Carnaval

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Carnaval

O carnaval está tão fortemente ligado à gente brasileira que, não é exagerado afirmar, é um dos mais marcantes traços de identificação do povo brasileiro. Apesar de não ser originário do Brasil, não há dúvidas que aqui ele foi reinventado. São muitos os carnavais brasileiros, múltiplas as formas de expressão que revelam a sua diversidade cultural.

É no carnaval, período em que a linearidade da cronologia cotidiana se redimensiona e a estratificação social se reestrutura que o Brasil revela para o mundo a exuberância de sua criatividade nos diferentes campos artísticos, por meio da dança, da música, das artes cênicas, das diversas manifestações das artes plásticas, da indumentária, etc.

As origens remontam a tempos imemoriais. É consensual sua descendência das bacanais gregas e das saturnais romanas. É também provável que tenha se originado da mistura destas com festas de povos da antiguidade, como os egípcios, por exemplo. O certo é que, entre os brasileiros, a esta ascendência somam-se as expressões portuguesas, negras e ameríndias.

Quanto à etimologia, “carnaval” tanto pode vir do dialeto milanês “carnelevale”, quanto ser oriundo do latim carnevale (abstenção de carne), uma clara alusão ao início da quaresma cristã. Há também quem afirme originar-se de “dominica ad carnem levandam”, data regulamentada, no ano 590 da era cristã por Gregório I. O estabelecimento do período carnavalesco, nos três dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas, se dá em 1582, quando o Papa Gregório XIII, reformula o calendário Juliano e cria o Gregoriano, em vigor até hoje.

No Brasil, o carnaval surgiu na segunda década do século XVIII, com a migração dos ilhéus portugueses da Madeira, Açores e Cabo Verde. As festividades carnavalescas chamadas de Entrudo (palavra de origem latina que significa entrada), eram verdadeiras guerras nas ruas, em que as armas utilizadas variavam entre bisnagas de lata, cabaças de cera, chamadas também de limões-de-cheiro, farinha ou gesso, cartuchos de pó de goma, bombinhas de mau cheiro, enfim , toda a sorte do que se pudesse jogar nos transeuntes desavisados. Esta forma primitiva de carnaval é excepcionalmente bem ilustrada por Jean-Baptiste Debret, o mais popular membro da missão artística de 1816, na prancha “Cenas do carnaval” constantes de sua obra “Voyage pittoresque et historique au Brésil : depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement”. Durante os três dias que antecediam a Quarta-Feira de Cinzas, o tumulto dominava as ruas das cidades brasileiras.

Cabe ressaltar que o carnaval de hoje não limita suas origens ao Entrudo. Manifestações religiosas e folguedos populares alicerçam também nossa expressão carnavalesca, como é o caso dos ranchos de reis que deram origens aos ranchos que por sua vez são os antepassados das escolas de samba.

Os ranchos carnavalescos começaram a aparecer no carnaval do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX, como um tipo de cortejo mais organizado que os blocos e cordões. Eram uma sobrevivência das alas de certas procissões, como a de Nossa Senhora do Rosário, em que se permitiam cantos e danças de caráter dramático. Ao se organizarem como ranchos, os blocos e cordões passaram a desfrutar de grande popularidade, como o Ameno Resedá, Dois de Ouro, Flor do Abacate, Rosa Branca, Cananga do Japão, Rosa de Ouro, Recreio das Flores, entre outros.

Há quem atribua a paganização dos ranchos ao gesto do tenente da Guarda Nacional, o baiano Hilário Jovino Ferreira, que fundou em 6 de outubro de 1894 com alguns conterrâneos, o rancho Rei de Ouros e decidiu que sairiam no Carnaval. A sede da agremiação ficava no bairro da Saúde no Rio de Janeiro. Apesar de terem nascido nas classes populares os ranchos atraíram a classe média e os intelectuais, transformando-se em momento culminante dos festejos carnavalescos. A decadência começou ainda na primeira metade do século XX e, já no final dos anos cinqüenta os desfiles já não apresentavam o brilho do passado.

Em 1840, além da folia de rua, surge uma nova forma de comemoração carnavalesca promovida pela burguesia que não compartilhava dos excessos do Entrudo – os bailes de máscara.

Na segunda metade do século XIX, surge, no carnaval do Rio, a primeira grande sociedade chamada Sumidades Carnavalescas. A partir dela, várias outras grandes sociedades apareceram: União Veneziana, Euterpe Comercial e Zuavos Carnavalescos, dissidências das Sumidades.

Das muitas sociedades que existiram nos primórdios, três foram chamadas de “heróis do carnaval”, devido as suas atuações no âmbito da vida nacional, sobrevivendo aos dias atuais: Fenianos, Clube dos Democráticos e Tenentes do Diabo.

Nos desfiles desses grupos destacavam-se grandes carros alegóricos conhecidos como “carros de crítica” por satirizarem os problemas nacionais, os fatos e os homens políticos. A partir da década de 1940, essa expressão carnavalesca entraria em decadência, deixando em aberto seu espaço nas ruas das principais cidades do país.

Em 1907, surge uma nova forma de diversão no carnaval carioca que passará a ser incorporado aos carnavais de outras capitais brasileiras, o “corso” (desfile em carros abertos). A iniciativa partiu das filhas do então presidente da república Afonso Pena, que desfilaram pela Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), em um carro do palácio presidencial. Rapidamente outros proprietários de automóveis seguiram o exemplo e passaram a desfilar pelas ruas da cidade, enquanto jogavam confetes, serpentinas, esguichando lança-perfume uns nos outros. O domingo foi escolhido o “dia do corso”, e era uma oportunidade ímpar para as conquistas amorosas. Até o final dos anos 30, era um dos momentos de maior destaque no carnaval. Atribui-se seu declínio, além do crescimento da população e do número de veículos, ao moderno design automobilístico, uma vez que a maioria dos carros passou a ter capota fechada e fixa. Além disso o carnaval se espalhou pelos bairros da cidade, descentralizando-se.

Quanto à música, o carnaval foi, durante um longo período, fonte de inspiração para um dos mais significativos segmentos do cancioneiro brasileiro. De tal maneira que, durante o período áureo do rádio, a música popular dividia-se entre música carnavalesca e música de meio de ano. Curioso é observar, no entanto, que durante mais de meio século a festa existiu sem música própria. Os bailes de máscara da segunda metade do século XIX eram apenas bailes mascarados. Conta-nos Edgar de Alencar: “Não havia cantigas. E as danças eram as mesmas de outros bailes, isto é a valsa, o xote, a habaneira, a quadrilha. Depois houve o reinado longo e avassalador da polca, que, misturada ao lundu, daria margem ao nascimento do maxixe, primeira dança urbana nacional”.

O certo é que os gêneros musicais mais autenticamente cariocas, a marchinha e o samba, surgiram com o propósito de dar ritmo à desordem carnavalesca. Foram os ranchos que ao adotarem a formação das procissões religiosas, instituíram um mínimo de disciplina em meio ao caos do carnaval. Em 1899, uma agremiação chamada Cordão Rosa de Ouro encomendou a maestrina Chiquinha Gonzaga a famosa marcha Ó abre-alas, declaradamente inspirada na cadência que os negros imprimiam ao desfile. Esta passaria a ser considerada a primeira canção carnavalesca brasileira. Só mais tarde, nas duas primeiras décadas do século XX, a música de carnaval se fixaria, manifestando-se, inicialmente, na forma de marchinha e marcha-rancho ou de samba e batucada e, com o surgimento das escolas de samba, na forma de samba enredo.

As escolas de samba, são legítimas descendentes dos ranchos carnavalescos. A primeira escola de samba a surgir foi a Deixa Falar, em 1929, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro. Do Estácio, a novidade se espalhou pela cidade, especialmente pelos morros e subúrbios. A Praça Onze passou a ser o local de concentração, nem sempre eram pacíficas, delas. Apesar disso, a tendência do sistema era de regulamentar-se. As modernas escolas de samba são sociedades civis, legalmente registradas, que elegem seus dirigentes. A partir de 1952 o desfile das principais escolas passou a se realizar na Avenida Presidente Vargas. De 1978 em diante, antes com estruturas desmontáveis, depois com projeto de Oscar Niemeyer, a Avenida Marquês de Sapucaí, tornou-se definitivamente a Passarela do samba, também chamada de Sambódromo.

Nas grandes Escolas de samba, chegam a desfilar com 6.000 componentes, divididos entre diferentes setores: abre-alas, diretoria e velha-guarda, comissão de frente, passistas, carros alegóricos, alas (grupos com certa autonomia dentro da agremiação e que se apresentam com fantasias iguais), baianas (ala tradicional, composta geralmente pelas mulheres mais idosas da comunidade), porta bandeira e mestre sala e bateria. As escolas em seu processo de desenvolvimento adotaram o enredo como um dos componentes estruturais indispensáveis, de 1935 a 1990, as Escolas por decisão governamental apresentavam enredos inspirados na História do Brasil. Ainda que não haja mais obrigatoriedade com relação à temática de caráter histórico, as escolas, em sua maioria, seguem levando para a passarela temas ligados ao universo brasileiro. O que se leva em conta no julgamento de um enredo são: a originalidade de sua concepção; o encadeamento das partes em que se divide; a correção dos elementos históricos; a dramatização e a letra do samba.

O coração de uma Escola de samba pulsa no ritmo de sua bateria, conjunto de ritmistas que executam instrumentos de percussão sob o comando de um maestro, chamado “mestre de bateria”, que substitui a batuta por um apito. O samba é cantado por um “puxador”, que se faz acompanhar por um pequeno grupo de instrumentistas, cavaquinho e violão, responsáveis por marcar a melodia e a harmonia. As fantasias das escolas devem respeitar as cores que a simbolizam. Outro elemento plástico para a ilustração do enredo são as alegorias, apresentadas habitualmente em carros alegóricos, impulsionados a mão em que se utiliza toda sorte de material, resultando em surpreendentes soluções cenográficas.

Um dos mais tradicionais e ecléticos carnavais do Brasil é, sem dúvida, o que se realiza no Recife e em Olinda, em Pernambuco. Além da diversidade de manifestações, há a especificidade sonora e coreográfica do frevo.

O frevo é um gênero eminentemente urbano e recifense, surgido no final do século XIX. Nasceu da interação entre música e dança, tornando-se difícil, ao se tratar do assunto, separar os dois elementos, já que se desenvolveram interdependentemente. Observa Valdemar de Oliveira: “É impossível distinguir bem: se o frevo, que é a música, trouxe o passo ou se o passo, que é a dança, trouxe o frevo. As duas coisas se formaram da inspiração de uma na outra e complementaram-se.

Foi a partir de 1880 – quando a música de rua do Recife passou a ser fornecida não mais exclusivamente por bandas militares (as duas mais famosas eram, na época, a do 4o. Batalhão de Artilharia, conhecida como O Quarto, e a da Guarda Nacional, conhecida como Espanha, por ser seu maestro, Pedro Garrido, de origem espanhola), mas também por fanfarras organizadas por trabalhadores humildes (carvoeiros, vassoureiros, caiadores, lenhadores etc.) – que o frevo começou a se fixar como gênero musical. Com o tempo, as corporações se transformaram em clubes ou troças, mais abertos, e foram ganhando nomes bastante curiosos, como Canequinhas Japonesas, Marujos do Ocidente e Toureiros de Santo Antônio.

Paralelamente ao carnaval do Recife, Olinda realiza um dos mais famosos festejos momescos do Brasil. No sobe-e-desce da ladeira, as troças e blocos fazem a cidadela histórica ferver durante 24 horas, sem descanso durante os quatro dias de Carnaval, ou melhor, durante cinco dias, uma vez que já se tornou tradição a saída do bloco Bacalhau do Batata ao meio-dia da Quarta-Feira de Cinzas. Mas o fato que mais distingue o carnaval olindense é a presença dos bonecos gigantes, conhecidos regionalmente como “calungas”.

Os bonecos gigantes surgiram na Europa, possivelmente na Idade Média, sob a influência dos mitos pagãos deformados pelos temores da repressão imposta pela Inquisição. Eles desfilavam, primeiro, nas procissões medievais, antes de se exorcizarem os demônios do medo, na figura dos bufões e dos palhaços carnavalescos.

Na Bahia, o carnaval foi às ruas a partir de 1884, com o desfile do Clube Carnavalesco Cruz Vermelha, fundado em 1o de março do ano anterior. No cortejo, em que rapazes e moças, ricamente trajados, se apresentaram e trouxeram uma novidade, um carro alegórico, com o tema “Crítica ao Jogo de Loteria”, decorado com peças importadas da Europa. Era, a exemplo do que ocorria no Rio de Janeiro, um desfile da elite, com todos os atributos das grandes sociedades.

Pode-se dizer, com segurança, que, ainda que houvesse carnaval na rua, não havia carnaval de rua, espontâneo, popular, em Salvador até o final dos anos 1940. O que se via eram desfiles das grandes sociedades e, posteriormente, o desfile do corso. Em 1949, no entanto, ano do IV Centenário da Fundação da Cidade de Salvador, é criado o afoxé Filhos de Gandhi, pelos estivadores do porto de Salvador, como forma de homenagear o grande líder pacifista indiano assassinado em 1948, Mahatma Gandhi.

A marca mais significativa do carnaval baiano contemporâneo é, precisamente, o convívio do afoxé de caráter religioso com o trio elétrico, manifestação que revolucionou o Carnaval brasileiro na segunda metade do século XX. O trio elétrico é um gigantesco caminhão, sofisticadamente sonorizado, no qual um trio de instrumentistas (violão, bandolim e baixo elétricos) comanda uma banda de percussionistas. O caminhão circula a cidade atraindo foliões que o seguem ao ritmo das canções executadas.

Em meados dos anos 1980, o carnaval da Bahia já havia se tornado um fenômeno nacional e internacional, passando a ser conhecido – diferente do Rio de Janeiro – como o carnaval de participação. No entanto, cada ano diminui mais o número de trios elétricos independentes, como os de Dodô e Osmar e Tapajós. É cada vez maior o número de trios de blocos, fechados em cordas (há 200 entidades carnavalescas registradas no órgão de turismo de Salvador, sendo um quarto disso, trios de bloco) onde é necessário o pagamento de um ingresso. O carnaval baiano tornou-se uma indústria do lazer que funciona o ano inteiro em carnavais fora de época, por todo o Brasil. São mais de 70 os Carnavais extemporâneos na atualidade.

A ultrapassagem dos limites do carnaval do período antecedente à Quaresma e a incorporação da estética grandiosa durante todo o ano podem ser claramente observadas quando nos referimos ao Festival Folclórico de Parintins ou festa do Boi-Bumbá. Ainda que não seja carnaval, a festividade guarda aspectos óbvios de carnavalização, sobretudo quando nos damos conta de que tudo acontece no coração da floresta amazônica.

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