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A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

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CARTA DA BAHIA DE MACAPÁ

O mapa com o título “Carta da Bahia de Macapá: feita por ordem do Exmo Governador e Capitão General do Estado do Pará D. Francisco de Souza Coutinho” e foi feito no ano de 1800. De autor desconhecido, há uma indicação de que foi copiado de Pedro Alexandrino Pinto de Sousa, T. Coronel Eng.

O mapa retrata o litoral e uma parte do interior do atual território do Amapá e uma pequena porção de terra do Pará (Ilha Caviana). Mostrando o Rio Araguari, de sua foz (na Ilha do Juruá) até o interior do território. Este vem acompanhado de legenda, onde se lê: “Rio Araguari caudelozo tem abundaçia de cravo”.

Dentre as ilhas, que são muitas, destacam-se a Ilha do Bailique [Ilha do Franco], Ilha Cru-ã [Ilha Curuá], Ilha de Bragança, Ilha Caviana (onde aparece as indicações de lugar de Rebordelo e fazenda da Caridade) e Ilha de Santa Anna [Ilha de Santana], sempre ladeadas por indicações de prováveis bancos de areia e instruções para navegação na região.

Já no continente há muitas indicações de fazendas, sempre acompanhadas dos nomes dos proprietários, Fazenda de Manoel Joaquim, Fazenda de Manoel Caetano, Fazenda de Julião, Fazenda de Manoel Vaz, Fazenda de Mello, Fazenda do Retiro, Fazenda --- Vaz, Fazenda de Manoel Correia, Fazenda de Felizberto. Onde existe a atual cidade de Macapá, há um topônimo indicando: Praça de Macapá, acompanhada ao sul pela indicação de dois engenhos.

Os rios que aparecem no mapa, além do Araguari, são: Rio da Pedreira e Rio Matapi. Próximo a este último, aparece a indicação de duas vilas: Villa Vistoza e Villa de Mazagão [Mazagão].

Cabe ressaltar um caminho traçado no mapa, acompanhado de legenda, que indica o “caminho por terra de Macapá a Araguari”, com topônimos indicando: “Frexal grande, Desfiladeiro e Frexal pequeno”.

No que tange a exploração da região amazônica, Jaime Cortesão afirma que, enquanto o vale amazônico não se abriu aos portugueses, o Brasil foi considerado vasta ilha limitada pelo Prata e o Tocantins unidos por um lago. Estender a soberania política a esta região, foi o sonho dos portugueses e luso-brasileiros, perseguido durante um século.

De acordo com Isa Adonias, antes mesmo de saberem da existência do Novo mundo, Portugal e Espanha já o tinham dividido entre si pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494. O governo português procurou honrar o compromisso quando instituiu o regime das Capitanias hereditárias, mas as fronteiras ao norte e a oeste ficaram indefinidas, como conseqüência da ignorância geográfica do que havia além da estrita faixa litorânea. Na realidade, pelo acordo firmado, a vasta região amazônica ficava fora da esfera de soberania lusitana.

Somente coma união das Coroas ibérica (1580-1640) criou-se condições excepcionais, do ponto de vista político, para que os luso-brasileiros ultrapassassem os limites fixados em Tordesilhas e se instalassem na Amazônia. Incentivam-nos os próprios espanhóis, ao reconhecerem as ameaças que as incursões holandesas, inglesas, irlandesas e francesas representavam para o domínio ibérico, em fins do século XVI e início do seguinte. A expulsão dos intrusos que freqüentavam ou se achavam estabelecidos nas vizinhanças do estuário amazônico, se completou em 1640, quando, finalmente vencidos, os holandeses e ingleses abandonaram definitivamente a região.

Para Sérgio Buarque de Holanda, a expansão processou-se, por isso mesmo, sem demora e cobriu uma extensão imensa do mundo amazônico. Foi rápida, impetuosa e realizada sem grandes contingentes humanos. E resultou numa nova fronteira. A que se fixara em Tordesilhas, já não satisfazia, nem tinha mesmo mais sentido. A ocupação do delta, assegurando liberdade de movimentos, convidava à penetração do interior.

Nírvia Ravena afirma que ao dar satisfações ao Conselho Ultramarino de sua incumbência em estabecer uma povoação no Cabo Norte, o Governador do Grão-Pará e Maranhão, Mendonça Furtado, referia-se àquele espaço como uma região rodeada de “maus vizinhos”, mas constituída de “boas terras”.

Na realidade, em se tratando de conquista e povoamento do Ultramar, a Coroa Lusitana utilizava uma interessante alquimia. Planejamento e improvisação eram os “ingredientes” que marcavam a elaboração e execução dos projetos de povoamento. Portugal era uma nação com as finanças depauperadas e recém-saída de um terremoto; diante disso, não é impossível supor que o detalhamento exposto na elaboração dos projetos de povoamento correspondesse, nos momentos de execução a ações marcadas pelo improviso.

Segundo Rosa Marim, a transferência de centenas de famílias para o Grão-Pará foi patrocinada pela Companhia de Comércio em definição de objetivos e regras. Os mecanismos de ajuda e os auxílios prestados para sua instalação, assim como os papéis econômico, social e militar atribuídos estavam definidos em códigos de controle da administração local. Durante a iniciativa de formação da Vila, houve investimentos na entrada de famílias, na fixação de capitais locais, na adaptação de técnicas, na organização de um mercado de trabalho escravo, no incentivo de produtos e nas isenções para sua exportação. A entrada de famílias de colonos nos circuitos mercantis significou, em muitos casos, o endividamento e a estagnação dos empreendimentos.

As terras do Cabo Norte receberam um sopro de povoamento, com a entrada de famílias embarcadas em Lisboa, com os escravos introduzidos da África e os indígenas mobilizados de locais diversos do vale amazônico. Macapá, situada a 36 léguas do Cabo do Norte, foi o epicentro desse movimento. Entre as famílias vindas para estes núcleos fez-se a divisão das terras. Fundou-se a Vila de Macapá, no ano de 1758, embora as primeiras instruções dadas a João Batista de Oliveira para estabelecer uma “nova povoação e fortificação” datassem de 1751. Cabe ressaltar que Macapá surgiu como uma contraposição ao domínio francês. Apesar de seu caratê militar o projeto precisou ressaltar sua faceta agrícola para concorrer com os planos de colonização da Guiana. Necessitava-se transforma-la em uma possessão agrícola próspera. A vila constituiu um pequeno lugar encostado às muralhas da Fortificação com algumas centenas de famílias que receberam instrução para dedicar-se ao trabalho agrícola.

Em 1769 surge a segunda vila: Mazagão, no Grão-Pará, fundada com famílias imigrantes provenientes da antiga praça portuguesa homônima, do mar atlântico. A terceira vila fundada foi Vistoza Madre de Deus. Recebeu “ilheos Funchalenses” e quarenta degredados de Lisboa. O quarto sítio ficou conhecido como Sant’Anna, situado à beira do Rio Maracapuai.

Alguns administradores de Macapá e Mazagão incentivaram mais a agricultura, mesmo que esses núcleos funcionassem mais como reserva militar e salvaguarda de fronteira. Identifica-se uma primeira ambivalência do projeto: colônia agrícola e guarnição militar, de tal forma que freqüentemente as autoridades deslocaram ou indicaram muito tangencialmente o lugar da agricultura em favor do segundo interesse.


REFERÊNCIAS

ADONIAS, Isa. Mapa: imagens da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro: Odebrecht, 1993.
CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957.
HOLANDA, Sérgio Buarque (org). História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. v.1. p.29-34.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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