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A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

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CARTA GEOGRAFICA DEL BRESIL

Este mapa com o título de “Carta Geografica del Bresil” foi produzido em italiano, por volta de 1740. Podemos perceber que ele abrange a área geográfica da costa do Brasil, a Amazônia e o Paraguai.

No que se refere ao Brasil, o mapa tem a denominação de “Brasile Terra de Santa Croce”, e ainda, mostra o território dividido em Capitanias; descreve as tribos indígenas que ocupavam a costa brasileira e a Amazônia, tais como: os tupinambás, os potiguares, os tapuias, os guaicurus, os tupiniquins, os tomiminós, entre outros; mostra as áreas de mineração, salientando-se a presença de um desenho, no canto inferior direito, que simboliza o trabalho dos “escravos mineiros”; descreve o curso de alguns rios, tais como: o São Francisco; o Madeira; o Amazonas; o Paranaíba; o Real; o Capivari; o Jaguararibi; o Paraná; o Paraguai e o Paiaguas (Paraguai).

Além disso, no interior do mapa aparece parte do território brasileiro como “desconhecido”, a Lagoa de Xarayes e o Porto do Rei (ambos na atual região do Pantanal de Mato-Grosso). A região sul do Brasil pode ser observada através da Missão de Guairá, localizada no atual Estado do Paraná.

A fim de enfatizar a contextualização deste mapa no que tange à História do Brasil, devemos ressaltar a relevância das Capitanias na divisão político-administrativa do território. O sistema de Capitanias tinha como modelo, o antigo senhorio português de fins da Idade Média, que no Brasil se ajustou ao contexto do Império ultramarino, observou o historiador Ronaldo Vainfas. Consistia na concessão real de largos domínios, proventos e privilégios a particulares, incluindo atributos de soberania, como o direito de fundar povoações, nomear funcionários, cobrar impostos e administrar justiça. Este sistema oferecia a vantagem de promover a exploração das colônias sem ônus para o Estado.

No Brasil, o sistema ficou conhecido como capitanias hereditárias. Na carta de doação estavam regulados os privilégios, regalias e deveres do donatário. Ela era editada juntamente com o foral, texto que estipulava precisamente todos os direitos e deveres dos colonos, tanto em relação ao capitão-donatário quanto à Coroa.Dessa forma, ficava cedido aos capitães-donatários um certo número de léguas de terras, com a respectiva jurisdição civil-criminal.

No que tange às capitanias, eram hereditárias, inalienáveis e indivisíveis. Os capitães tinham como obrigação dividir a terra em sesmarias, junto aos seus colonos, os beneficiários. Além disso, os capitães ficavam encarregados de receber um certo número de impostos destinados ao rei.

D. João III introduziu as capitanias hereditárias, no Brasil, entre os anos 1534 e 1536, abrangendo as terras que iam de Pernambuco ao Rio da Prata. A maioria das doações foi feita a membros da pequena nobreza, seguindo o critério de recompensa a funcionários que haviam se destacado e enriquecido na expansão ultramarina no Oriente. Vale ressaltar que se por um lado isso parecia ser uma forma de mercê, também funcionava como eficiente estratégia de captação de recursos para a ocupação e o desenvolvimento das novas terras.

É importante lembrar que com exceção de Pernambuco, Porto Seguro, Ilhéus e São Vicente, todas as outras capitanias fracassaram em seus intentos iniciais, levando a Coroa a rever posteriormente sua política de colonização.

Depois, D. João III decidiu estabelecer uma organização mais vigorosa, sem abolir o sistema das hereditárias, criando o governo geral. A própria nomenclatura que diferenciava os dois tipos de capitanias – capitanias donatárias e capitanias reais – indica o fiasco do sistema original, passando a Coroa a implantar uma política progressiva, embora lenta, de reincorporação das donatarias ao patrimônio régio.

No início do século XVII, eram as capitanias hereditárias as de São Vicente, Santo Amaro, Espírito Santo, Porto Seguro, Ilhéus, Pernambuco, Itamaracá; e eram capitanias reais o Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Paraíba, Rio Grande, Ceará, Maranhão e Pará. Lembrando que o sistema de capitanias hereditárias foi extinto na administração Pombalina, 1750-77.

No que tange às tribos indígenas, devemos destacar que no início da colonização os portugueses não atentavam para as variações entre os nativos e adotaram a distinção entre tupi e tapuia; estes recebiam o nome dos próprios tupis, por não falarem a sua língua. É mister que o grupo lingüístico tupi possuía inúmeras etnias que se localizavam em pontos do litoral e do interior do Brasil, tais como: tupiniquim, tupinambá, tamoio, caeté, potiguar, temiminó, entre outros. O termo tapuia aludia a grupos lingüísticos diversos: jê, karib, arawak e famílias lingüísticas menores.

Os europeus empregavam esses termos genéricos e identificavam os grupos específicos como “nações” que nem sempre se referiam a culturas étnicas. Da mesma forma que ao utilizarem também o vocabulário genérico de gentio para aludirem aos índios, os colonizadores os inseriam no imaginário cristão, classificando-os a partir do ponto de vista europeu, e não da tradição indígena.

Sobre a Lagoa de Xarayes sabemos que durante muito tempo foi um espaço privilegiado para sonhos concebidos sobre uma realidade desconhecida. Esta região hoje é conhecida genericamente por Pantanal, e durante séculos foi descrita em textos e representada em mapas como um lugar onde vertiam as águas do rio Paraguai. Este mito geográfico sobreviveu até meados do XVIII. O historiador português Jaime Cortesão relaciona Xarayes com a grande criação geográfica portuguesa: o mito da Ilha Brasil. Este mito teria origem nas narrativas indígenas sobre a existência de um grande lago no interior desta ilha, do qual nasciam os grandes rios Maranhão, São Francisco e da Prata. As águas destes rios contornavam a porção de terra indo juntar-se às do Atlântico, delineando o acidente geográfico. Para Cortesão, esta imagem passada à cartografia quinhentista, permitiu a Portugal projetar todo o seu território colonial na América, dentro da demarcação de Tordesilhas. Para o historiador português, “desde a sua origem a Ilha-Brasil é uma criação política” (CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos Velhos Mapas. Tomo I. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957, p. 339). Sérgio Buarque de Holanda discorda de Cortesão. Para ele, não é fácil “imaginar de que forma concepções como essa, se é que existiram de fato, poderiam ter tido papel tão considerável na expansão lusitana” (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.10). Maria de Fátima Costa destaca que discussões à parte, o que importa é a existência do mito, e sobre isto não há discordância.

Sob o ponto de vista geográfico, a província jesuítica do Paraguai se estendia à parte meridional da atual Bolívia, ao sul do Mato Grosso (Lagoa de Xarayes) e parte do atual Estado brasileiro do Paraná (Missão de Guairá). No que tange ao Guairá, vale dizer que os sertanistas e os mercadores portugueses precederam não só os jesuítas portugueses, mas também os castelhanos, religiosos ou leigos na exploração desta região. Mas é de iniciativa dos jesuítas portugueses a evangelização dos índios do Guairá, ressaltou Jaime Cortesão. É ainda, é importante salientar as lutas freqüentes entre os bandeirantes e os jesuítas espanhóis e a destruição da Missão pelos primeiros, quando do apresamento dos indígenas.

REFERÊNCIAS

CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos Velhos Mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957. Tomo I.
____________. Jesuítas e Bandeirantes no Guairá (1594 – 1640). Manuscritos da Coleção de Angelis. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951.
COSTA, Maria de Fátima. História de um País Inexistente. O Pantanal entre os séculos XVI e XVIII. São Paulo: Estação Liberdade : Kosmos, 1999.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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