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O Lafuente

06 ago 2018

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Conservadorismo, Crítica política, Imprensa Negra, Período Regencial, Rio de Janeiro

O Lafuente foi um dos primeiros jornais brasileiros a abordar a discriminação racial. Lançado sob a inspiração do periódico O Homem de Côr, veio a lume em 16 de novembro de 1833 através da Typographia Paraguassu, de propriedade de Davi da Fonseca Pinto e sob a administração de Clarindo Vargas de Azeredo Coutinho, localizada na Rua Senhor dos Passos. Seu surgimento esteve contextualizado com a proliferação de pasquins de crítica política após a abdicação de Dom Pedro I e o início do Período Regencial, no início da década de 1830. Apesar de ter circulado apenas com sua primeira edição, acabou integrando o grupo da primeira imprensa negra brasileira, composto também pelos pasquins O Crioulo, O Crioulinho, O Cabrito, Brasileiro Pardo e O Meia Cara, além de O Homem de Côr.
O nome de O Lafuente se deu, segundo Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, pelo fato de o mesmo ser editado pelo escritor Maurício José de Lafuente. No entanto, a 4ª edição de O Homem de Côr, datada de 12 de junho de 1833, denunciava que, por sua atuação política restauradora (ou seja, favorável ao retorno de Dom Pedro I), Lafuente havia sido perseguido e deportado pelo governo da Regência. Portanto, é provável que o periódico levasse seu nome como uma forma de homenagem, sendo editado verdadeiramente por Davi da Fonseca Pinto, restaurador (ou, na terminologia da época, “caramuru”) e, portanto, opositor de certas figuras políticas que subiram ao poder no Período Regencial – tachados de “monstros” no texto principal de O Lafuente.

Em seu livro, Nelson Werneck Sodré usa uma fala de Evaristo da Veiga para expor a atuação de Davi da Fonseca Pinto na imprensa política da corte, no período. Pinto é retratado negativamente ao lado de João Batista de Queiroz, outro responsável pela proliferação de pasquins de crítica “virulenta” pelo lado restaurador. Nas palavras de Veiga:
Tiradas poucas exceções, o jornalismo caramuruano do Rio de Janeiro (...) divide-se em jornais “Queiroz” e em jornais “Davi”; são os srs. João Batista de Queiroz, ex-redator da Matraca e do Jurujuba dos Farroupilhas, e Davi da Fonseca Pinto, ex-redator do Poraquê e do Verdadeiro Patriota, os quais inundam a cidade com periódicos, que de ordinário não passam do quarto número. Estes dois paladinos da retrogradação, ambos empregados por Dom Pedro I e detidos da revolução, ambos igualmente notáveis pela imoralidade de sua conduta, pelas ações vergonhosas com que se têm feito conhecidos na sociedade (...); pesam sobre os ombros do sr. Davi: o Adotivo, o Papeleta, o Brasileiro Pardo, o Andradista, o Lafuente e parte do Bentivi, da Loja do Belchior e do Esbarra. (...) (Davi) tem fumos de literato, pilha Filinto Elísio e mais alguns quinhentistas para ter o ar de purista em linguagem e é sempre declamador e pedante. (...) contenta-se com o que acha à superfície, para enfeitar os seus inúmeros escritos. (...) aspira a ser popular e adular a multidão e não pode disfarçar a aversão, o antigo ódio que vota aos brasileiros e a sua simpatia exclusiva por tudo que é do outro mundo. (...) olha a anarquia como o caminho que vai ter à restauração e à tirania imperial. (...) conta enviar à forca e às galés os amigos da liberdade brasileira, gozando o favor do príncipe, em cujo serviço se tem arrastado tanto. (p. 125/126)

Tais palavras devem ser lidas com reservas, mas não eram para menos. Forte figura de oposição a Dom Pedro I, Evaristo da Veiga era frontalmente atacado no texto inicial do Brasileiro Pardo, outro periódico de apenas uma edição editado por Davi da Fonseca Pinto cerca de um mês antes de O Lafuente.

Fontes:

- Acervo: edição nº 1, de 16 de novembro de 1833.
- O Homem de Côr. Edição nº 4, de 12 de junho de 1833.
- PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.