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Diogo Barbosa Machado

por Rodrigo Bentes Monteiro
Diogo Barbosa Machado nasceu em Lisboa em 1682, ainda no reinado de D. Afonso VI (1656-1683), mas sob a regência do seu irmão o príncipe D. Pedro, logo depois D. Pedro II de Portugal (1683-1706). Ele era o segundo de três filhos de um capitão militar. Sua família não era rica. No entanto, esses três irmãos ascenderam socialmente através das letras. O mais velho deles, Inácio, fez carreira como magistrado, tendo sido juiz de fora na Bahia. Já viúvo, ingressou no clero secular, e ao morrer deixou sua biblioteca com mais de dois mil volumes anexada a do irmão Diogo. José, o mais novo, entrou logo para a ordem dos teatinos e notabilizou-se como orador e cronista oficial da casa de Bragança. Diogo, por sua vez, iniciou os estudos de direito canônico em Coimbra, mas logo retornou à capital, recebendo ordens de presbítero em 1724, como oratoriano. Em 1728 foi nomeado abade de Santo Adrião de Sever, como seria conhecido. A abadia era apenas uma pequena igreja de madeira, numa comarca no bispado do Porto. Mas o título dignificava seu portador, garantindo-lhe alguma renda.

Nesse tempo o novo abade já era protegido do poderoso marquês de Abrantes. Foi pela influência deste marquês que Diogo Barbosa Machado tornou-se, em 1720, um dos 50 membros fundadores da Academia Real da História, criada por D. João V (1707-1750) para engrandecer a história de Portugal e suas possessões ultramarinas. Na Real Academia, os acadêmicos produziam obras em louvor a personagens de poder e suas façanhas, com algum rigor documental. Diogo Barbosa Machado encontrou assim o ambiente ideal para residir em Lisboa, dedicando-se ao estudo e ao aumento de sua preciosa livraria, favorecido pelas esmolas doadas à abadia de Sever. Nesse meio letrado e erudito, recebeu como encomenda a redação das “memórias históricas” dos reinados de D. Sebastião, do cardeal rei D. Henrique e dos três reis Habsburgos de Portugal.

Mas o trabalho mais conhecido deste acadêmico real é a Bibliotheca Lusitana..., um dicionário dos autores da história de Portugal. Nesta obra, Bibliotheca não designa um espaço para a organização dos livros, mas um catálogo sobre outros livros. Em ordem alfabética, mais de cinco mil nomes – incluindo o próprio Diogo Barbosa Machado - são apresentados por suas biografias e obras, desde o nascimento de Cristo até meados do século XVIII. Os líderes, letrados, nobres e religiosos, muito elogiados, encontram-se dispostos em quatro volumes publicados entre 1747 e 1759, até hoje um valioso instrumento de consulta para os pesquisadores.

Paralelamente às atividades de escrita, o abade de Sever colecionava livros, pequenas obras sem encadernação (opúsculos), mapas e estampas. Montou assim uma portentosa “livraria”, composta por aproximadamente 4.300 obras em 5.700 volumes. Isso foi possível pela permanência de Diogo Barbosa Machado em Lisboa – a capital cultural do reino -, e por sua inserção numa rede de letrados espalhada pela Europa, na qual trocava obras, retratos e fazia pedidos. Era a “república das letras” europeia.

A atividade colecionista do abade de Sever foi entremeada pelo grande terremoto que atingiu Lisboa em 1755, destruindo com incêndios vários prédios e bibliotecas, inclusive a Real Biblioteca que havia crescido no reinado de D. João V. Ao que parece, o colecionador aumentou então sua vontade de amealhar livros e documentos impressos, preservando-os da ação do tempo e dos desastres naturais.

Ele foi bem sucedido. Em 1770, já idoso, Diogo Barbosa Machado resolveu doar sua livraria para a reconstrução da Real Biblioteca, sob incentivo do franciscano D. fr. Manuel do Cenáculo. Como mercê recebeu do rei uma pensão vitalícia, da qual usufruiu pouco, pois faleceu em 1772. Mas esta troca não era uma “venda” de sua coleção. Essas ações faziam parte da lógica do Antigo Regime, na qual os serviços eram sempre recompensados. Portanto, entre 1770 e 1773 os muitos livros e documentos pertencentes ao abade de Sever foram transportados à Real Biblioteca de D. José I (1750-1777), e assim Diogo Barbosa Machado prestou um inestimável serviço ao seu rei mecenas. O guarda Francisco Perdigão catalogou a entrada das obras, como podemos ver por documentos depositados na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional do Brasil. Nesta mesma seção há também o catálogo feito pelo próprio colecionador, no qual ele descreve os grandes conjuntos de livros e extratos de documentos que compunham sua biblioteca original.

Encontramos todo este material na Biblioteca Nacional, pois em 1810 os muitos volumes pertencentes à Real Biblioteca – e nela a antiga livraria de Barbosa Machado - vieram em caixotes para o Rio de Janeiro, logo após a corte portuguesa, aos cuidados do bibliotecário Luís Marrocos. Nos acordos que sucederam a independência do Brasil, ratificou-se a permanência da maior parte da Real Biblioteca no país, formando a Biblioteca Imperial, depois Biblioteca Nacional.

Em 1876, quando Benjamin Franklin Ramiz Galvão era diretor da Biblioteca Nacional, foram criadas as seções especializadas. A biblioteca original do abade de Sever dispersou-se em várias salas. Cabe destacar assim dois conjuntos de documentos que apresentam uma intervenção maior de Diogo Barbosa Machado.

A chamada coleção de retratos é composta por oito grandes álbuns contendo quase duas mil estampas de reis, príncipes e “varões insignes” de Portugal e da Europa, com escritos descritivos e muitas vezes com molduras ornamentais. Na seção de iconografia lemos os relatórios de seu primeiro chefe, José Zepherino Brum, quando se iniciou em 1893 a restauração dos retratos compilados por Barbosa Machado. Os senhores Montenegro e Peixoto desmontaram os álbuns, descolaram e lavaram as estampas, montando tudo em novos suportes. Processos de restauração do século XIX, hoje duvidosos. O primeiro artigo dos Anais da Biblioteca Nacional, de 1876, de autoria de Ramiz Galvão, foi sobre Diogo Barbosa Machado, e a partir de 1893, em outros quatro volumes publicou-se o catálogo da coleção de retratos, com introdução de Zepherino Brum.

Já na atual seção de obras raras, defrontamo-nos com a grande coleção de documentos escritos, denominados “folhetos”. Composta por 146 tomos (dois deles encontram-se extraviados) organizados por temas, ela compreende mais de três mil documentos impressos de variados tamanhos. Este extrato da biblioteca original de Barbosa Machado preserva documentos desde 1505 até 1770, ano do início da transferência da sua livraria à Real Biblioteca. Nessa época era comum a confecção de impressos em pequenas tiragens, para facilitar sua divulgação. Sem a ação do colecionador, esses registros poderiam facilmente desaparecer ou ser destruídos. Trata-se de relatos de batalha de portugueses em várias partes do mundo, sermões e outros textos religiosos, atas de assembléias e tratados políticos, relatos de embaixadas e de muitos textos em elogio à vida de reis, príncipes, nobres e eclesiásticos de Portugal. Os tomos contendo a chamada coleção de folhetos foram restaurados em meados do século XX, e o catálogo elaborado por Rosemarie Horch foi publicado em vários volumes nos Anais da Biblioteca Nacional, referentes ao ano de 1972.

*Rodrigo Bentes Monteiro - Universidade Federal Fluminense

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