa americana banhada pelo Pacífico. A obra diminuiria a distância entre esses mercados, o que poderia impulsionar as vendas para esse destino, possibilitando o aumento inclusive da exportação do café brasileiro para a região. Logo, o aspecto econômico era mais um fator a favor do reconhecimento e coincidia com os interesses do Itamaraty.

Todo o processo de reconhecimento ficou a cargo das legações dos dois países credenciadas em Washington. A 6 de dezembro, Rio Branco informa ao representante brasileiro nesta capital de que não havia dúvidas sobre a independência panamenha, sinalizando desde esse momento a disponibilidade do Brasil em reconhecer tal condição. Mas a sagacidade do barão, sua percepção de boas oportunidades, o levou a uma execução serena do ato, buscando desta forma produzir mais frutos para sua política.

Rio Branco condicionou seu reconhecimento à articulação com a República Argentina e com seu tradicional aliado, o Chile. Na espera pelo cumprimento das formalidades exigidas por esses governos, que permitissem o reconhecimento conjunto das repúblicas em questão, outras repúblicas americanas se adiantaram manifestando-se primeiro.119

Mesmo o governo brasileiro tendo recebido o pedido formal dos representantes do Panamá em 27 de novembro, apenas sete dias após a conversa que Rio Branco teve com o ministro norte-americano, só manifestou seu reconhecimento em março de 1904 em virtude das articulações com a Argentina e com o Chile.120 A demora não comprometeu o efeito da coordenação. O secretário de Estado John Hay tinha conhecimento de que, de acordo com o governo brasileiro, o reconhecimento poderia ter sido manifestado desde dezembro de 1903, mas, preferindo-se a ação conjunta, foi retardado alguns meses.

A decisão brasileira foi transmitida ao governo norte-americano pelo encarregado de Negócios dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Dawson: “Upon March 2nd, Baron Rio Branco said that he was now ready to recognize, Chile having indicated her intention to make imediate action, and there being no doubt that Argentina would soon do the same.”121 Essa comunicação demonstra a articulação entre os países do ABC para reconhecerem juntos a independência do Panamá.

O ministro das Relações Exteriores calculava muito bem suas ações para que pudesse ganhar com elas o máximo possível. Conquistava a simpatia dos Estados Unidos, que se inclinavam por aceitar a política de aproximação pretendida por Rio Branco, mas ambos deixavam tudo na forma de uma “aliança não-escrita”. O pronunciamento brasileiro aprovando a atuação norte-americana no caso do Panamá e o subseqüente reconhecimento garantiam uma imagem positiva do Brasil que favorecia a política externa brasileira na busca por prestígio (recurso de poder simbólico).

A maneira como cada ator é visto no sistema internacional depende inclusive do prestígio de que desfruta neste meio e nos subsistemas em que está inserido. A conquista brasileira para o primeiro cardinalato sul-americano representa um caso de prestígio internacional, e Rio Branco, consciente deste valor, soube explorar eximiamente a questão, da negociação à conquista.

Um objetivo de cunho tradicional, como era a criação do cardinalato brasileiro, encontrou espaço propício para sua realização na “república dos conselheiros”. A questão discutida desde o Império foi abandonada no início da República em função da problemática em torno da separação entre Estado e Igreja. O antecessor de Rio Branco, Olinto Magalhães, durante o governo Campos Salles, havia retomado os esforços para que fosse concedido ao Brasil o primeiro cardinalato na América do Sul. Neste momento, Roma, que com Ouro Preto quase procedeu a dita criação, estava disposta a elevar o arcebispo da Bahia à “púrpura cardinalícia”, mas o presidente do Brasil discordava desta escolha, defendendo a indicação do cardeal do Rio de Janeiro, capital da República.

As negociações ganharam força com Rio Branco, que, na defesa de uma maioria católica da população brasileira, empenhou-se na missão de conseguir esta designação de Roma.
Sabendo que a demora do Vaticano se justificava pelo temor que tinham da reação do Chile, caso o Brasil fosse favorecido com o cardinalato, o barão garantia dirimir este entrave. Passou então a defender a criação de um cardinalato na América portuguesa – o Brasil – e outro cardinalato na América espanhola, que seria no Chile. Desta maneira, buscava agilizar a resolução de Roma e ainda fazia boa propaganda com seus vizinhos.

Clodoaldo Bueno sustenta que, na verdade, travou-se uma disputa entre o Chile, a Argentina e o Brasil pelo primeiro cardinalato na América do Sul, na qual os dois rivais do Brasil intercederam contra ele. Mas a “vitória” brasileira representa o resultado do empenho de Rio Branco e o prestígio do Brasil que, com a criação do cardinalato, tendia a aumentar.

Os eventos que marcaram os primeiros anos da gestão de Rio Branco, como também seriam os anos subseqüentes, deixavam clara a orientação e a tendência de aproximação com os Estados Unidos. As relações amistosas e recíprocas caracterizavam a condução da diplomacia entre os dois países. Seguindo essa direção, visando aumentar o prestígio desfrutado no governo americano e sinalizar, não apenas entre eles mas para todo o mundo, o sentimento de cordialidade e cooperação que reinava na conexão Rio-Washington, Rio Branco centralizou esforços para a elevação recíproca das legações destes países à categoria de embaixada.

Em dezembro de 1904, o barão iniciou consultas ao ministro dos Estados Unidos no Rio de Janeiro sobre a disposição do governo norte-americano em retribuir àquela iniciativa brasileira. Para o barão interessava conseguir garantias de que a elevação seria recíproca, encontrando a correspondência no Departamento de Estado. Desta forma, comunicava ao seu representante em Washington: “Desejamos nomear para aí o Sr. Joaquim Nabuco. O presidente elevaria a embaixada a nossa legação aí se esse governo quisesse elevar na mesma ocasião a sua aqui. Poderíamos fazer isto em janeiro. Estimaria se fizesse quanto antes.”122

A escolha do representante brasileiro para tal missão já estava decidida. Joaquim Nabuco, a quem Rio Branco tentou passar o ministério das Relações Exteriores quando recebeu o convite de Rodrigues Alves, era a escolha do barão, pois não acreditava existir outro capaz de ocupar tal cargo e realizar a missão que investia a embaixada nos Estados Unidos: “a amizade pelos Estados Unidos, o apoio à Doutrina Monroe e a dedicação ao pan-americanismo faziam de Nabuco a escolha lógica de Rio Branco para servir em Washington como embaixador”.123 Nabuco seria junto com Rio Branco peça mestra na aproximação, visto o entusiasmo e a competência que dedicou às relações entre os dois países.124

O pronunciamento de Roosevelt sobre a retomada de princípios da Doutrina Monroe havia acontecido há poucos dias, e o seu acolhimento simpático no Brasil agradava ao governo de Washington, que não tardou a dar seu parecer favorável à questão. A proposta do barão foi aceita. Em janeiro de 1905 realizou-se o ato diplomático que confirmava a decisão, depois de aprovadas as nomeações dos embaixadores os presidentes dos dois países em 21 de janeiro assinaram as credenciais.

A recepção oficial de entrega das credenciais, pelo então nomeado embaixador dos Estados Unidos no Brasil, David E. Thompson, foi comentada pelos jornais e registrada pelas circulares do ministério das Relações Exteriores. Em 17 de março esta documentação destaca o discurso de Thompson ao presidente da República proferido no dia anterior:

A mútua confiança e boa vontade dos dois governos manifestou-se de novo na resolução por ambos tomada de elevarem as suas respectivas legações em Washington e no Rio de Janeiro à categoria de embaixadas. A amizade que de longa data existe entre os dois países recebeu, assim, uma nova consagração. [...] todos nós desejamos ver, cada dia, estreitar-se mais a amizade entre as duas repúblicas irmãs.125

Com o mesmo espírito encontramos o discurso de Rodrigues Alves, pronunciado nesta ocasião, o qual também busca demonstrar a simpatia diante da realização de elevação das embaixadas “[...] uma nova afirmação da amizade que, jamais interrompida desde a nossa independência, subsiste felizmente entre os dois povos”.126 A circular descreve ainda detalhes da recepção que demonstram a devida importância que teve a oficialização da troca de embaixadas.

A entrega das credenciais por Nabuco ao presidente dos Estados Unidos foi oficializada em 24 de maio do mesmo ano e igualmente registrada nas circulares oficiais do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Seu discurso, enriquecido por sua elegância e inteligência com as palavras, alcançou Roosevelt de tal maneira que este não se restringiu ao discurso protocolar e dirigiu ao embaixador brasileiro, espontaneamente, algumas palavras. Enaltecido, Joaquim Nabuco em telegrama para Rio Branco demonstra sua satisfação de representar o Brasil em tais circunstâncias e ressalta a importância do ato realizado. “Rogo a V. Exa. transmitir ao presidente e aceitar pessoalmente as minhas felicitações pelo modo por que o Brasil foi ontem acolhido na Casa Branca. Considero a data de 24 de maio de 1905 tão grande na nossa ordem externa quanto a de 13 de maio na nossa ordem interna.”127

Nos jornais predominava uma apreciação favorável à elevação de categoria da legação brasileira em Washington e o ato equivalente do governo norteamericano. Os artigos demonstravam amplo conhecimento das intenções do ministério de angariar recursos simbólicos para o Brasil e de aproximar-se cada vez mais dos Estados Unidos. Trechos de jornais que abordavam o tema, alinhados à posição do ministério, eram inseridos nas circulares do MRE. Em torno do caso das embaixadas, o periódico Jornal do Commercio de 16 de março de 1905, dia da apresentação das credenciais pelo embaixador Thompson, pronuncia-se da seguinte maneira:

Todos sentem que, até hoje, depois da fundação da nacionalidade, na vida internacional brasileira, nenhum ato teve maior importância que o da nossa aproximação diplomática com os Estado Unidos. O barão do Rio Branco, realizando-o, deu ao nosso país uma posição no mundo como jamais teve.128

No dia seguinte destaca-se no jornal O Paiz o mesmo assunto: “Não se tratava de mero ato de administração: o que se fazia era efetivamente uma aproximação mais estreita entre as duas maiores nações do continente, que assim queriam significar ao mundo o propósito recíproco de cimentar a sua amizade antiga de modo mais íntimo e formal.”129

Uma visão favorável predominava, mas não era exclusiva. Alguns jornais apresentavam críticas ao ato, que era identificado como parte da política imperialista norte-americana. Estes, porém, não eram anexados às circulares oficiais, as quais normalmente utilizavam trechos de jornais que apoiavam as ações do ministério como os dois citados anteriormente. O Jornal do Brasil, como jornal de oposição, condenou o ato pelos altos gastos que implicava, acusando-o de “mero luxo” e identificando a aproximação dos Estados Unidos como prática imperialista, na qual o Brasil estaria sob sua tutela.130

Mas a oposição não encontrava grande repercussão. A opinião pública manteve-se favorável ao ato diplomático e à política externa como um todo. A aceitação das práticas de Rio Branco engrandecia cada vez mais sua figura e estimulava sua política de aproximação. A elevação recíproca das legações destes dois países marcava um momento de mudança na condução da política externa brasileira, o eixo diplomático se deslocava de Londres para Washington concretizando uma tendência que havia se fortalecido com o advento da República.

Rio Branco queria deixar claro para os Estados Unidos a importância da promoção da legação a embaixada quando elaborou as credencias apresentadas por Nabuco, e, a partir do teor desta e de suas atitudes, David E. Thompson, embaixador dos Estados Unidos, relatava ao seu governo buscando atentar inclusive para o papel fundamental do Brasil para os interesses norte-americanos:

From thoughts of Baron Rio Branco’s several times given to in our conversation since I came to Brazil two years ago, it is evident President Roosevelt’s policy towards South America is looked upon some suspicion, and yet I believe he does not count this feeling, and wants to feel faith in our good intentions.

A compreensão do quadro no qual se elevavam as legações pode ajudar a dimensionar a relevância do ato. À época, eram poucas as embaixadas existentes; para o Brasil esta foi mais uma conquista de prestígio e mais um pas-so na direção dos Estados Unidos. O valor agregado a este ato diplomático repercutiu da maneira que Rio Branco havia calculado: nossa embaixada em Washington era a primeira da América do Sul, e não o era da América Latina apenas porque o México já havia elevado sua legação a esta categoria desde 1897.

Neste sentido ganhava força a idéia de liderança do Brasil no subsistema sul-americano, encorajada inclusive pela opinião do governo norte-americano. A imprensa ressaltava esse caráter: “O prestígio do Brasil no estrangeiro tem hoje um relevo que nunca possuiu: somos a grande potência da parte sul do continente, cuja amizade a grande nação do Norte acaricia e solicita.”131 Este pode ser considerado um fim da política externa brasileira, buscar exercer o papel de liderança na América do Sul, para tal precisava ter prestígio, ter as fronteiras definidas e um aliado como os Estados Unidos, todos meios para um fim que configura a inserção brasileira no sistema regional. A política externa ativa praticada por Rio Branco proporcionava novos horizontes ao Brasil.

Enquanto a amizade com os Estados Unidos estreitava-se cada vez mais, o governo brasileiro viu-se envolvido em um caso de violação de soberania com uma potência européia, que ficou conhecido como incidente Panther. Em 1905, ano marcado pelo deslocamento do eixo diplomático para Washington, uma canhoneira alemã invadiu o território brasileiro e desembarcou oficiais em Itajaí, Santa Catarina, na procura por um desertor que havia fugido do serviço militar em seu país.

O acontecimento foi amplamente explorado pela imprensa, que era à época bombardeada com artigos de inspiração norte-americana sobre o “perigo alemão”. Diante da concorrência imperialista entre as duas potências ascendentes, o Brasil e toda a América Latina configuravam-se como território de disputa. Desta forma, a imprensa norte-americana criou, em certa medida, o “perigo alemão”, que ajudava a justificar seu aparelhamento bélico, fundamentava a Doutrina Monroe e servia aos interesses comerciais.

O “perigo alemão” no Sul do Brasil, presente no jornalismo, pode ser mais bem entendido se colocado no âmbito da disputa comercial. A ameaça alemã era utilizada pelos norte-americanos com a finalidade de afastar concorrentes e para aumentar a sua influência sobre o Brasil, que, assim, ficava entre os dois capitalismos que desafiavam a longa hegemonia econômica inglesa.132

O caso conferiu um forte apelo ao sentimento nacional ferido pela ação estrangeira e a imprensa nacional exigia do Itamaraty medidas que honrassem a soberania brasileira, que havia sido violada. Em inúmeros artigos repetia-se a necessidade de uma retratação formal pelo império alemão e a devida punição dos oficiais envolvidos. “Por detrás de um fato de reduzida importância erguia-se um frêmito nacional, uma força inconsciente, mas segura, de vigilância contra o poder arrogante que seria mais tarde um inimigo.”133 Ciente da importância da opinião pública e do valor que tal caso teria sobre a política externa, o barão agiu imediatamente mantendo uma postura firme frente à potência européia; não se intimidou e fez valer suas exigências.

Depois de ter enviado um protesto formal ao governo alemão, comunicou-se com seus representantes em Berlim e em Washington. Estes, ocupando pontos estratégicos da nossa diplomacia, precisavam ser devidamente informados sobre o incidente que tomara grandes proporções com a repercussão na imprensa estrangeira e com as exigências da opinião pública. O articulador Rio Branco, que se empenhava para obter os melhores resultados deste incidente, transformou um caso de violação da soberania em demonstração do prestígio brasileiro.

Assim que Nabuco recebeu o telegrama do barão, dirigiu-se ao Departamento de Estado para informar ao governo norte-americano sobre a visão do Brasil a respeito do caso Panther. Em poucos dias recebeu nota de Elihu Root, em que este declarava apoio à causa brasileira e comunicava que, com base na entrevista que tivera com o ministro alemão, podia garantir as intenções de seu governo de reparar o incidente. Mas essa comunicação gerou na imprensa acusações de que o governo brasileiro teria apelado para os Estados Unidos.

Nenhum documento oficial comprova a existência de instruções para que a embaixada em Washington conseguisse apoio deste país. Nabuco defendiase afirmando que apenas informou a posição do Brasil diante do incidente, e não pediu a intervenção dos Estados Unidos no caso. Sobre o caráter de sua comunicação, Nabuco se justificou com Root:

The object of my call was only to let the Department have the most reliable information on the incident, so that no contrary version could be mislead either by you or the American opinion. As it will be in the recollection of Mr. Bacon, I did not tell him I was making the communication by the order of my Government, nor asked him to interfere in the matter. I only said it will be well if he would let your Ambassador in Berlim have our version of the high handed action of the Panther, so that any possible action of your Government should be at once understood.134

Há menos de um ano na capital norte-americana, o embaixador brasileiro já havia estabelecido um forte vínculo de amizade e cooperação com o secretário de Estado Elihu Root, que respondeu à sua nota declarando que não recebera nenhum pedido de intervenção brasileiro; haviam apenas trocado informações, o que seria natural, e até mesmo necessário, nas relações entre duas nações irmãs. Root era do lado norte-americano um grande personagem pró-aproximação, sua atuação em consonância com a de Nabuco facilitava a comunicação entre os dois países.

A documentação deixa claro que Rio Branco não solicitou a intervenção de outros países no caso Panther. Quando telegrafou a Nabuco, pediu apenas que incitasse na imprensa norte-americana artigos fundados na Doutrina Monroe que demonstrassem uma posição favorável ao Brasil: “Trate de provocar artigos enérgicos (dos) monroístas”.135 E assim o fez o influente Nabuco, que encontrou solo fértil para tal proposta; vários jornais adotaram a causa, todos com o mesmo tom de indignação pelo insulto que feria a soberania brasileira e desafiava o monroísmo do continente.

O que o barão julgava necessário era apenas a sinalização do governo norteamericano em defesa dos preceitos de Monroe e da amizade com o Brasil. Não queria a intervenção direta dos Estados Unidos, o peso de seu apoio bastava ao habilidoso diplomata para negociar a retratação da maneira mais proveitosa.

A resolução chegou em 2 de janeiro de 1906, após amplo debate na imprensa nacional e internacional (tanto norte-americana quanto européia) e firmes defesas de Rio Branco, desfrutando do prestígio conquistado com sua política de aproximação. O império alemão pronunciou-se pedindo desculpas pelo incidente e prometendo punir os culpados pelo percalço. O governo brasileiro ficou satisfeito com a retratação. Mesmo sem a intervenção pôde notar os benefícios da amizade com o “gigante do Norte”. Seu apoio moral bastava para fortalecer a imagem do Brasil no sistema internacional.

Neste sentido, Clodoaldo Bueno e Bradford Burns chamam atenção para o fortalecimento da Doutrina Monroe com o incidente Panther. Frente a um caso real a opinião pública enxergou a importância do apoio dos Estados Unidos no cenário internacional diante do imperialismo europeu.

Com o exemplo desta resolução, muitos que ainda nutriam reservas quanto à política de aproximação mudaram de opinião e passaram a vê-la com maior simpatia. Mas esta posição não foi unânime, uma vez que alguns jornais atentavam para o aumento de influência norte-americana decorrente de episódios como este.

Eventos impregnados do espírito pan-americanista eram as conferências internacionais americanas, que se reuniam desde 1889. Já na primeira, realizada em Washington, pode-se notar a tendência de aproximação das relações entre o Brasil e os Estados Unidos, o que veio a se firmar nos anos seguintes. Para sediar a III Conferência foi escolhido o Rio de Janeiro,136 que, engajado nas reformas do governo de Rodrigues Alves, se delineava como uma cidade mais moderna e capaz de oferecer boa imagem do Brasil para seus visitantes.

As práticas da gestão de Rio Branco ao longo dos últimos quatro anos, ou seja, de 1902 a 1906, tornavam os vínculos entre as duas nações cada vez mais fortes. Os laços de amizade estreitavam-se. A “aliança não-escrita” ocupava papel imprescindível na política externa brasileira, que buscava demonstrar a cooperação e cordialidade que reinava nas suas relações com os Estados Unidos. A conferência de 1906 do Rio de Janeiro constituiu um momento culminante das práticas do barão.

Desde que fora anunciada a escolha da capital brasileira para sediar o even-to, o ministro das Relações Exteriores não mediu esforços para que a conferência ocorresse de acordo com os padrões internacionais, refletindo uma imagem do Brasil como país civilizado e moderno. O enorme volume de anotações do barão em documentos que contemplam a organização da conferência revela o cuidado pormenorizado que dedicou a cada pequeno detalhe. Ele pensava em absolutamente tudo: há pelo menos vinte listas – que se encontram no Arquivo Histórico do Itamaraty – com os nomes dos membros de cada delegação contendo notas que definiam onde ficariam hospedadas. Teve o zelo de encaminhar cada delegação ao hotel que julgava mais apropriado.

Seguindo a orientação de aproximação com os Estados Unidos e uma política de cordialidade continental, empregou esforços para que a reunião panamericana vislumbrasse temas relacionados às duas frentes de ação. Mas, para que o espírito de cooperação e o pacifismo encontrassem espaço, era preciso evitar que determinados assuntos fossem contemplados pelo programa da conferência.

Elihu Root, Joaquim Nabuco e Rio Branco concordavam que temas passíveis de suscitar discussões mais acaloradas não deveriam integrar o programa ou no máximo restringir-se a sua enunciação. O barão chegou a pedir a Nabuco que não fossem abordados casos de navegação de rios e lagoas, pois preferia dar a estes um tratamento bilateral, evitando confrontação com vários países ao mesmo tempo (o que poderia ser negativo para o Brasil).

De acordo com ata de 4 de abril de 1906, da sessão ordinária da União Internacional das Repúblicas Americanas, foi reunida uma comissão para a elaboração do programa da conferência, o qual passava pela avaliação de todas as repúblicas participantes. Desta forma, as nações participantes buscavam aperfeiçoar o evento, que nos encontros anteriores havia perdido muito tempo com discussões sobre os temas a serem abordados, visto que não eram definidos com antecedência. A dita comissão era composta pelo secretário de Estado dos Estados Unidos (presidente), o embaixador do Brasil em Washington (vice-presidente), o embaixador do México e os ministros de Costa Rica, Chile, Cuba e Argentina.

Na referida ata encontram-se registradas queixas sobre a elaboração do pro-grama. O ministro da Bolívia questionou a ausência do tema de livre navegação que tanto interessava ao seu país, e pediu que fosse lida sua manifestação:

El sistema de los rios de la América del Sur es tal, que si no se reconociera su libre navegacion, quedaria planteado para lo futuro el germen de profundas y serias disenciones, que perturbarán la paz y la armonía de las repúblicas y que por ser una absoluta necesidad y un derecho natural incuestionable, tendría al fin que ser aceptada.137

Inácio Calderón, ministro boliviano, defendeu a livre navegação em nome de um comércio livre, e afirmou ser este um direito natural dos países ribeirinhos. Acerca do mesmo tema se pronunciou o ministro da Colômbia, Delgado Mendonza, e ainda declarou que não considerava o programa uma fórmula fechada, e que, sendo pertinente, caberia ampliar as discussões. O ministro do Peru, Felipe Pardo, também se manifestou, primeiramente elogiou o programa, mas ressaltou que seus delegados não ficariam restritos aos temas, que a seu ver eram apenas recomendados e podia suscitar outras questões.

Em defesa do trabalho realizado pela comissão que elaborou o programa, o ministro do México reclamou das declarações anteriores. Afirmou que, se fossem aceitas as mudanças e intervenções neste programa, não haveria sentido a nomeação de uma comissão responsável pela elaboração do mesmo. O ministro do Chile, Joaquim Walter-Martinez, defendeu que, a partir do momento em que o programa fosse aprovado, deveria ser seguido: “En la Haya, como en toda conferencia internacional sujeta a un programa, una vez aceptado este se le respeta fiel y estrictamente.”138

Feitas as explanações das partes citadas, o programa foi submetido à votação e aprovado por unanimidade. Os ministros que apresentaram algum ponto contestador o aceitaram por votação, mas declararam que não podiam responder por seus governos. Ou seja, a formalidade foi cumprida, mas com reservas, dada a postura de alguns países sobre os temas propostos e os que foram subtraídos.

Um dos assuntos mais polêmicos que o barão do Rio Branco empenhara-se para que não constasse nas discussões da terceira conferência foi a proposta da Doutrina Drago. Diante da intervenção de três potências européias na Venezuela em 1902, justificada pela cobrança de dívidas públicas, o ministro do Exterior da Argentina, Luis Maria Drago, aterrorizado com a aplicação de tal medida, defendia que não se reconhecessem como legítimas tais intervenções armadas ou ocupações territoriais. Havia uma tendência entre as repúblicas hispano-americanas em aceitar os termos de Drago, mas Rio Branco não compartilhava da mesma opinião das nações vizinhas e alinhava-se à posição norte-americana, que não compreendia que tal situação pudesse ser abarcada pela Doutrina Monroe. Washington argumentava que as potências européias não estavam engajadas numa missão de conquista de novos territórios, de forma que a Venezuela não poderia apelar para a doutrina.

Se abordado na conferência, o tema poderia isolar o Brasil na América Latina e fomentar as acusações de ser braço do corolário Roosevelt na região e de empreender práticas imperialistas. Na mesma medida o assunto também exporia um ponto de desacordo com os Estados Unidos, o que poderia gerar ânimos exaltados e reações negativas ao governo norte-americano. O objetivo de Washington era exatamente o contrário: pretendia fazer da terceira conferência, sob os ideais pan-americanistas, uma propaganda positiva da política norte-americana.

O programa constituiu-se num trabalho de inteligência diplomática a fim de atender aos interesses diversos das nações e evitar os assuntos desconcertantes para a amizade Brasil-Estados Unidos. O Brasil absteve-se do direito de propor temas e de discutir a formulação do programa, restringindo sua influência aos bastidores dos acertos diplomáticos. Na tentativa de evitar assuntos polêmicos encontrava respaldo em outros países, que compartilhavam da mesma percepção. A Doutrina Drago, que também não agradava aos Estados Unidos, foi registrada na conferência apenas por uma resolução nas atas gerais que dizia:

A Terceira Conferência Internacional Americana resolve: Recomendar aos governos nela representados que considerem a conveniência de pedir à Segunda Conferência da Paz, na Haia, que estude o caso da cobrança, pelo emprego da força, das dívidas públicas, e, de modo geral, os meios tendentes a diminuir entre as Nações a possibilidade de conflitos de origem exclusivamente pecuniária.139

Essa era a vontade de Rio Branco, como está registrada em despacho di rigido a Washington, em 30 de março de 1906, no qual elogia a atuação de Nabuco: “V. Exa. tem feito muito bem tentando arredar questões que antecipadamente se sabe darão lugar a votos discordantes no Congresso.”140

A subtração da Doutrina Drago gerou especulações na imprensa argentina de que este país não enviaria sua delegação à Conferência. Não interessava ao barão que o encontro fomentasse discordância com nenhuma nação. Empenhou-se em averiguar os fatos, recebeu do ministro brasileiro em Buenos Aires, Assis Brasil, a quase confirmação da presença da Argentina depois de entrevista deste com o ministro argentino, Montes de Oca: “[...] neste momento tudo indica que a Argentina não deixará de comparecer”.141 Em ofício de 12 de abril de 1906, reitera que acredita na participação da República Argentina, embora não tenha nenhuma confirmação formal. Mas a insatisfação restringiu-se às queixas declaradas e sua delegação foi enviada à Terceira Conferência.

A escolha da delegação brasileira só foi realizada depois que o programa havia sido aprovado em definitivo. Dela faziam parte membros da oposição ao governo Rodrigues Alves, o que objetivava conferir um caráter justo e imparcial da administração brasileira.

A constituição de um programa que, acima de tudo, atendia aos interesses do Brasil não é apenas um resultado dos esforços empreendidos, mas demonstra um pouco do prestígio desfrutado pelo governo brasileiro. Este recurso simbólico favoreceu o ministério de Rio Branco sobre a definição da data da II Conferência de Paz em Haia. A princípio, esta seria realizada no mesmo ano da III Conferência Internacional Americana, mas os representantes do Brasil, juntamente com o secretário de Estado, Elihu Root, conseguiram adiar a reunião para 1907. A remarcação do evento junto ao governo da Rússia demonstra o prestígio do Brasil e a consonância com os interesses do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

As práticas de Rio Branco estavam de tal forma em sintonia com os interesses da política norte-americana que, à ocasião da conferência, Elihu Root anunciou que visitaria o Brasil. A relevância desta atitude reside no fato de que era a primeira vez que um secretário de Estado faria uma visita a outro país. E ele escolhera o Brasil.

Os nossos votos são porque desta Terceira Conferência resulte, confirmada e definida em atos e medidas práticas de interesse comum, a auspiciosa segurança de que não estão longe os tempos da verdadeira confraternidade internacional. Já é dela um penhor esse ânimo geral de procurar meios de conciliar interesses opostos ou aparentemente contrários, encaminhando-os em seguida para o mesmo serviço do ideal do progresso da paz. Já ela se manifesta na inteligência com que se busca promover relações políticas mais íntimas, evitar conflitos e regular a solução amigável de divergências internacionais, harmonizando as leis do comércio entre os povos, facilitando, simplificando, estreitando os contatos entre eles.142

Essas foram as primeiras palavras do barão do Rio Branco na abertura da III Conferência, que contou com a presença do secretário de Estado dos Estados Unidos, pela primeira vez em visita oficial. Sem dúvida era o momento culminante do processo de aproximação entre as duas nações inseridas ainda na rede da América Latina, que se revelava diferente no projeto político de cada uma, embora ambas estivessem engajadas na mesma propaganda panamericana.

A visita de Root dissipou algumas desconfianças e ajudou a delinear uma figura mais simpática dos Estados Unidos. Foi acolhido por uma suntuosa recepção que transmitia a importância de seu cargo e a relevância de sua presença dentre as demais nações. Nesta ocasião Joaquim Nabuco proferiu um discurso em homenagem ao visitante no qual afirmou que “A reunião desta conferência é, assim, grande parte da obra vossa”. As palavras do embaixador brasileiro antecederam o importante discurso do secretário de Estado, que repetidas vezes evocou os “direitos iguais entre as nações”, a “paz”, as “nações irmãs”, os “interesses comuns”. Defendeu que o desenvolvimento norte-americano não representava nenhuma ameaça à América Latina:

Desejamos aumentar nossa prosperidade, expandir nosso comércio, crescer a riqueza em sabedoria, em ânimo, mas a nossa concepção do verdadeiro modo de conseguir isso não é derrubar os outros e aproveitarmo-nos da sua ruína; mas sim auxiliar a todos os amigos a criarem uma prosperidade comum, para que possamos, todos juntos, tornarmo-nos maiores e mais fortes.143

O embaixador dos Estados Unidos, Lloyd Griscom, telegrafou para seu país as impressões que tivera diante das festividades destinadas a Elihu Root:

Visited President; was entertained by brillant reception at Palace today. He received official and social world. Visited St. Louis Pavillon, seat of the Pan American Congress. The Congress has voted to make Secretary of State and Brazilian Minister for Foreign Affairs honorary presidents, and will hold special session in honor of Secretary of State July 31st.144

As atas gerais da conferência demonstram que os esforços dedicados à formulação do programa garantiram que o evento fosse marcado pela cooperação e cordialidade entre as nações americanas. As resoluções da conferência tinham como principal objetivo regulamentar as relações entre os países do continente, entre as quais se destacavam os seguintes temas: reorganização da Secretaria Internacional das Repúblicas Americanas; criação de uma seção de comércio, alfândega e estatística na Secretaria; naturalização; construção da estrada de ferro pan-americana.

A realização da conferência transcorreu dentro das expectativas do ministério de Rio Branco. Pequenos percalços e desentendimentos momentâneos entre algumas nações, não comprometeram o andamento do encontro regido por um programa amplamente articulado. “Assinalava-se a terceira conferência Internacional Americana, entre seus congêneres, pela ausência de polêmicas e vãs abstrações.”145

Rio Branco, que na abertura da conferência havia dado ao edifício sede do evento o nome de Palácio Monroe, selava, com o sucesso da terceira conferência de 1906, os laços de amizade entre o Brasil e os Estados Unidos. A esplêndida execução do evento, reforçada pela visita de Elihu Root, marcou o auge da relação das duas nações. A política de aproximação encontrou um cenário propício para sua aplicação e desfrutou no início do século XX anos de perfeita adequação aos interesses brasileiros.

Considerações Finais

A política de aproximação com os Estados Unidos constituiu um meio para alcançar os objetivos da política externa brasileira formulada em função dos interesses nacionais. Rio Branco, formulador e executor da política externa, não mediu esforços para estreitar os laços de amizade entre as duas nações, estando sempre ativo, na busca por novas práticas que pudessem privilegiar esta aliança. Os objetivos que definiam a condução do Ministério das Relações Exteriores dependiam do fortalecimento da amizade entre os dois países.

Em momento algum Paranhos se imbuiu de um idealismo vazio, a aproximação que buscava com os Estados Unidos e a aceitação do “corolário Roosevelt” interessavam ao Brasil. Era sabida a ambição que o “gigante do Norte” nutria sobre o mercado brasileiro, mas, com uma eficiente política bilateral, Paranhos articulou para unir-se à nova potência mundial em ascensão, protegendo-se do imperialismo europeu e objetivando maior poder de barganha ao sul do continente. A importância dada à Doutrina Monroe é justificada pelo caráter defensivo e preventivo. O barão foi pioneiro na visão da emergência dos Estados Unidos como potência hegemônica.

Embora o governo norte-americano não compartilhasse do mesmo entusiasmo que o Itamaraty, o momento era propício para estreitar os laços de amizade. O Brasil empenhava-se na política de aproximação, e os Estados Unidos aceitavam os esforços brasileiros sinalizando com políticas favoráveis, mas desproporcionais. Desta forma as relações mantiveram-se na condição de uma “aliança não-escrita”.

As práticas de Rio Branco, culminando com a III Conferência Internacional Americana em 1906, representam a confirmação da tendência de aproximação. O fortalecimento da amizade com os Estados Unidos auxiliou o governo brasileiro a alcançar seus objetivos. Ao que se propunha, a política de aproximação foi um sucesso. Mas ela não era incondicional, o que pode ser notado na segunda conferência de Haia em 1907. Embora represente um desentendimento passageiro entre os dois países, podemos perceber que, no âmbito hemisférico, os Estados Unidos preferiam a Europa, demonstrando os limites da “aliança não-escrita” e a inexistência de alinhamento automático.

O barão do Rio Branco, no controle do Ministério, forneceu elementos vitais para que o Brasil ocupasse um lugar no sistema internacional. O sucesso do paradigma Rio Branco garantiu-lhe o título de estadista e permanências de sua política externa. A “aliança não-escrita” acaba por transcender seu objetivo de criação. Destinada à adaptação da diplomacia às transformações internacionais da época, tornou-se paradigma invariável e permanente, que sobreviveu ao seu criador.

Fontes

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Notas

1 Correspondência do barão de 1888 aponta sua percepção de crise no Império brasileiro, destacando inclusive o problema abolicionista, a questão militar e o problema da federação.
2 LESSA, Renato. “A invenção da República no Brasil: da aventura à rotina.” In: CARVALHO, Maria Alice R. República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001.
3 A Revolta da Armada e a Revolução Federalista, em 1893 e 1894, respectivamente.
4 VIANA FILHO, Luís. A vida do Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959, p. 179
5 Sobre intelectualidade brasileira e latino-americana neste período ver BAGGIO, Kátia Gerab. A “outra” América: a América Latina na visão dos intelectuais brasileiros das primeiras décadas republicanas. Tese (Doutorado em História) – FFLCH-USP, São Paulo, 1998.
6 LESSA, Renato, op. cit., p. 35.
7 Além de ser um elemento de instabilidade do governo de Prudente, Canudos atingiu de forma desastrosa os militares, visto o grande desgaste sofrido tanto concretamente em seu contingente quanto na sua imagem. Dessa forma o exército enfraquecido cedia mais facilmente seu espaço no poder para a elite paulista.
8 BELLO, José Maria. História da República. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 138-139.
9 LESSA, Renato, op. cit., p. 43.
10 Campos Salles defendia em seu livro Da propaganda à presidência, de 1908, que era mais acertada a denominação de política de estados à referida política.
11 CARONE, Edgar. A República Velha. São Paulo: Difel, 1974. p. 296.
12 “Preocupado com os problemas financeiros, encerrado neles, Campos Sales simplificou os problemas políticos, procurou atingir a finalidade de sua plataforma a qualquer preço.” (LINS, Álvaro. Rio Branco. Rio de Janeiro: José Olympio, 1945.)
13 Em BURNS, Bradford. A aliança não escrita: o barão do Rio Branco e as relações Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: EMC Ed., 2003, o autor identifica esse momento como de “paz, progresso e prosperidade”.
14 Rodrigues Alves foi ministro da Fazenda no governo de Floriano e no de Prudente de Morais.
15 LINS, op. cit., p. 356.
16 BELLO, op. cit., p. 182.
17 CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. Rio de Janeiro: Companhia das Letras. 1987, p. 162.
18 Para Duroselle, “Na época atual, diremos que uma fronteira política é a separação entre duas soberanias”. (DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império perecerá. Brasília: UnB, 1992, p. 61.)
19 LINS, op. cit., p. 180
20 De acordo com CERVO, 1986, essa postura segue-se desde a independência, em 1822, até 1838, quando começam a aparecer preocupações com as questões de limite indefinidas nos relatórios do ministério das Relações Exteriores.
21 “O uti possidetis ficou assim para sempre ligado ao nome dos dois Rio Branco: o primeiro, porque o definiu com precisão e segurança, e o segundo, porque lhe deu aplicação vitoriosa numa série de litígios e negociações”. LINS, op. cit., p. 193.
22 JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma introdução às obras do Barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, 1999, p. 15.
23 Tratado de Montevidéu de 25 de janeiro de 1890.
24 A questão de Palmas é erroneamente chamada de Missões, vinculada à falsa idéia, divulgada pela Argentina à ocasião das negociações, visando identificar a região em litígio com o antigo território das “missões jesuíticas”. O próprio barão, como destaca Lins, refutou essa versão, demonstrando que a área corresponde à Comarca de Palmas.
25 JORGE, op. cit., p. 16.
26 O dito tratado excluía a possibilidade de partilha do território em litígio através do artigo 5º, definindo que sua solução cabia ao entendimento dos rios referidos pelas partes em disputa.
27 Cargo que ocupou de 1876 a 1891. O livro Rio Branco em Liverpool (1876-1896), de Flávio Mendes de Oliveira Castro, aborda este período, sobre o qual encontramos poucos estudos.
28 Destaque para sua correspondência com Rodolfo Dantas, fundador do Jornal do Brasil, e José Carlos Rodrigues, do Jornal do Commercio.
29 Neste sentido destacam-se as notas feitas na obra de Schneider sobre a guerra do Paraguai.

30 Sobre outras versões existentes para a indicação de Rio Branco para chefiar a missão especial em Washington, ver LINS, op. cit., p. 194.
31 VIANA FILHO, op. cit., p. 206.
32 LINS, op. cit., p. 200.
33 VIANA FILHO, op. cit., p. 199.
34 BURNS, op. cit., p. 48. Em NAPOLEÃO, 1999, encontra-se um capítulo importante sobre esta amizade.
35 GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 268.
36 Destaque para a indisposição criada por Zeballos ao negar a troca das memórias de defesa assim como havia sido acordado anteriormente. Fato que irritou o barão e que pode ser considerado marco do início da rivalidade como observa Aluízio Napoleão.
37 Apud. LINS, op. cit., p. 213.
38 NAPOLEÃO, Aluízio. Rio Branco e as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1999, pp. 173-174.
39 LINS, op. cit., p. 228.
40 “No país, multidões saudaram as boas notícias, e a imprensa louvava o regime diplomático.” (BURNS, E. Bradford. A aliança não escrita: o barão do Rio Branco e as relações com os Estados Unidos. Rio de Janeiro: EMC Ed., 2003.)
41 BELLO, op. cit., p. 146.
42 Em certa medida a vida boêmia de Rio Branco na juventude, seu envolvimento com uma dançarina belga, comprometeram sua imagem dificultando sua nomeação para o cargo diplomático.
43 RIO BRANCO, Barão do. Obras completas do Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1948 (IX – Discursos).
44 “A percepção antecede o processo de tomada de decisões e está ligada a um conjunto de crenças, valores e imagens que os atores carregam consigo, orientando sua inserção no ambiente físico e social.” Desta forma Alexandra de Mello e Silva aborda o sistema de crenças e indica como leitura especializada Steve Smith, Belief systems and the studies of international relations, de 1988.
45 BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil: dois séculos de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973, p. 134.
46 CERVO, Amado Luís & BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ática, 1992, p. 140.
47 As supressões sugeridas são das legações da Rússia, Suíça, Espanha, Paraguai e Bolívia.
48 CERVO, op. cit., p. 145-146.
49 A declaração de Carlos de Carvalho pró-Argentina foi publicada no El Diario de Buenos Aires.
50 CERVO, op. cit., p. 147.
51 BUENO, Clodoaldo. A República e sua política exterior (1889-1902). Marília: Unesp, tese de Livre Docência, 1984. p. 20.
52 A preferência de Rio Branco era pelo posto de Lisboa, mas estando este ocupado optou por Berlim. Sobre sua vontade de ir para Portugal, ver em VIANA FILHO, 1959, carta de Tobias Monteiro a Rodrigues Alves, p.326.
53 As mortes tão sentidas pelo barão de seus amigos Eduardo Prado e Rodolfo Dantas.
54 BURNS, op. cit., p. 47.
55 Sobre percepção dos quatro pontos de observação e configuração para I Guerra Mundial, ver LINS, 1945.
56 Apud LINS, op. cit., p. 251.
57 Apud VIANA FILHO, op. cit., p. 347.
58 Fundação Biblioteca Nacinal (FBN), I- 03, 04, 62 (mss).
59 Apud. LINS, op. cit., p. 255.
60 Fundação Biblioteca Nacional (FBN), I- 03, 04, 64 (mss).
61 Apud. NAPOLEÃO, op. cit., p. 193.
62 NAPOLEÃO, Aluízio. O segundo Rio Branco. Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1941, p.86.
63 RIO BRANCO, Barão do. Obras completas do Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1948 (IX – Discursos).
64 WEHLING, Arno. “Visão de Rio Branco: o homem de estado e os fundamentos de sua política.” In: CARDIM, Carlos Henrique e Almino,João. (orgs.). Rio Branco, a América do Sul e a modernização do Brasil. Rio de Janeiro: EMC, 2002, p. 102.
65 RICUPERO, Rubens. Rio Branco: o Brasil e o mundo. Rio de Janeiro: Contraponto/ Petrobras, 2000.
66 BUENO, Clodoaldo. Política externa da Primeira República: anos de apogeu (1902-1918). São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 136.
67 ARON, Raymond; DEUTSCH, Karl; WENDZEL, Robert. Curso de introdução às relações internacionais. Brasília: UnB, 1983.
68 WEHLING, op. cit., p. 102.
69 Apud. LINS, op. cit., p. 143. O autor destaca que esta frase encontrava-se apenas na minuta da carta a Sousa Correia e com um risco.
70 RICUPERO, op. cit., p. 39.
71 RENOUVIN, Pierre, DUROSELLE, Jean. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difusão Européia, 1967, p. 376.
72 “A política externa era de responsabilidade do presidente, mas alguns ministros, pela força de sua personalidade, assumiram a decisão total”. RODRIGUES, op. cit., p.42.
73 SILVA, Alexandra de Melo e. “O Brasil no continente e no mundo: atores e imagens na política externa brasileira contemporânea.” Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, 1995, p. 97.
74 Sobre o conceito de interesse nacional como somatório da vontade do povo e da União, ver RODRIGUES, 1966.
75 RENOUVIN, op. cit., p. 344.

76 WENDZEL, Robert L. Relações internacionais: o enfoque do formulador de política. Brasília: Ed. UnB, 1985, p. 92
77 “[A] política externa brasileira ao longo do século XX foi marcada pela busca de recursos de poder que garantissem maior autonomia do país no plano mundial, mesmo quando essa estratégia parecia se traduzir – e muitas vezes de fato se traduziu – no alinhamento a uma determinada potência”. (PINHEIRO, op. cit., p. 8.)
78 A definição das fronteiras brasileiras e a tendência à aproximação com os Estados Unidos já eram assuntos presentes na política externa imperial como demonstram diversos autores, inclusive os entusiastas do pan-americanismo.
79 Sobre o assunto, ver BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.
80 O primeiro esforço no sentido de reunir os países americanos foi em 1826 no Congresso do Panamá convocado por Bolívar sob a bandeira da solidariedade continental.
81 Apud. NAPOLEÃO, 1999, p. 95.
82 CARVALHO, Carlos Delgado. História diplomática do Brasil. Ed. Fac-similar, Brasília: Senado Federal, 1998, p. 354.
83 BUENO, 2003, destaca assuntos em pauta do programa da I Conferência: “medidas tendentes a promover a prosperidade dos diversos Estados americanos; união pan-americana de comércio; comunicação dos portos; união aduaneira; pesos e medidas; direitos de invenção; moeda comum; e arbitramento”.
84 A União Internacional das Repúblicas Americanas foi criada em 14 de abril de 1890. Nesta data passou a ser comemorado o Dia do Pan-Americanismo. Nas revistas do IHGB podemos encontrar inúmeros artigos comemorativos sobre esta data.
85 A Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1948, foi originada a partir de transformações no Bureau.
86 Vale lembrar que a Grã-Bretanha não se opôs à movimentação dos Estados Unidos sobre as repúblicas latino-americanas por estar envolvida no contexto europeu de disputas imperialistas e pela importância comercial que adquiriram as relações entre a potência européia e sua ex-colônia.
87 BUENO, op. cit., p. 58.
88 O Manifesto Republicano foi publicado no primeiro número do periódico A República.

89 O tratado de 1891 com os EUA gerou agitações na Câmara. Críticas de diversos personagens do cenário político o taxavam de unilateral ao atender apenas aos interesses norteamericanos.
90 RODRIGUES, op. cit., p. 100.
91 NAPOLEÃO, 1999, p. 104.
92 Ibid., p. 105.
93 Artigo escrito pelo barão em respostas às críticas sobre a elevação das legações do Brasil e dos Estados Unidos à categoria de embaixadas publicado pelo Jornal do Commercio em 12 de maio de 1906 e reproduzido inúmeras vezes.
94 RIO BRANCO, Barão do. Obras completas do Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1948 (VIII – Estudos Históricos), p. 138.
95 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. “Dia Pan-americano – A tácita aliança – Constante de uma política continental”. RIHGB, (279) 1968.
96 OTAVIO, Rodrigo. “Alexandre de Gusmão e o monroísmo”. RIHGB (175) 1940.
97 Percalços da “amizade tradicional” podem ser explicados pela má escolha de representantes diplomáticos: Condy Raguet de 1825-28, Henry A. Wise de 1844-47, General James Watson Webb de 1861-69.
98 Ver primeira parte do livro BUENO, 2003, pp. 27-126.
99 LINS, op. cit., p. 333.
100 BUENO, 2003, ressalta que as mudanças ocorreram apenas na forma de produzir, vista a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, e nas áreas de produção.
101 Os Estados Unidos destacam-se também como importantes compradores da borracha e do cacau brasileiros.
102 BUENO, 2003, p. 96.
103 A seção “Origens do americanismo”, neste artigo, trata exatamente dos eventos que configuraram este cenário favorável à política de aproximação.
104 BURNS, op. cit., p. 84.
105 LINS, op. cit., p. 278.
106 Apud GOES FILHO, op. cit., p. 285.
107 Sobre as suscetibilidades do tratado de 1867, ver LINS, 1966, p. 271.
108 Dado retirado de JORGE, 1999.
109 LINS, op. cit., p. 284.
110 BURNS, op. cit., p. 76.
111 A participação americana no sindicato gera desconfianças quanto a sua penetração na América do Sul, a imprensa traduz essa ameaça através de charges pejorativas do Tio Sam.
112 JORGE, op. cit., p. 104.
113 BUENO, 2003, p. 326.
114 Além de Rio Branco, destaca-se o serviço prestado por Assis Brasil e Rui Barbosa, embora este tenha abandonado a missão antes de sua conclusão por divergências com o barão.
115 GOES FILHO, op. cit., p. 293.
116 BURNS, op. cit., p. 110.
117 LINS, op. cit., p. 329.
118 As constantes lutas de independência que explodiam na América Latina e eram sufocadas por seus governos, geravam certo temor no governo dos Estados Unidos de que as repúblicas americanas relutassem em reconhecer o estado independente do Panamá.
119 Primeiramente Peru, seguido por Cuba, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala e Venezuela, como destaca BURNS, 2003.
120 Os esforços do barão foram reconhecidos mesmo sem um pronunciamento conjunto, visto que o Chile reconheceu a independência do Panamá em 1º de março, o Brasil no dia 2 de março e a Argentina no dia seguinte.
121 Apud NAPOLEÃO, op. cit., pp. 200-201.
122 Apud LINS, op. cit., p. 335.
123 BURNS, op. cit., p. 122.
124 Diversos textos tratam da importância da ação conjunta dos dois estadistas, mas destacam a diferença entre o americanismo tomado por cada um na condução da política externa brasileira. Identificam o americanismo de Rio Branco como pragmático – aproximação como um meio – e o americanismo de Nabuco como ideológico – aproximação como um fim.
125 AHI 317/02/01 de 17 de março de 1905.
125 Ibidem.
127 AHI 317/02/01 de 26 de maio de 1905.
128 AHI 411/02/22 de 20 de março de 1905.
129 Ibidem.
130 Para fundamentar tal fato usa o caso de reconhecimento da independência do Panamá pelo governo brasileiro em alinhamento com posição dos Estados Unidos. BUENO, 2003, p. 156.
131 AHI 411/02/22 de 2 de maio de 1905.
132 BUENO, 2003, p. 337.
133 LINS, op. cit., p. 344.
134 Apud NAPOLEÃO, 1999, p. 225.
135 Apud BUENO, 2003, p. 339.
136 A versão oficial aponta que foi o ministro da Costa Rica quem indicou o Rio de Janeiro para sediar o evento, mas a escolha da capital brasileira provavelmente foi fruto da articulação de Rio Branco nos círculos internacionais. A presença do representante da Costa Rica na comissão encarregada da elaboração do programa da conferência respalda essa explicação.
137 AHI 182/3021. Ata de sessão ordinária da União Internacional das Repúblicas Americanas de 4 de abril de 1906, em Washington.
138 Ibidem.
139 CABRAL, João. Evolução do direito internacional: esboço histórico-filosófico. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1908, p. 166.
140 AHI 235/2/6, Despachos a Washington.
141 AHI 230/3783, Ofício de Buenos Aires.
142 LINS, op. cit., p. 515.
143 FBN, SPR 00002 (Periódicos). Discurso de Elihu Root em visita ao Rio de Janeiro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1/8/1906.
144 Apud NAPOLEÃO, 1999, p. 237.
145 LOBO, Hélio. Pan-americanismo e o Brasil. São Paulo: Nacional, 1939, p. 68.

* Elizabeth Santos de Carvalho é mestranda em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Este trabalho, preparado em parte como monografia de conclusão do curso de História no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi realizado com recursos do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional.

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