BNDigital

A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

< Voltar para Dossiês

DESCRIPÇÃO DOS RIOS PARA, CURUPA E AMAZONAS

O mapa com o título “Descripção dos Rios Para, Curupa e Amazonas. Discuberto e sondado por mandado de sua Magde. Por Antônio Vicente patrão de Pernambuco”, é de autoria de Antônio Vicente Cochado e foi feito no ano de 1623.

Segundo Max Justus Guedes, a carta desenhada por Cochado, é dividida em duas, (PARTE PRIMEIRA e PARTE SEGUNDA) sendo as duas aquareladas. O verde é predominante em ambas, e indica a terra firme e nas águas oceânicas e fluviais o cartógrafo lançou breves pinceladas de azul, hoje muito desbotado. Os topônimos aparecem em preto, as fortalezas e os inúmeros aldeamentos, que assinalados pela construção característica, recebem o nome da tribo que os habitava, são coloridos de vermelho.

Os mapas abrangem as terras da foz do Amazonas compreendidas entre o “Cabo do Norte” e o “Rio Dinutoanengua”

Isa Adonias, que a analisou em A Cartografia da região Amazônica, afirma que, esta carta é a primeira que mostra, individualmente, o delta amazônico e representa o resultado, como indica o título, de uma ou várias explorações realizadas por Antônio Vicente Cochado. Não é ele, propriamente, o autor do desenho, mas das informações ou dos esboços dados ao desenhista ou cartógrafo no seu regresso à metrópole.

O exemplar pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é considerado, por alguns historiadores, como sendo o desenho original reproduzido, depois, nos Atlas de João Teixeira e João Teixeira Albernaz, respectivamente de 1630 e 1631.

A região representada na carta abrange, a leste, a costa paraense, os rios Moju e Tocantins; ao sul e oeste, limitam-na um rio e a costa do Amapá, até um pouco acima do Cabo do Norte; o centro está repleto de ilhas, sendo que as da parte setentrional correspondem à de Marajó e a outras vizinhas, e as da metade meridional, de maiores dimensões, identificam-se com a costa paraense situada entre os rios Tocantins e Xingu. Esta região é atravessada, realmente, por vários rios largos, como o Oeiras, Jacundá, Camaraipi, Pacai, cujos afluentes quase se unem ou fazem em alguns pontos, dando a impressão de retalha-la em grandes ilhas, como teria parecido aos primeiros exploradores.

A configuração do delta amazônico, como mostra a carta, está longe pois, de corresponder à realidade: as costas paraenses e amapaenses, não são paralelas e eqüidistantes, mas próximas uma da outra, na altura da ponta Taipu e da Ilha Curuá e afastadas para o interior. Um canal no sentido NE-SW, mais aberto à direita e mais estreito e repleto de ilhotas, à esquerda separa os dois grupos de ilhas. Em certo trecho, onde desemboca o R. de Pacaxares, está assinalado perigo.

Segundo Max Justus Guedes, a Parte primeira: na margem direita, numa ponta da terra, estão representados um grupo de casas e uma fortaleza (o Forte do Presépio) onde se localiza a cidade de Belém e alguns aldeamentos. São especialmente notáveis, nesta parte, as seguintes legendas: o “Rio Moxv”, hoje conhecido como Moju; o “Rio Capim”, reunião dos rios Guamá e Capim, atualmente conhecido com o nome do primeiro; o “Rio do Pará”, atualmente Tocantins; “Rio Pacaxares”, hoje Rio Pacajá; “Fortalesa de mocuros de olandeses que cayjo nosa” e “Fortalesa de olandeses queimada” e “Capanoa – porto donde dão fundo os nauios q tratan cõ os gentios”.

Parte segunda: esta segunda parte tem por objetivo cartografar o interior do enorme delta. Nesta também se destacam os grandes rios da região, o “Rio Moxv”, “Rio do Pará” e “Rio Pacaxares”. Além das legendas relativas aos fortes holandeses queimados, destacamos o “Rio de Corpotibes donde chegarão aos framengos a resgatar cõ os Indios Tapuyas”.

Este mapa foi analisado por Max Justo Guedes em Brasil – Costa Norte. Cartografia portuguesa vetustíssima, e Isa Adonias em A Cartografia da região Amazônica.

Quanto a exploração da região amazônica, Jaime Cortesão afirma que, enquanto o vale amazônico não se abriu aos portugueses, o Brasil foi considerado vasta ilha limitada pelo Prata e o Tocantins unidos por um lago. Estender a soberania política a esta região, foi o sonho dos portugueses e luso-brasileiros, perseguido durante um século.

Entretanto, não foi sem dissídios e conflitos mais ou menos violentos entre as partes interessadas, ou melhor, entre seus representantes no Novo Mundo, que se operou a dilatação formidável da conquista.

De acordo com Isa Adonias, antes mesmo de saberem da existência do Novo Mundo, Portugal e Espanha já o tinham dividido entre si pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494. O Governo português procurou honrar o compromisso quando instituiu o regime das capitanias hereditárias, mas as fronteiras ao norte e a oeste ficaram indefinidas, como conseqüência direta da ignorância geográfica do que havia além da estreita faixa litorânea. Na realidade, pelo acordo firmado, a vasta região amazônica ficava fora da esfera de soberania lusitana.

As primeiras explorações nela realizadas foram empreendidas pelos espanhóis Vicente Yáñes Pinzón, em 1500; Francisco de Orellana, em 1542 e Pedro de Ursua, em 1560-1. As duas últimas realizaram-se ao embalo do mito expansionista do El Dorado.

Somente com a união das coroas ibéricas (1580-1640) criaram-se condições excepcionais, do ponto de vista político, para que os luso-brasileiros ultrapassassem os limites fixados em Tordesilhas e se instalassem na Amazônia. Incentivam-nos os próprios espanhóis, ao reconhecerem as ameaças que as incursões holandesas, inglesas, irlandesas e francesas representavam para o domínio ibérico, em fins do século XVI e início do seguinte. A expulsão dos intrusos que freqüentavam ou se achavam estabelecidos nas vizinhanças do estuário amazônico, se completou em 1640, quando, finalmente vencidos, os holandeses e ingleses abandonaram definitivamente a região.

A expansão portuguesa na Amazônia obedeceu a dois fatores essenciais: o econômico – a busca de especiarias, a que se chamavam “as drogas do sertão” e a da mão-de-obra indígena; e o político – estender a soberania portuguesa tanto quanto possível à vasta unidade geográfica, econômica e humana da bacia amazônica. Mas fator econômico e político fundiam-se. As mesmas ordens religiosas, quase sempre impregnadas de proselitismo e piedade cristã, não deixaram, quer de participar do movimento econômico, quer da política de Estado, de que foram por vezes eficazes instrumentos. Mas os portugueses revelaram também aqui a sua excepcional consciência do espaço, capacidade de expansão e intuição política.

Para Sérgio Buarque de Holanda, a expansão processou-se, por isso mesmo, sem demora e cobriu uma extensão imensa do mundo amazônico. Foi rápida, impetuosa e realizada sem grandes contingentes humanos. E resultou numa nova fronteira. A que se fixara em Tordesilhas, já não satisfazia, nem tinha mesmo mais sentido. A ocupação do delta, assegurando liberdade de movimentos, convidava à penetração do interior.

No ano de 1750, o Tratado de Madri, legalizou a obra da irradiação sertanista, realizada por todo o sertão brasileiro, a Amazônia fora penetrada intensamente, por sertanistas, colonos, religiosos, autoridades civis e militares que subiram e desceram rios, vararam ou contornaram cachoeiras, distanciando-se do litoral ,muitas centenas de léguas.

Quanto às tribos indígenas, Ronaldo Vainfas, afirma que, no Brasil colonial, índio era termo empregado para designar as mais diversas etnias, grupos e culturas nativas. Cabe ressaltar que, os colonizadores inseriram os índios no imaginário cristão, classificando-os não a partir das tradições indígenas, mas do ponto de vista europeu.

No Brasil, desde cedo, os religiosos, sobretudo os jesuítas, destacavam a humanidade dos índios e seu pendor para a cristianização. No entanto, muitas vezes, os próprios jesuítas, duvidavam das possibilidades de catequese diante do canibalismo, da nudez e de certas manifestações que chamaram de feitiçaria. A colonização, portanto, desempenharia a missão de reverter a degradação, regenerar e salvar as almas que padeciam de tormentos infernais.

Nos primeiros séculos de colonização, havia, portanto, uma dicotomia básica. Os missionários, particularmente os jesuítas, defendiam a conversão e a “liberdade” dos índios, enquanto os colonos, necessitados de mão-de-obra, lutavam pelo direito de escravizar os nativos.

REFERÊNCIAS

ADONIAS, Isa. Mapa: imagens da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro: Odebrecht, 1993.
_____________ A Cartografia da Região Amazônica. Catálogo descritivo: 1500-1961. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1963.
CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957.
GUEDES, Max Justo. Brasil – Costa Norte. Cartografia portuguesa vetustíssima. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 1968.
HOLANDA, Sérgio Buarque (org). História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989, v.1. p. 29-34.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

Parceiros