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A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

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ATLAS DO BRASIL

Este Atlas foi feito por João Teixeira Albernaz II por volta de 1666, está escrito em latim e recebeu o título de [Atlas do Brasil]. Ele está dividido em dezesseis (16) seções, nas quais aparecem vários mapas, mostrando toda a costa do Brasil. Desde a foz do rio Amazonas até o rio da Prata. Além disso, o Atlas descreve missões jesuíticas, aldeias e províncias indígenas, fazendas, engenhos, fortalezas e fortes.

Na primeira folha com a denominação de “Província do Brasil” aparece o litoral do Brasil, desde a Barra do Pará ao Rio Grande, incluindo algumas missões jesuíticas na fronteira do rio da Prata, dentre as quais podemos citar: Assunção, São Carlos, São Tomé, São Salvador, Santo Inácio, São José e Santa Fé. E ainda, mostra a região de fronteira do Brasil com Buenos Aires e a linha de limites entre as possessões americanas de Portugal e Castela.

Da segunda folha até a última todos os mapas estão divididos em duas demonstrações, as quais analisarei a seguir:

Segunda folha:

“Demostração da Cananeya athe o Rio da Alagoa” – mostra a costa sul do Brasil, enfatizando a Ilha de Santa Catarina;

“Demostração da Cananeya athe o rio São Francisco” – mostra a costa do atual Estado Paraná e parte da costa do atual Estado de São Paulo. Aparece o rio São Francisco, Paranaguá, a Ilha das Cobras, Guarulhos, a Ilha do Mel (no atual Paraná), a Ilha de Cananéia (em São Paulo), a Vila de São João da Cananéia e prováveis minas de ouro.

Terceira folha:

“Demostração da Barra de Santos athe a Cananeya” – mostra a costa dos atuais Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro; incluindo o rio Itanhanhem, Nossa Senhora da Conceição, fazendas, o rio Grande, engenhos de Antônio de Oliveira, da Gama e Luís de Góes, o rio dos Frades, a Vila de São Vicente, a barra de Santos, as fazendas dos moradores de Santo Amaro e a de Estevão da Costa, Trindade.

“Demostração de Ubatuba athe a Ilha de Santo Amaro” – mostra o litoral de São Paulo; incluindo o rio dos Lagartos, a Ilha de Santo Amaro e o forte, o forte São Tiago, o rio Una, a Ilha dos Alcatrazes, a Ilha de São Sebastião, a Ilha dos Búzios, a enseada de Ubatuba e a Ilha da Vitória.

Quarta folha:

“Demostração de Toiuca athe a enseada de Ubatuba” – mostra o litoral dos atuais Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro; incluindo a ponta da enseada de Ubatuba, Angra dos Reis, Ilha Grande, a povoação de Nossa Senhora da Conceição, a barra de Marambaia, a barra de Guaratiba, Tijuca [barra], alguns engenhos e o morro do Pão de Açúcar.

“Demostração do Rio de Janeiro com todos os Baixos e Ilhas” – mostra o litoral do atual Estado Rio de Janeiro; incluindo a Barra de Marambaia, Tijuca [barra], o morro do Pão de Açúcar e a praia, o forte de São João, a Ilha Redonda, a fortaleza de Santa Cruz, São Domingos [Niterói], São Lourenço, São Gonçalo, o forte de São Tiago, Nossa Senhora da Ajuda, as Ilhas de Santo Antônio, de São Sebastião, de São Bento, de São Pedro, de São Cristóvão, alguns engenhos na Ilha do Governador, a Ilha das Cobras, a Ilha do Flamengo, Meriti e Macacu.

Quinta folha:

“Demostração do Cabo de São Thomé athe as Ilhas de Maricara” – mostra o litoral norte do atual Estado do Rio de Janeiro; incluindo as Ilhas de Maricá, ponta de Saquarema, o rio da Casa da Pedra “tem muitas salina”, a aldeia dos Padres da Companhia, Cabo Frio “casa da pedra – enseada de grande pescaria donde podem surgir Naus de toda sorte”, o rio de São João, as Ilhas de Santana “entre elas e a terra podem surgir Naus da Índia tem a Goa e Lenha” e o Cabo de São Tomé.

“Demostração do morro de João Moreno ao Cabo de São Tomé” – mostra o litoral dos atuais Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo; incluindo o Cabo de São Tomé, a lagoa Paraíba “de grande pescaria”, a Ilha dos Franceses, rio Baixo, Monte Aga, Guarapari, a serra de Guarapari, os engenhos de Marcos Fernandes Monsanto e o Morro de São João Moreno.

Sexta folha:

“Demostração do Rio da Se ao Porto do Espírito Santo” – mostra o litoral do Espírito Santo; incluindo Nossa Senhora do Rosário, Vila Velha, o morro de João Moreno, a barra do Porto do Espírito Santo, o rio Moraipi, a ponta de Tubarão, as serras do mestre Álvaro, a aldeia dos Reis Magos, o rio da Sé.

“Demostração da ponta de Agasvipe ao Rio da Se” – mostra o litoral do Estado do Espírito Santo e do extremo sul da Bahia; incluindo os rios da Sé, dos Reis, Cororuipe, Peroipe, Pecuipe, das Caravelas, as Ilhas de Santa Bárbara e o arquipélago de Abrolhos.

Sétima folha:

“Demostração do Rio dos Frades a Ponta de Agasuipe” – mostra o litoral do Estado da Bahia; incluindo os rios das Caravelas, o Itanhaem, o Sernambetipe, o Monte Pascoal, o rio dos Frades e o arquipélago de Abrolhos.

“Demostração do Rio de Santo Antônio athe o dos Frades” – mostra o litoral da Bahia; incluindo o rio dos Frades, o rio Baixo, Santo Amaro, Nossa Senhora da Ajuda, Tabatinga, o rio São Francisco, a Vila de Porto Seguro, o rio dos Mangues, Ponta Grossa, o rio da Sé e o rio de Santo Antônio.

Oitava folha:

“Demostração dos Ilhéus athe o Rio de Santo Antônio” – mostra o litoral do Estado da Bahia; incluindo o rio de Santo Antônio “donde acaba a Capitania de Porto Seguro e começa a dos Ilhéus”, o rio Grande, a barra do rio Patipe, o rio Camandatibe, a serra dos Aymorés, o rio Una, a aldeia dos índios dos padres e o rio dos Ilhéus.

“Demostração do morro de São Paulo athe os Ilhéus” – mostra o litoral do Estado da Bahia; incluindo os engenhos de Santana, da Esperança, e de São Francisco, o rio da Esperança, Nossa Senhora da Vitória, a Vila de São Jorge, o engenho de Taipe, a lagoa de Taipe, a barra de Ilhéus, o rio das Contas “barra do rio das Contas para patachos”, Camamu, a Ilha de Queipe, ponta dos Castelhanos, Boypena (sic) “barra do Boypena aonde entram os patachos”, barra de Tabatinga, morro de São Paulo, barra de Jaguaribe e a ponta da Ilha de Taparica.

Nona folha:

“Bahia de Todos os Santos” – mostra a baía de Todos os Santos no atual Estado da Bahia; incluindo os engenhos da Nossa Senhora das Candeas e do Coelho, a Ilha da Maré com o engenho de Mateus Lopes, Nossa Senhora do Carmo, os engenhos do Brito, do Andrada, o Grande de Caterina, de Barbosa, Nossa Senhora do Engenho, o engenho São Estevão, Boqueirão, Praia Grande, as Ilhas de João do Rego, dos Frades, das Fontes de Coizoba (sic), Nossa Senhora da Morte, o rio Sirigipe (sic) do Conde, o engenho do Conde, as Ilhas Morare e do Medo com os engenhos de Santo Antônio, de São Tiago, o velho e o novo, o de Nossa Senhora da Luz, o de Taperande, o de Capanema, o de Batatinga, o rio Batatinga, a Ilha de Taparica com o rio Jaguaripe, a ponta das Baleias, o engenho de Azevedo, Vera Cruz, o engenho da Cruz, a barra de Jaguaripe, o rio Taquiriçá (sic), a barra do morro de São Paulo, a Ilha de Cairu, a fortaleza do Morro; e ainda, a Praia Vermelha, os fortes de São Bartolomeu, de São Felipe e do Rosário, o rio Vermelho, o rio São Francisco, o forte São Alberto, a cidade de Salvador, São Bento, o forte de São João, Nossa Senhora da Vitória, os fortes de São Diogo, de Santa Maria e de Santo Antônio.

Décima folha:

“Aparencia de Pernambuco” – mostra o litoral de Pernambuco; incluindo o rio dos Afogados, o forte de Três Pontas, trincheiras, “praça muito forte com artilharia”, fortaleza “a que chamam de cinco pontas”, a cidade de Mauriceia (sic), a fortaleza de Santo Antônio, casas do Príncipe, a ponte “que vai desde Santo Antônio ao Recife”, a cidade de Recife, o “caminho que vai para o Arraial”, o rio Capibaribe, “caminho da casa seca que vai para o Arraial”, o forte Velho, a fortaleza de Brum, as campinas das salinas, o forte Rego, o forte de Perrechil (sic), o forte do Buraco, a Vila de Olinda, a Guarita de Matias Albuquerque.

Décima primeira folha:

“Demostração do Rio de São Francisco athe a Tapoham” – mostra o litoral dos atuais Estados da Bahia e de Sergipe; incluindo a Ilha de Itapoã, o rio Vermelho, a praia do Zinho, o rio Jaquipe, o rio Pojuca, a Torre da Graça da Vila, a barra do rio da Torre da Vila, os rios Sabuipe, Saboahuma (sic), Tareire, Tapucuru e o Real, “barra do rio Real a donde podem entrar caravela”, costa de Vaza Barris (sic), Irapiranga, Taparagua, Ipaxiguaçu, Maracapi, “barra do rio Sirigipe onde podem entrar navios grossos com piloto da terra”, Icatu, Santa Izabel, Guaratiba, Ilha dos Pássaros, Santo Antônio e a barra do rio São Francisco.

“Demostração do rio Tapucagipe athe o de São Francisco” – mostra o litoral dos atuais Estados da Bahia, de Sergipe e de Alagoas; incluindo Guaratiba, Ilha dos Pássaros, o rio Upapuxi (sic), o rio Ipaxi (sic), o rio São Francisco, a aldeia Piracaba, Nossa Senhora do Loreto, o rio Cororuipe, o porto velho dos Franceses, o rio de São Miguel, o porto dos Franceses, a Vila de Madalena, Lagoa do Norte, o rio da Sé, ponta de Guaraguara, o rio de Santo Antônio Pequeno, o rio Tapuagipe (sic), o coral dos padres do Carmo, o rio de Santo Antônio Grande, o morro de Camaragibe, o rio do Porto das Pedras, o outeiro de São Bento e o rio Marquipe (sic).

Décima segunda folha:

“Demostração do cabo de Santo Agostinho athe o rio Tapucagipe” – mostra o litoral dos Estados de Alagoas e Pernambuco; incluindo o rio Tapucagipe (sic), o curral dos padres do Carmo, o rio de Santo Antônio Grande, o morro de Camaragibe, o rio Camaragibr, a barra de Retuão, o rio do Porto das Pedras, o Outeiro de São Bento, o rio Marquipe, Porto Calvo, os rios Persinunga, das Flexas e o Formoso na barra de Tamandaré, os rios Serinhaem (sic), o Macaripe, o Pojuca na de Ilha de Santo Aleixo, os rios Tabatinga e do Extremo e o Porto de Maria Glã no cabo de Santo Agostinho, a Candelária, o cabo de Pero Cabarim, os currais, o riacho da Barreta e o rio dos Afogados.

“Demostração da Paraíba athe Pernambuco e Tamaraca” – mostra o litoral dos as atuais Estados de Pernambuco e Paraíba; incluindo o rio Extremo, a Candelária, o cabo de Pero Cabarim, os currais, o rio dos Afogados, a Ilha de Santo Antônio, o rio Camaragibe, a barra de Pernambuco, o rio do Varadouro, a Vila de Olinda, os rios Tapedo e Doce, o surgidouro do Pão Amarelo, Maria Farinha, Paranapuca, a Vila de Igaraçu, os rios Acaripe e Maçarandube (sic), a Vila da Conceição de Tamaraca, Catuama, o rio Guaiana, a barra do Porto dos Franceses, os rios Capivarimirim, o Guaramame e o Jaguaribe, o cabo Branco, a barra da Pedra Furada, Camboinha, a cidade da Paraíba, os rios Ecitiribe (sic), o das Mares e o Vinhãobi (sic), a Ilha dos Alcatrazes, o rio das Ostras, as Ilhas de São Bento, dos Mangues, de Marechal Soares e dos Frades, Nossa Senhora da Graça e a ponta do Lucena.

Décima terceira folha:

“Costa que corre do Rio Grande athe a ponta do Lucena” – mostra o litoral dos atuais Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte; incluindo a ponta do Lucena, os rios Mirinin (sic) e o Mongonguape, a baía da Traição, o rio Camauitibi, a baía Formosa, os rios Curimataugo e Cunhahugo (sic), o porto de João Laostan “de grande pescaria”, rio Baixo, o porto de Búzios “onde podem surgir navios de quinhentas toneladas”, o porto do Touro, e o Rio Grande.

“Demostração dos Baixos de São Roque e Rio Grande” – mostra o litoral do atual Estado do Rio Grande do Norte; incluindo os baixos de São Roque, a cidade de Rio Grande, o rio Seara, o rio da Guarda, a costa Brava, a costa de Potiguares, o rio da Sé, Potiguares e Peranduba.

Décima quarta folha:

“Demostração do Rio Openama athe os Baixos de São Roque” – mostra o litoral do atual Estado do Rio Grande do Norte; incluindo os baixos de São Roque, o rio de Água Doce, Paranduba, ponta das Pedras, Itaquatiara, ponta da Caifa, o rio Guamare, as salinas, os rios das Salinas, o Omaraliba, o Garotohug (sic), ponta do Mel e o rio Openama.

“Demostração do Seara athe o Rio Openama” – mostra o litoral dos atuais Estados de Rio Grande do Norte e do Ceará; incluindo a ponta do Mel, o rio Openama, os montes Vermelhos, a ponta Urabana (sic),o porto das Onças, o rio Jaguaribe, Paranduba, o rio Baixo, a ponta de Macuripe, a cidade do Ceará (sic) e o Forte.

Décima quinta folha (ARC.16,8,20):

“Demostração do Rio das Preguiças athe o Seara” – mostra o litoral dos atuais Estados do Ceará, Piauí e Maranhão; incluindo a cidade do Ceará (sic), o rio Assumame (sic), o rio Doce, a terra dos Fundos, o rio Mondeituba, Coronibo, o buraco das Tortugas (sic), os rios da Cruz, o Paramiri, o Paraçu e o das Preguiças.

“Demostração do Maranhão athe o Rio das Preguiças” – mostra o litoral do atual Estado do Maranhão; incluindo o rio das Preguiças e o rio Baixo, a barra do Pereia, a ponta dos Mangues Conceição da Barra, o “canal de bom fundo por onde desembocam os navios que vão ao Maranhão os que fazem viagem por dentro”, as Ilhas de Santana, do Masan (sic), e de fora, a aldeia velha de Mani Guaconduba (sic), o forte de Santa Maria “primeiro que tomamos os franceses”, a cidade de São Luís, Marituba, Juruparana, o forte São Felipe, Tapari, o forte São Francisco, “a casa de João Dias”, o rio Maracu, a Ilha das Pacas, a aldeia dos Tapuias, a Ilhas do Surgião (sic), Icaré, “a povoação dos brancos” e Tupitapera (sic).

Décima sexta folha:

“Demostração do Rio Turi athe o Maranham” – mostra o litoral dos atuais Estados do Maranhão e do Pará; incluindo os rios Tapacuro e Maracu, a Ilha das Pacas, a aldeia dos Tapuias, a Ilha do Surgião (sic), Icaré, “a povoação dos brancos”, São Luís, Tapitapera, Omoro, Abacongo, a baía do Cabelo da Velha, Igarapé, Sipotuba (sic), Turiana, Ilha de São João e o rio Turi.

“Demostração do Para athe o Rio Turi” – mostra o litoral atual Estado do Pará e parte do atual Estado de Tocantins; incluindo a Província de Tocantins, a Província dos Tupinambás, os rios Turi, Pindatuba e o Cará, Aratuiba, Coritapera, o rio Guarupi, a baía de Rodamonte, a barra de Caité, Vila de Caité, os rios Cutira e Piriquiri, a ponta das Pedras, Itapoca, Maracanã, os rios Capi e Mugo, a cidade de Belém, a ponta do Mel, a Província dos Pirapes, a aldeia do Faustino, a Província dos Turunas, a Província dos Pocajares, Camoru, Comuta, as Ilhas dos Iones (sic), dos Aruras (sic) e das Armas, a Província dos Içares, os rios Pará e Amazonas, a Província de índios “a que chamam Tapuiaçus”, a Província das Mariguis, “o forte que tomamos dos holandeses”, o Cabo Norte e o rio de Vicente Anes Pinçon.

Após esta descrição das folhas do Atlas, faz-se necessário relacionar a sua importância diante da contextualização histórica e da temática e da representação contida nos 29 mapas analisados.

A priori devemos dar uma relevância a descrição indígena que aparece nos mapas, lembrando que no início da colonização os portugueses não atentavam para as variações entre os nativos e adotaram a distinção entre tupi e tapuia; estes recebiam o nome dos próprios tupis, por não falarem a sua língua. É mister que o grupo lingüístico tupi possuía inúmeras etnias que se localizavam em pontos do litoral e do interior do Brasil, tais como: tupiniquim, tupinambá, tamoio, caeté, potiguar, temiminó, entre outros. O termo tapuia aludia a grupos lingüísticos diversos: jê, karib, arawak e famílias lingüísticas menores.

Os europeus empregavam esses termos genéricos e identificavam os grupos específicos como “nações” que nem sempre se referiam a culturas étnicas. Da mesma forma que ao utilizarem também o vocabulário genérico de gentio para aludirem aos índios, os colonizadores os inseriam no imaginário cristão, classificando-os a partir do ponto de vista europeu, e não da tradição indígena.

No que tange às missões jesuíticas, podemos dizer que no início da colonização do Brasil, a tarefa de conversão dos gentios à fé católica colocava desafios inéditos para os religiosos. Ronaldo Vainfas esclareceu que desconhecendo as sociedades nativas os europeus tinham a impressão de que os índios viviam “sem Deus, sem lei, sem rei, sem pátria, sem república, sem razão”. O grande mérito dos jesuítas, segundo este historiador, consistiu na percepção da humanidade dos nativos da América. E através dos colégios jesuítas, incentivou-se o desenvolvimento de procedimentos capazes de atingir a sensibilidade dos nativos, aproximando-os da cultura cristã. Esta estratégia assentava-se em três convicções básicas: a de que os índios eram tão capazes dos sacramentos quanto os europeus; a de que os índios eram “livres por natureza”; e a de que tinham o caráter de um “papel branco”, em que poderia ser impressa a palavra de Deus. Com estas diretrizes, os jesuítas buscaram na catequese, ante de tudo, a mudança de alguns costumes ameríndios, incompatíveis com a fé católica, como a poligamia e a antropofagia, e para isso, fizeram largo uso da música, da dança, dos autos religiosos e das procissões. Ao contemporizar com alguns modos indígenas, esperando, como argumenta Serafim Leite, tornar mais factível a pregação do Evangelho, revelavam agudo senso prático e compreensão da distância que separava culturas tão diferentes.

Com o tempo, diante dos conflitos com os colonos, que viam nos indígenas uma força de trabalho pouco onerosa, e a partir do desenvolvimento de uma pedagogia, elaborada nos seus colégios, conceberam a idéia de agrupar grandes contingentes de nativos em aldeias relativamente isoladas dos núcleos urbanos, como meio de fazer avançar sua atividade apostólica. Impondo-lhes fainas agrícolas e artesanais contínuas, intercaladas com momentos de lazer e oração, os jesuítas levaram às últimas conseqüências seu projeto missionário, cuja tônica era mais civilizacional do que religiosa.

Vainfas salientou que a Coroa apoiou à organização desses aldeamentos, cuja expressão final foi o Regimento das Missões (1686), que somava à jurisdição espiritual o privilégio de administrá-los temporalmente. Essa política converteu-se, de um lado, em motivo de tensão permanente com os colonos, sempre ávidos de mão-de-obra indígena. De outro lado, ao fixar populações seminômades e alterar radicalmente seu modo de vida, os aldeamentos desarticulavam as culturas indígenas, o que foi objeto, posteriormente, de forte crítica historiográfica.

Sobre os engenhos que aparecem ao longo das 29 cartas tem uma importância fundamental na estrutura econômica e social da Colônia. O engenho de açúcar é a unidade produtiva que melhor caracteriza as condições de riqueza, poder, prestígio e nobreza do Brasil. O historiador Ronaldo Vainfas lembrou que havia hierarquias entre os engenhos. O mais rico e mais complexo era o engenho real, movido à água. Estes senhores tinham em torno de si uma grande variedade de oficiais de serviço a soldo, necessários à produção, como mestre de açúcar, purgador, calafates, carpinteiros, pedreiros, carreiros, oleiros, vaqueiros, pastores, pescadores, caixeiros, feitores. E um grande número de escravos: os de enxada e foice, para a lavoura, os da moenda e, ainda, os domésticos. O senhor também administrava sua família, mulher, filhos e agregados, transpondo ao governo da casa o poder que adquiria na administração da produção e na esfera política. O cabedal (bens) que tinha de ter um senhor do chamado engenho real deveria ser grande o suficiente para enfrentar os elevados custos de implantação e funcionamento do engenho. Os demais engenhos, movidos por escravos ou animais, e as engenhocas, voltadas para a produção de aguardente, exigiam investimento menor.

Seja como for este Atlas insere-se no contexto da organização político-administrativa, social e econômica do Brasil Colonial.

REFERÊNCIAS

LEITE, Serafim S. Breve história da Companhia de Jesus no Brasil, 1549-1760. Braga: Apostolado da Imprensa, 1993.
PINTO, Alfredo Moreira. Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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