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O Meia Cara

06 ago 2018

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Crítica política, Imprensa Negra, Período Regencial, Rio de Janeiro

O Meia Cara foi um pasquim de crítica política lançado no Rio de Janeiro (RJ) a 11 de novembro de 1833 pela Typographia Fluminense de Brito & Cia., do jornalista, poeta, tipógrafo e livreiro negro Francisco de Paula Brito. Representante da primeira imprensa negra brasileira, assim como o pioneiro O Homem de Côr, lançado dois meses antes pelo mesmo Paula Brito, foi, assim como outro periódicos do seu gênero, um dos primeiros impressos brasileiros a lutar contra a discriminação racial, 55 anos antes da abolição da escravatura no Brasil. Seu surgimento esteve contextualizado com a proliferação de pasquins de crítica política entre o fim do Primeiro Reinado e o início do Período Regencial, no início da década de 1830, particularmente no embate entre liberais “exaltados” (favoráveis à abdicação de Dom Pedro I) e “caramurus” (conservadores que buscavam a restauração do imperador) – nesse sentido, se não fosse propriamente exaltado, O Meia Cara pelo menos via com antipatia os restauradores.

Para Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, um traço marcante de O Meia Cara não foi propriamente sua faceta de denúncia a mazelas negras, mas a de antilusitanismo:
Um dos traços mais destacados na corrente nacional do pasquim foi, sem dúvida, o jacobinismo, ligado não apenas ao problema do comércio – com a reivindicação, reiterada e veemente, de sua reserva aos nascidos no país – mas ao problema político em que se jogou a sorte da dinastia, a posição de que era acusado o primeiro imperador, de estar a serviço dos portugueses e não dos brasileiros. (...) Esse estado de ânimo, traduzido no ardente jacobinismo que se prolongou por muitos anos e esteve presente em quase todas as rebeliões daquela fase histórica, refletiu-se na imprensa, e particularmente no pasquim, sempre pronto a indicar o grau das paixões da época. Pasquins como O Meia Cara e O Papeleta traduziam a situação dos portugueses aqui. Dizia-se papeleta o português que, fugindo à naturalização forçada pela Carta de 1824, conservava a nacionalidade de origem, mediante documento fornecido pela autoridade consular de seu país; meia cara, ao contrário, era aquele que, abrangido pela naturalização constitucional, tornava-se brasileiro. (p. 165/166)

Disponível em pontos de venda ou por assinatura ao preço de 80 réis o exemplar, O Meia Cara, como bom pasquim, era altamente crítico, irônico e mordaz, sendo redigido no anonimato. Vinha, todavia, com o dobro do número de páginas que os pasquins normalmente tinham: ao invés de apenas quatro, oito ou doze. Mesmo assim, o periódico manteve um padrão de seu gênero, o curto tempo de existência: teve apenas duas edições publicadas.

Cabe ainda ressaltar que Francisco de Paula Brito e sua Typographia Fluminense, em 1832, já haviam entrado para a história da imprensa brasileira ao lançar um importante periódico de ataques à política liberal moderada de Evaristo da Veiga, A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada. Mais tarde, a Fluminense, com outro nome, seria a editora que se notabilizaria pela revelação do escritor Machado de Assis ao público.

Fontes:

- Acervo: edições nº 1, de 11 de novembro de 1833, e nº 2, de 15 de dezembro de 1833.
- PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010.
- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.