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O Conciliador do Maranhão

24 maio 2018

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e marcado com as tags Censura e repressão, Crítica política, Dom Pedro I, Imprensa Áulica, Imprensa oficial, Liberalismo, Maranhão, Portugueses no Brasil, Primeiro Reinado

Vindo a lume em 15 de abril de 1821 em São Luís (MA), pouco após a abolição da proibição de circulação de impressos que não fossem da Impressão Régia, O Conciliador do Maranhão foi o primeiro periódico lançado em sua província. De orientação política estritamente áulica, não era nada “conciliador”, posto que acatasse apenas aos interesses portugueses no contexto do processo político que levou o Brasil à Independência. A razão para isso era simples: foi lançado pelo governador maranhense, o marechal português Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca, que importara de Londres a prensa que o imprimia, mostrando, afinal, a força da presença lusitana no Maranhão, já que a ruptura entre a colônia e a metrópole traria desvantagens para a elite local. Tendo como redatores Antônio Marques da Costa Soares (então oficial-maior da secretaria do governo e secretário da Junta da Administração da Imprensa) e o padre José Antônio da Cruz Ferreira Tezinho, o jornal foi fortemente influenciado pela Revolução do Porto, crendo fielmente na Constituição portuguesa de 1822, de caráter liberal – mas esse marco inspirava, na verdade, o grupo cujos interesses eram defendidos pelo jornal: a elite provinciana. Tendo abordado os conflitos em torno da adesão forçada do Maranhão ao reino independente sob essa perspectiva, acabou deixando de ser publicado em sua 210ª edição, de 16 de julho de 1823, poucos dias depois da queda de São Luís para as tropas fiéis a Dom Pedro e cerca de duas semanas antes da efetiva inclusão da província ao recém-fundado Império do Brasil. Antes mesmo do Grito do Ipiranga e das tropas de Dom Pedro I chegarem ao Maranhão para impor a adesão da província ao Império, em fevereiro de 1822 Pinto da Fonseca não era mais governador, criando-se uma junta governativa provisória para comandar em seu lugar. O cerco imperial a São Luís, em 1823, ocorreu com o padre Tezinho já refugiado em Portugal, ao passo que Costa Soares, tendo se recusado a aceitar a Independência, foi expulso do Brasil. A junta, afinal, extinguiu o primeiro jornal maranhense, lançando, em seu lugar, a Gazeta Extraordinária do Governo da Província do Maranhão, o segundo periódico da história da província, impressa no mesmo maquinário e distribuída gratuitamente até o ano seguinte.

Oficialmente, o lançamento do Conciliador deveu-se, sobretudo, ao presidente provincial, o marechal liberal Pinto da Fonseca, responsável por informar Lisboa de que os maranhenses gostariam de instituir uma imprensa local desde que a Constituição portuguesa foi jurada na província. Mas sabe-se que mesmo antes da chegada da primeira prensa a São Luís, que ocorreu em novembro de 1821, vinda de Londres, uma versão manuscrita do Conciliador do Maranhão já vinha circulado – os números manuscritos circularam entre 15 de abril e novembro daquele ano e, posteriormente, foram substituídos por outros, de igual conteúdo, mas impressos tipograficamente. De qualquer maneira, reproduzido à mão ou no prelo, pela então chamada Typographia Nacional Maranhense, o jornal era redigido no porão de uma casa construído pela Ordem Jesuíta, local que antes abrigara a Relação do Maranhão, a Repartição da Saúde Pública e o Corpo de Bombeiros.

Segundo Nelson Werneck Sodré, O Conciliador do Maranhão foi um periódico manuscrito até a data de 10 de novembro de 1821 – no entanto, sabe-se da existência de edições anteriores a essa data tipografadas. Iniciando sua trajetória bissemanal e com tiragens em torno de 300 exemplares por edição, o Conciliador dava conta, basicamente, de divulgar atos da administração pública e discursos de Bernardo da Silveira, noticiar resumidamente algumas efemérides, publicar uma pequena seção de variedades, informar sobre o cotidiano de cidades do interior maranhense (Alcântara, Caxias, Itapecuru-Mirim, Guimarães, Pastos Bons, entre outras cidades) e de outras províncias (sobretudo Pará, Pernambuco e Bahia), entre outras coisas. Sob a influência do marechal Bernardo da Silveira, no entanto, o órgão não deixou de perseguir os adversários políticos do mesmo, sendo utilizado para atacar o partido de oposição à situação, os chamados “conspícuos”. Sua linguagem virulenta, nesse sentido, gerou alguma revolta: sabe-se que uma representação assinada por 65 cidadãos de São Luís foi enviada a D. João VI, denunciando as injúrias publicadas em suas páginas e a disposição de Bernardo da Silveira em utilizar dinheiro público para tal. Ao lado de Costa Soares, na redação do jornal, estava o padre José Antônio Ferreira Tezinho, também português. Este redator chegou a ser processado por crime de imprensa, o primeiro do jornalismo maranhense: Caetano José da Cunha, acusava Tezinho de manchar sua reputação através do Conciliador. Mas o réu acabou sendo absolvido pelos jurados. Nelson Werneck Sodré, assinalando o periódico como um defensor furioso dos colonizadores, diz o seguinte sobre o mesmo:
Sotero dos Reis caracterizou-o assim: “logo se demandou em excessos e personalidades contra os chamados ‘conspícuos’, os oposicionistas de então, se tal nome se lhes pode dar, visto como os meios empregados eram todos revolucionários, e sucediam-se logo as prisões e deportações por movimentos projetados e denunciados, ou simplesmente supostos e imaginários”. Vieira da Silva assegurou que “essa folha foi o facho da discórdia que para logo dividiu brasileiros e portugueses em dois campos inimigos, não poupando sarcasmos e injúrias contra aqueles que presumia afetos à causa da Independência”. (p. 58/59)

Antes da Independência e durante o processo que levou à mesma, como vivesse no extremo Norte, geograficamente isolado do Rio de Janeiro, o governo provincial maranhense defendia a fidelidade a Portugal praticamente sem oposição local. Isso se deu muito pelo papel da imprensa: o Conciliador do Maranhão era o único jornal da província, impresso na única tipografia da capital, controlada pelo governo, que, responsável ainda pela impressão de folhetos de propaganda política, fazia coro ao discurso de publicações que chegavam de Lisboa e de Londres ao repudiar o separatismo das províncias brasileiras, encarado como traição. Em junho de 1822, cabe ressaltar, o Conciliador expôs contrariedade aos projetos de criação, no Rio de Janeiro, de um Conselho de Procuradores e de uma Assembleia Constituinte. Poucos meses antes do Grito do Ipiranga, D. Pedro era, no jornal, acusado de chefiar uma “facção criminosa”, atuando sob a influência de “aduladores e cortesãos” que pretendiam “levar o Brasil ao despotismo monárquico e, quem sabe, à república”. Com a Independência a 7 de setembro, enfim, o periódico se restringiu a classificar o advento como uma ruptura no juramento de lealdade à coroa lusitana, apontando para o fato de que Portugal era governado à guisa de uma Constituição, ao contrário do que ocorria na regência de D. Pedro I, a quem julgava despótico. Nesse contexto, o Conciliador chegou mesmo a defender a separação entre o Sul independente e o Norte, pregando especificamente uma união entre as províncias do Grão-Pará, do Piauí e do Maranhão, em torno de Portugal.

Quando, nos primeiros meses de 1823, tropas emancipadas do Ceará e do Piauí foram enviadas ao Maranhão para forçar a anexação da província ao reino, a resistência maranhense foi defendida pelo Conciliador. O jornal, na verdade, nada mais fazia que defender os privilégios de uma pequena parcela da população local: a elite, composta por importantes fazendeiros e comerciantes, em sua maioria membros do Corpo de Comércio e Agricultura da capital, estritamente ligados ao poder provincial. Custeando as despesas de guerra, a Legião Cívica de São Luís, idealizada em maio daquele ano, fora proposta pelo próprio editor e redator do Conciliador, Antonio Marques da Costa Soares. Mesmo com o cerco à capital maranhense em junho de 1823, o jornal não dava sinais de que arrefeceria.

A 12 de julho, no entanto, a resistência recebeu a notícia de que D. João VI, indo contra a Constituição lusa, havia restabelecido seus poderes absolutos em Portugal. Com a supressão das Cortes e a possibilidade de uma reaproximação entre o monarca e seu filho, à frente do Brasil, a Junta do Governo e da Câmara em São Luís procurou negociar um armistício. Mas não houve tempo: um dia depois, tropas lideradas por Francisco Antonio da Costa Barradas, José Cursino Raposo e Joaquim José dos Reis, depois de furar o cerco, tentaram proclamar a adesão do Maranhão à Independência em pleno largo em frente à sede do governo. Houve reação imediata por parte dos fiéis a Portugal, mas, no fim, diversos integrantes da Legião Cívica foram presos – seus líderes tiveram de fugir, para escapar ao cárcere. O avanço das forças de Dom Pedro era lamentado por Antonio Marques da Costa Soares, no Conciliador, alegando-se o pavor popular dos confrontos armados, a falta de socorro proveniente de Portugal à medida em que os confrontos se intensificavam e a falta de abastecimento de carne, em São Luís.

Em 26 de julho, com a chegada do navio Pedro I em São Luís, que trazia o almirante britânico lorde Cochrane para consolidar a conquista do Maranhão, o Conciliador já não existia mais: sua última edição, de nº 210, havia saído no dia 16. Entretanto, a tipografia que o imprimira foi usada para tirar o periódico do novo governo, a Gazeta Extraordinária do Governo da Província do Maranhão, também chamada Gazeta Extraordinária do Governo Provisório, que circulou somente entre 1823 e 1824.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 15 de abril de 1821, ao nº 210, de 16 de julho de 1823.
- GALVES, Marcelo Cheche. Independência é traição. Revista de História da Biblioteca Nacional, edição eletrônica, 9 dez. 2008. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/independencia-e-traicao. Acesso em: 6 out. 2015.
- LOPES, Antônio. História da imprensa no Maranhão (1821-1925). Departamento de Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1959.
- MOLINA, Matías M. História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500 – 1840) v. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
- PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Nas linhas de O Conciliador do Maranhão: jornalismo e política no primeiro jornal do Maranhão. Trabalho apresentado ao GT de Jornalismo do V Congresso Nacional de História da Mídia, Universidade Federal Fluminense, 13 a 16 de maio de 2008. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Nas%20linhas%20de%20O%20Conciliador.pdf. Acesso em: 6 out. 2015.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.